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#586 Conhecimento médio e o essencialismo das origens

January 27, 2019
Q

Dr. Craig,

O senhor investiu uma grande parte de sua pesquisa na habilidade de Deus “providencialmente ordenar” sua terra criada de modo que aqueles que aceitarem o evangelho sejam atualizados nas circunstâncias temporais e geográficas em que ouvirão o evangelho. Quanto aos muitos locais que o evangelho não alcançou (digamos, o Tibete do século II), Deus atualizou apenas aqueles que, como sabia (via seu conhecimento médio), jamais aceitarão o evangelho. Isto parece trazer à torna sérias questões de identidade pessoal. Aparentemente, antes do decreto criativo, Deus tinha a flexibilidade de atualizar uma essência particular no Tibete ou no Texas, dependendo do modo como tal essência, uma vez atualizada como pessoa, responderia ao evangelho. Mas como tal essência seria a mesma pessoa, quer atualizada no Tibete antigo, quer no Texas moderno? E o que dizer do essencialismo das origens? Seríamos a mesma pessoa que somos agora se tivéssemos pais diferentes? Perguntando de outra maneira, o que significaria se eu dissesse “Eu poderia ter sido um tibetano do século II”? Sem resposta para isto, toda sua defesa do inferno desmorona. Tentei ver onde o senhor aborda o assunto em seus textos, mas não achei nada. Será que não procurei direito?

Obrigado. Realmente espero ansioso por suas ideias sobre este importante assunto.

Steve

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Antes de responder à sua interessante pergunta, Steve, tenhamos certeza de que minha visão está sendo representada com precisão. É verdade trivial que “aqueles que aceitarem o evangelho... ouvirão o evangelho”. O que está em jogo é se aqueles que aceitariam o evangelho ouvirão o evangelho. É crucial em discussões desse tipo que discriminemos entre enunciados no modo indicativo e enunciados no modo subjuntivo. Nosso interesse está em condicionais subjuntivas como “Se Ali tivesse ouvido o evangelho, ele o teria aceitado”. Na minha perspectiva, se entendida corretamente, não afirmo que aqueles que aceitariam o evangelho (se o ouvissem) nascem num tempo e lugar onde o ouvem de fato. Pode haver pessoas que jamais ouvem o evangelho e são salvas somente por meio de sua resposta à revelação geral de Deus na natureza e na consciência, mas que também teriam aceitado o evangelho (caso o tivessem ouvido) e sido salvas.

Tampouco penso que “Quanto aos muitos locais que o evangelho não alcançou ... Deus atualizou apenas aqueles que, como sabia (via seu conhecimento médio), jamais aceitarão o evangelho”. Pelo contrário, como o parágrafo anterior deixa claro, pode haver pessoas que jamais ouvem o evangelho, mas que o teriam aceitado, caso o tivessem ouvido. Antes, minha proposta é que pessoas que jamais ouvem o evangelho e rejeitam a revelação geral não teriam aceito o evangelho, mesmo que o tivessem ouvido.

Pois bem, o que você chama de “essencialismo das origens”, longe de solapar minha perspectiva, na verdade, a ajuda! O essencialismo das origens é a tese segundo a qual a filiação da pessoa é essencial à sua identidade pessoal. Assim, de acordo com tal visão, eu não poderia ter nascido de pais diferentes. Sou cético do essencialismo das origens porque creio que a alma é distinta do corpo. Não sou meu corpo. Antes, sou uma alma com este corpo em particular. Porém, eu poderia ter tido um corpo diferente. Deus poderia ter encarnado minha alma, ao que me parece, como africano negro ou como indonésio ou europeu medieval.

Isto dá a Deus muita flexibilidade quanto às minhas circunstâncias históricas e geográficas. Se eu sou uma pessoa que não aceitaria o evangelho em minhas circunstâncias presentes, caso o ouvisse, Deus pode ver o que aconteceria se ele viesse a atualizar minha essência individual como queniano ou brasileiro. Talvez ele pudesse encontrar circunstâncias nas quais eu livremente aceitaria o evangelho (embora isso talvez bagunce o mundo em outras questões).

No entanto, se o essencialismo de origens é verdadeiro, a mão de Deus é realmente limitada! No caso, eu preciso ter todos os mesmos ancestrais que tenho no presente. Deus não pode simplesmente colocar minha alma em qualquer corpo antigo. Eu preciso ter os mesmos dois pais e eles, por sua vez, precisam ter os mesmos pais, e assim por diante, sempre retrocedendo. A única forma como Deus poderia me situar, digamos, no Brasil, é fazendo com que alguns de meus ancestrais mudem para lá. Mas Deus não tem a opção de ver o que aconteceria se eu fosse esquimó ou o filho de D. L. Moody. Assim, dado o essencialismo das origens, as mãos de Deus estão atadas em relação à minha ascendência. Muitos dos mundos plausíveis para Deus, segundo minha perspectiva, agora não seriam mais plausíveis para Deus e são, portanto, irrelevantes. Assim, é muito mais plausível, dado o essencialismo das origens, pensar que aqueles que jamais ouvem o evangelho e estão perdidos não teriam crido no evangelho caso o tivessem ouvido.

- William Lane Craig