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#561 Deus conhece o gosto de abacaxi?

October 14, 2018
Q

Dr. Craig, 

Ultimamente, ando estudando o argumento do conhecimento de Frank Jackson. Como já sabe, ele sugere que existe um tipo de conhecimento a posteriori — um conhecimento experimental que não se pode obter até que ocorra a experiência. Este tipo de conhecimento é normalmente descrito como o conhecimento de “como a coisa é”. Conforme indica Locke, só posso saber como é o gosto de abacaxi quando, de fato, experimentar abacaxi. Tendo a concordar com esta intuição a respeito do conhecimento, mas ela gera algumas perguntas em relação à onisciência divina: 1. Se Deus é onisciente (e creio que o é), como explicarmos que ele tenha esse tipo de conhecimento a posteriori? Devemos concluir que Deus poderia ter este conhecimento sem experiência, por causa de suas infinitas capacidades cognitivas, em comparação com nossas capacidades finitas? 2. A afirmação do autor de Hebreus 5.8 — “embora sendo Filho, aprendeu a obediência por meio das coisas que sofreu” — teria alguma implicação para a questão? Este versículo ensina que Jesus, embora sendo Deus, obteve conhecimento experimental ao tomar forma humana? Se sim, a implicação seria que Deus não tinha esse tipo de conhecimento antes da encarnação de Jesus? 3. Deus sabe como um pecador se deleita no pecado ou deseja pecar? Ele poderia conhecer a sensação sem senti-la? 4. Deus poderia ser justificado em criar o homem sem ter tido esse conhecimento (intencional) de “como a coisa é”?

Obrigado por seu trabalho. Tem sido uma tremenda ajuda à minha fé!

Nathan

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

São perguntas difíceis, Nathan, que discutimos em minha aula sobre onisciência divina.

A onisciência divina é definida a partir do conhecimento proposicional — por exemplo, para toda proposição p, se p, então Deus sabe que p e não crê em não-p. Tal definição pretende captar a ideia intuitiva de que Deus sabe todas as verdades e não crê em nenhuma falsidade. Este tipo de conhecimento é conhecimento “de que...”.

Em contraste, o tipo de conhecimento de que você está falando (como a coisa é) é conhecimento não-proposicional. Não é verdadeiro ou falso. Por exemplo, saber como é o sabor de abacaxi não é verdadeiro ou falso e, portanto, é não-proposicional. Há algo aí a ser conhecido, mas não é uma verdade.

A onisciência, definida a partir do conhecimento proposicional, não exige que Deus tenha conhecimento não-proposicional. Ele deve saber todas as verdades sobre o gosto do abacaxi — por exemplo, que abacaxi tem sabor azedo, que abacaxi tem sabor refrescante, etc. —, mas ele não precisa ter conhecimento não-proposicional do gosto de abacaxi.

Antes me parecia que Deus não tem o tipo de conhecimento não-proposicional que você descreve porque lhe faltam as experiências necessárias. Mas, depois, comecei a pensar numa observação feita por David Lewis de que deve haver uma espécie de estado mental no qual se encontra alguém que está experimentando o sabor da melancia. É possível estar naquele estado mental sem, de fato, comer melancia. Ocorreu-me o seguinte: por que, então, Deus não poderia se colocar num estado mental de modo a saber qual é o gosto de uma melancia? Parece-me obviamente possível. No caso, Deus poderia ter conhecimento não-proposicional dos sabores, cores, sensações, sons, etc., além de seu conhecimento proposicional dessas coisas. A grandeza de Deus, assim, é exaltada, pois acontece que a excelência cognitiva de Deus é ainda maior do que a onisciência!

Portanto, em resposta a suas perguntas:

1. “Se Deus é onisciente, como explicarmos que ele tenha esse tipo de conhecimento a posteriori?” O conhecimento não-proposicional não é função de sua onisciência. Sua onisciência lhe dá todo conhecimento proposicional. Se ele tem também conhecimento não-proposicional tal como você descreve, será uma função de sua capacidade de assumir o mesmo estado mental de alguém que tem tal experiência. Deus tem “este conhecimento sem experiência”? Sim e não, ele pode ter a experiência de saborear abacaxi, mas sem, de fato, comer abacaxi ou ter papilas gustativas. Isto é por causa de “suas infinitas capacidades cognitivas, em comparação com nossas capacidades finitas?” Não, podemos imaginar um neurocientista estimulando o cérebro de alguém para que entre num estado mental de saborear um abacaxi. Deus poderia fazer o mesmo consigo à vontade. Obviamente, para ter o escopo ilimitado de conhecimento não-proposicional que você está pensando, as capacidades cognitivas de Deus devem ser infinitas.

2. “A afirmação do autor de Hebreus 5.8 — ‘embora sendo Filho, aprendeu a obediência por meio das coisas que sofreu’ — teria alguma implicação para a questão?” Não, porque, neste caso, estamos falando de conhecimento que o Filho encarnado tinha em sua natureza humana. Jesus obviamente conhecia, por exemplo, o gosto de cordeiro assado. Mas estou sugerindo que tal conhecimento não-proposicional pode não estar limitado ao Filho. Além disso, “aprender obediência” não se trata de adquirir conhecimento não-proposicional; é uma expressão idiomática para a santificação moral de sua natureza humana.

3. “Deus sabe como um pecador se deleita no pecado ou deseja pecar? Ele poderia conhecer a sensação sem senti-la?” Como expliquei, antes duvidava que Deus possui esse tipo de conhecimento não-proposicional, já que lhe é impossível pecar. Ele poderia saber toda a verdade sobre como pecadores sentem, mas não saberia qual é a sensação de se deleitar no pecado. Agora, porém, estou inclinado a pensar que Deus poderia ter tal conhecimento não-proposicional. Isto porque existe, com certeza, um estado mental possuído por quem está se deleitando no pecado e, ao colocar-se naquele estado mental, Deus poderia saber exatamente como tal pessoa sente. Deus em si não se deleitaria no pecado nem desejaria o pecado, mas saberia como se sente alguém que o faz.

4. “Deus poderia ser justificado em criar o homem sem ter tido esse conhecimento (intencional) de ‘como a coisa é’?” Ora, por que não? Por que o conhecimento proposicional não seria suficiente — em particular, o conhecimento de todas proposições contrafactuais verdadeiras a respeito das escolhas livres das criaturas (conhecimento médio)?

- William Lane Craig