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#683 A relação entre o pecado de Adão e a morte

July 17, 2020
Q

Caro Dr. Craig,

Qual é a sua visão sobre a ligação bíblica entre pecado e morte? Parece haver apenas três opções:

1) Deus pretendeu que a morte fosse parte de seu desígnio para o universo já no começo e que os seres humanos teriam morrido de todo modo, mesmo que jamais pecassem ou que a queda jamais ocorresse.

2) Deus não pretendeu que a morte fosse parte do desígnio do universo, e foi o pecado humano ou a queda que a causaram diretamente — de alguma maneira, nossa rebelião moral contra Deus “quebrou o universo” (isto é, de alguma maneira, causamos a mudança dos processos biológicos e físicos fundamentais ao nos rebelarmos).

3) Deus não pretendeu que a morte fosse parte do seu desígnio para o universo, mas, quando os seres humanos pecaram ou ocorreu a queda, Deus reagiu “amaldiçoando” o universo e introduzindo nele a morte, pois ele sabia que se tratava do modo mais apropriado de reagir ao que a humanidade fizera.

Dados todos os temores em relação à morte durante COVID-19, as muitas oportunidades evangelísticas para falar sobre pecado, morte e salvação (ou, por outro lado, as objeções que poderiam ser trazidas sobre o suposto absurdo da ligação), além da sua pesquisa pessoal sobre o Adão histórico, como o senhor articularia biblicamente essa ligação?

Deus abençoe!

Peter

Reino Unido

United Kingdom

Dr. Craig responde


A

Fico contente de receber sua mensagem, Peter! O assunto da sua pergunta é um daqueles que envolveram uma grande mudança de ideia em decorrência de meus estudos sobre o Adão histórico. A mudança não tem nada a ver com a historicidade de Adão, mas com a interpretação apropriada dos textos bíblicos.

Em 1 Coríntios 15.42-44, Paulo caracteriza nosso presente corpo mortal e corruptível como soma psychikon (corpo natural). Na ressurreição escatológica, ele será transformado em corpo imortal e incorruptível. Assim, por que o nosso corpo terreno é soma psychikon? Pensava que fosse consequência do pecado, em particular do pecado de Adão. Afinal, não foi Paulo quem disse em Romanos 5.12: “assim como o pecado entrou no mundo por um só homem, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, pois todos pecaram”?

No entanto, no decorrer de meu estudo sobre o ensino paulino acerca de Adão e Cristo, vim a perceber que Paulo não ensina que nosso soma psychikon seja consequência da queda de Adão. É crucial observar que, enquanto Romanos 5 contrasta morte e condenação espirituais em Adão versus justificação e justiça em Cristo, em 1 Coríntios 15 o contraste entre Adão e Cristo não é forense, mas físico.

Em Romanos 5.12-14, Paulo parece disposto a endossar a existência de pessoas que viveram entre o tempo de Adão e Moisés que eram malfeitores, mas não transgressores, ou seja, moralmente maus, mas não responsáveis:

Portanto, assim como o pecado entrou no mundo por um só homem, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, pois todos pecaram. Porque antes da lei o pecado já estava no mundo; mas, quando não há lei, o pecado não é levado em conta. No entanto, a morte reinou de Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão.

Os comentaristas parecem concordar, dizendo que os pecados (hamartiai) daqueles não eram como a transgressão (parabasis) de Adão. Paulo faz esta exata diferenciação: uma vez que não têm a lei, as coisas moralmente más que fazem não são transgressões propriamente ditas, isto é, a quebra de uma lei.

Paulo afirma que a morte, não obstante, reinou sobre tais pessoas, pois todos pecaram. Falar assim parece exigir uma diferenciação implícita entre morte como consequência do pecado e morte como pena pelo pecado. Já que as pessoas em questão não são responsáveis, a morte não pode ser a sua justa retribuição, isto é, a pena que a justiça demanda. Antes, a morte deveria ser consequência do próprio pecado delas. Este fato mostra que Paulo está falando aqui de morte espiritual. Seria absurdo pensar que cada pessoa nasce fisicamente imortal e, então, ao pecar, traz sobre si a morte espiritual, em razão do próprio pecado. Fazer o mal traz morte espiritual e nos aliena de Deus, de modo que a morte espiritual pode ser consequência do pecado, mesmo que não seja pena para o pecado para aqueles que não têm lei. O restante do capítulo trata das consequências do pecado de Adão, descrito por expressões como “pela transgressão de um muitos morreram” (v. 15), “o juízo veio de uma só transgressão para a condenação” (v. 16), “a morte reinou pela transgressão de um só” (v. 17), “por uma só transgressão veio o julgamento sobre todos os homens para a condenação” (v. 18), e “pela desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores” (v. 19), e como tais consequências foram revertidas por meio de Cristo. Observe que a reversão vem não pela ressurreição física, mas pela justificação e justiça.

Em evidente contraste, a preocupação em todo 1 Coríntios 15 é com a imortalidade, e não com a justiça e salvação. “Porque, assim como a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Pois, assim como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados” (1 Coríntios 15.21-22). No caso, Paulo está falando da morte física e de sua reversão através da ressurreição.

O mais notável é que, em 1 Coríntios 15.45-49, Paulo associa a mortalidade humana com a criação de Adão, e não com a sua queda.

Assim, também está escrito: Adão, o primeiro homem, tornou-se ser vivente, e o último Adão, espírito que dá vida. "Mas primeiro não veio o espiritual, e sim o natural; depois veio o espiritual." "O primeiro homem foi feito do pó da terra; o segundo homem é do céu." À semelhança do homem terreno, assim também são os da terra. E à semelhança do homem celestial, assim também são os do céu. Assim como trouxemos a imagem do homem terreno, traremos também a imagem do homem celestial. (1 Coríntios 15.45-49)

No v. 45, a expressão de Paulo “Assim está escrito”, seguida da sua paráfrase de Gênesis 2.7, dirige nossa atenção imediatamente para a narrativa da criação em Gênesis. Paulo descreve Adão como o primeiro homem, físico ou natural (psychikos), da terra, feito do pó. Foi o primeiro ser humano que Deus fez, por Ele formado do pó da terra e, portanto, com um corpo natural. Ao dizer que todos portamos a imagem daquele feito do pó, Paulo afirma que cada um de nós tem um corpo natural (soma psychikon), feito do pó, e, portanto, mortal.

Em comparação com Romanos 5, o emprego que Paulo faz da tipologia de Adão/Cristo em 1 Coríntios concentra-se na morte e ressurreição físicas. Embora pensemos que a morte física seja a consequência do pecado de Adão, Paulo não afirma isto. Gordon Fee comenta sobre 1 Coríntios 15.45: “O primeiro Adão, que se tornou psyche viva, recebeu assim um corpo psychikos na criação, um corpo sujeito à corrupção e morte... O último Adão, por outro lado, cujo ‘corpo espiritual (glorificado)’ foi dado na sua ressurreição... é em si a fonte da vida pneumatikos tanto quanto do corpo pneumatikos”.[1] Segundo esta visão, Adão foi criado com um corpo natural mortal.

Assim, para Paulo, Adão é criado com soma psychikon; ele não obtém um ao pecar. Paulo implica, portanto, que a mortalidade física é a condição humana natural. Ao dizer que, em Adão, todos pecaram, Paulo talvez esteja dizendo que, por compartilharmos uma natureza humana comum com Adão, partilhamos de sua mortalidade natural.

A interpretação que Paulo faz da história da criação em Gênesis 2 parece precisa. Conforme enfatiza Walton, Gênesis 3.19 — “és pó, e ao pó voltarás” — ampara a mortalidade natural de Adão e Eva devida à sua constituição física.[2] Ademais, se Adão e Eva fossem imortais por natureza, por que haveria uma árvore da vida no jardim? Não serviria a nenhum propósito físico no paraíso. A árvore serve para rejuvenescer aquele que a come fisicamente, não espiritualmente; daí, o interesse de Gênesis 3.22 no homem decaído comer da árvore e viver para sempre (veja bem: não o ser regenerado espiritualmente). John Day, então, relata que, entre os estudiosos de Antigo Testamento, “a visão acadêmica majoritária hoje em dia” é que Adão e Eva eram mortais no jardim, conforme Gênesis 3.22 dá a entender.[3]

C. John Collins indica, ademais, que, em Gênesis, “a ‘morte’ que Gênesis 2.17 ameaça é a ‘morte espiritual’ humana, a saber, a alienação em relação a Deus. Isto fica claro quando vemos o que acontece com o casal humano ao desobedecerem em Gênesis 3”.[4] O único sentido em que a morte física poderia ser vista como consequência do pecado é indireto: é consequência da expulsão de Adão e Eva do jardim, interrompendo qualquer esperança de imortalidade, simbolizada pela árvore da vida. Como Day o expressa tão bem, “o que aconteceu é que perderam a chance da imortalidade”.[5]

Assim, ao analisar as três opções que você dá, Peter, minha visão não se encaixa exatamente em nenhuma delas. O mais perto seria (1), no sentido de que Adão e Eva eram mortais por natureza, mas não se deve pensar que isso implica que “Deus pretendeu que a morte fosse parte de seu desígnio para o universo já no começo”, pois, de acordo com a história, Deus dera a Adão e Eva a árvore da vida para rejuvenescê-los pelo tempo que desejassem.


[1] Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids, Mich.: William B. Eerdmans, 1987), p. 789. Além disso, Jesus Cristo, embora sem pecado, também tinha um corpo que era, todavia, psychikos e, portanto, mortal. Somente com a ressurreição foi que seu soma psychikon se transformou em soma pneumatikon. Não se pode dizer, portanto, que a morte física é simplesmente consequência do pecado pessoal, ou que Cristo não pudesse morrer.

 

[2] John H. Walton, The Lost World of Adam and Eve: Genesis 2-3 and the Human Origins Debate, com contribuição de N. T. Wright (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2015), p. 73. O erro de Walton está em pensar que a mortalidade deles não é compatível com a criação material, não sendo nem mesmo implicação desta última.

 

[3] John Day, From Creation to Babel: Studies in Genesis 1-11, Library of the Hebrew Bible/ Old Testament Studies 592 (Londres: Bloomsbury, 2013), pp. 45-46.

 

[4] C. John Collins, “Adam and Eve as Historical People, and Why It Matters”, Perspectives on Science and Christian Faith 62.3 (setembro de 2010), p. 158.

 

[5] Day, From Creation to Babel, p. 46.

- William Lane Craig