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#556 A flecha do tempo

September 16, 2018
Q

Costuma-se falar que o tempo tem direção, mas, na verdade, não podemos experimentar o tempo sem também observar objetos dentro dele. Talvez a flecha do tempo seja propriedade das partículas que compõem “as coisas”, de modo que a direção parece universal porque praticamente todas as partículas ao nosso redor têm a mesma tendência (mais ou menos como o fato de que toda matéria ao nosso redor seja matéria, e não antimatéria). Esta seria uma perspectiva razoável?

Rustin
Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Sua pergunta serve para chamar nossa atenção ao que talvez seja a característica mais importante da filosofia do tempo contemporânea, a saber, que ela foi quase completamente “naturalizada”. Ou seja, filósofos do tempo operam quase que exclusivamente sob a suposição tácita (e talvez até inconsciente) da chamada “epistemologia naturalizada”. De acordo com esta perspectiva, a filosofia não é disciplina autônoma, mas deve ser praticada dentro da estrutura das nossas melhores teorias da física. Consequentemente, qualquer investigação das suposições filosóficas da física moderna está fora de cogitação. A física pôs uma corrente no pescoço da filosofia e a guia aonde quiser.

Não há (e não pode haver) nenhuma justificativa para essa epistemologia naturalizada, pois requereria uma perspectiva independente da ciência moderna, o que tal epistemologia proíbe. Pode ser adotada apenas individualmente por um filósofo como suposição metodológica pessoal. Eu rejeito categoricamente a suposição da epistemologia naturalizada. A questão da natureza do tempo é questão metafísica que não pode ser respondida apenas pela física.

Enquanto teísta, tenho um argumento fulminante de que o tempo é realidade que transcende a física. Isto porque podemos conceber Deus na ausência de qualquer universo físico como se tivesse uma sucessão de pensamentos (ou como se criasse um anjo com uma sucessão de pensamentos) — por exemplo, contando “1, 2, 3...”. Tal sucessão de eventos mentais é suficiente para o tempo, de modo totalmente independente de qualquer realidade física.

Portanto, é falso quando você diz: “na verdade, não podemos experimentar o tempo sem também observar objetos dentro dele”, a menos que você inclua eventos mentais sob “objetos”. Assim, a flecha do tempo não pode ser identificada com nenhuma propriedade física (como a direção da entropia crescente), como você sugeriu. Tais explicações reducionistas também calham de ser viciosamente circulares, já que pressupõem que a direção na qual, por exemplo, a entropia aumenta é posterior à direção.

Por isso, penso que qualquer filósofo em sã consciência deva reconhecer uma distinção entre tempo metafísico e tempo físico (ou tempos, uma vez que não há nenhum conceito unificado de tempo na física). O primeiro é o tempo em si, ao passo que o segundo são todas as diversas medidas físicas de tempo que empregamos mais ou menos com sucesso para medir o tempo em si. O tempo e sua flecha são independentes das medidas físicas que tiramos deles.

Se você estiver mesmo interessado em investigar a questão, dê uma olhada em meu livro Time and the Metaphysics of Relativity (Dordrecht: Kluwer, 2001) [Tempo e a metafísica da relatividade].

- William Lane Craig