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#544 Conhecimento médio e inspiração bíblica mais uma vez

July 08, 2018
Q

Caro Dr. Craig,

Sua resposta à pergunta da semana passada sobre a inspiração das epístolas trouxe à tona uma questão metafísica/modal muito interessante que eu gostaria de vê-lo responder.

Em sua resposta, o senhor expôs sua explicação molinista da inspiração dos documentos sagrados de sua religião. Em seu conhecimento contrafactual, Deus sabia precisamente o que determinadas essências atualizadas fariam (ou escreveriam) em determinadas situações. Deus sabia, por exemplo, que, em determinadas situações, uma essência atualizada específica (chamemos de Paulo) livremente escreveria Efésios exatamente (quase exatamente?) como Deus a queria escrita. Assim, Deus atualizou “Paulo” naquelas situações específicas. Paulo estava, portanto, agindo livremente, mas também nos entregando a Palavra de Deus.

Duas perguntas me saltam à mente de imediato.

Primeiramente, reconheço que o senhor teve êxito ao propor um modelo que teoricamente reconcilia a inspiração dos documentos com a liberdade humana. Só não acho que ela vai muito além disso. A pessoa que fez a pergunta queria saber por que devemos crer que Efésios é a Palavra de Deus. Seu modelo apenas mostra que Efésios (e os outros documentos sagrados) poderia ter sido a Palavra de Deus, e não que o era.

De fato, não vejo que seu modelo eleve a possibilidade “Efésios como Palavra de Deus” muito acima de zero. Há incontáveis documentos escritos por incontáveis pessoas, cada um deles em existência porque Deus escolheu atualizar tais pessoas em tais circunstâncias específicas. Por que acreditar que um desses documentos (Efésios) é a Palavra de Deus, quando quase todos os demais não o são?

Entendo que, em outros momentos, o senhor descreveu o cânon como questão teológica que não discutiria com descrentes. É justo. Mas o senhor admite que seu modelo da inspiração dos documentos sagrados não aborda a questão de serem, de fato, inspirados ou não?

Em segundo lugar, o senhor parece aceitar que havia infinitas combinações possíveis de essências e circunstâncias que Deus teria de arranjar a fim de encontrar um indivíduo que escrevesse o livro de Efésios exatamente (ou quase exatamente — o que parece importante) como Ele o queria escrito.

Se for verdade, por que ele não arranjou as infinitas possibilidades a fim de apenas povoar o mundo com pessoas que livremente aceitariam o evangelho? Isto daria cabo do intratável problema do inferno e, francamente, tornaria sua religião menos intragável para muitos ateus como eu.

Entendo que o senhor e Plantinga sugerem que talvez não fosse “factível” para Deus atualizar certas circunstâncias que eram, do contrário, logicamente possíveis.

Mas por que não? Se Deus tinha disponíveis infinitas possibilidades, por que não simplesmente atualizou essências que, embora façam coisas más, ainda assim aceitam livremente o evangelho antes de morrerem?

Este é exatamente o argumento de Josh Rasmussen no artigo "On Creating Worlds Without Evil" [A criação de mundos sem o mal]. (Na verdade, Josh está discutindo a criação divina de um mundo livre do mal. Eu estou propondo a Deus uma tarefa muito mais simples: permita o quanto mal for necessário para cumprir seus propósitos [digamos, a teodiceia favorita, a edificação da alma, ou o que fosse], mas apenas atualize pessoas que livremente tomarão a decisão correta em relação à salvação.)

Com infinitas pessoas possíveis e um número finito de decisões sobre a salvação a serem tomadas nesta terra, Deus deveria ter conseguido fazer algo a esse respeito, não é?

Sinceramente,

Steve

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Você tem toda razão de que a perspectiva molinista sobre a inspiração bíblica traz à tona questões metafísicas e modais fascinantes, Steve! Vou tentar lidar com as suas.

Para começar, minha leitura da pergunta 541 foi diferente da sua. Mark, que enviou a pergunta, estava tentando fazer uma distinção entre as epístolas e outros escritos canônicos por causa da natureza ocasional das epístolas. Seu argumento era que a natureza ocasional das epístolas deveria nos levar a pensar que não eram inspiradas. Minha resposta a Mark teve o objetivo de mostrar que essa diferença entre as epístolas e os outros documentos do Novo Testamento não é boa razão para pensar que não sejam igualmente inspiradas. Considerando o ponto de vista do conhecimento médio, Deus pode inspirar a redação de cartas de ocasião de modo que sejam inspiradas verbalmente, mas escritas livremente, refletindo todas as peculiaridades pessoais e históricas de seus autores humanos.

Mas, claro, você é livre para fazer a pergunta que quiser; por isso, pensemos nas suas duas perguntas em seu próprio mérito.

Primeiramente, você reconhece que tive êxito ao articular um modelo que reconcilia inspiração verbal e liberdade humana, o que era meu objetivo deliberado. Você expressa insatisfação porque tal modelo não nos dá nenhuma razão para pensar que os documentos do Novo Testamento são, de fato, inspirados.

O problema com esta reclamação é que você está condenando o modelo por ser incapaz de fazer algo para o qual ele nunca foi destinado. É como reclamar que a geladeira da cozinha deixa o forno em péssimo estado!

O fato é que não tenho muito interesse em fornecer provas da inspiração das Escrituras, uma vez que isto não tem nenhum papel no meu argumento apologético. Contento-me em mostrar que os documentos do Novo Testamento são historicamente confiáveis em relação à vida de Jesus, incluindo suas afirmações pessoais radicais, com as quais ele se pôs no lugar do próprio Deus, e os fatos de sua morte, sepultamento, sepulcro vazio, aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição, que fundamentam a inferência de sua ressurreição dos mortos. Não estudei com nenhuma profundidade os argumentos a favor da inspiração das Escrituras e, por isso, não tenho nada a contribuir a essa questão que outros teólogos não tenham dito. Então, sim, concordo que meu modelo molinista “não aborda a questão de serem, de fato, [as Escrituras] inspiradas ou não”.

Você levanta uma questão que já abordei, quando comenta: “Há incontáveis documentos escritos por incontáveis pessoas, cada um deles em existência porque Deus escolheu atualizar tais pessoas em tais circunstâncias específicas. Por que acreditar que um desses documentos (Efésios) é a Palavra de Deus, quando quase todos os demais não o são?” Dada a superintendência divina universal do mundo, parece que ele supervisionou a livre composição de cada documento no mundo. Então, o que torna os documentos do Novo Testamento Palavra de Deus para nós, e não aqueles outros documentos? Conforme explico em meu artigo, a diferença está na intenção de Deus. Ele tem a intenção de que a carta de Paulo aos Efésios seja sua Palavra para nós, ao passo que não tem a mesma intenção, digamos, para esta pergunta semanal.

Pois bem, isto não responde à sua pergunta de por que devemos pensar que Efésios é um desses documentos especiais, mas trata-se, como disse, de uma questão na qual não tenho interesse. Muitos teólogos diriam que o Espírito Santo dá testemunho especial à Palavra de Deus, de modo que crentes regenerados reconhecem nela Deus falando conosco. Contento-me com esta resposta.

Enquanto ateu, Steve, isto já lhe deve bastar. Você não precisa crer na inspiração das Escrituras para se tornar cristão. As provas que expus são amplas o suficiente para que você adote o teísmo cristão. Não fique preso em questões secundárias.

Sua segunda pergunta também foi tratada no artigo original que mencionei e, ironicamente, na pergunta 543, da semana passada: “por que ele não arranjou as infinitas possibilidades a fim de apenas povoar o mundo com pessoas que livremente aceitariam o evangelho?” O pressuposto por trás de sua pergunta é que, se Deus pode arranjar as possibilidades para conseguir a inspiração de um livro, ele pode arranjar as possibilidades para conseguir salvação universal sem nenhuma deficiência visível. O simples fato de afirmar o pressuposto já deixa claro como ele é conjectural. Não temos nenhuma ideia se os contrafactuais necessários da liberdade das criaturas sejam verdadeiros a ponto de tornarem factível a Deus atualizar um mundo de salvação universal sem nenhuma deficiência visível, mesmo que lhe fosse factível inspirar a Bíblia. Isto é especialmente evidente quando percebemos que, para cada pessoa que Deus cria, haverá um futuro de livres escolhas potencialmente infinitas que Deus deve levar em conta. Assim, uma infinidade de possibilidades para arranjar simplesmente não garante que um mundo de salvação universal e livre, sem nenhuma deficiência visível, seja factível para Deus.

 

- William Lane Craig

- William Lane Craig