#687 É justificado inferirmos a ressurreição de Jesus?
July 17, 2020Caro Dr. Craig,
Estou seriamente em busca da verdade. Fiquei convencido por filósofos como Thomas Nagel, Edward Feser, John Searle e Raymond Tallis que é falso o entendimento convencional do mundo como materialista e mecanicista (o mais estranho é que a maioria desses filósofos é ateísta). No momento, sou teísta, tendo chegado a esta conclusão após longas ponderações filosóficas sobre a contingência e inteligibilidade da existência. Em linhas gerais, subscrevo ao entendimento teísta clássico da realidade. O próximo passo é avaliar se Deus/a causa primeira, de algum modo, interveio ou não na história.
Estou familiarizado com os argumentos históricos a favor da ressurreição que o senhor (especialmente na sua detalhada publicação de 1989), Wright, Licona e Habermas deram. No momento, cheguei à conclusão de que sou bastante agnóstico em relação à ressurreição. O motivo é que, mesmo com a atestação de Paulo e a sua menção de algumas testemunhas, ainda penso que não temos a justificativa de uma explicação sobrenatural quando a história nos é, em último caso, obscura. Se eu encontrasse um escrito antigo em que alguém mencionasse um panda azul a levitar que lhes apareceu no fórum romano e que havia 500 testemunhas ainda vivas, imediatamente duvidaria da veracidade de tais afirmações, por invocarem um evento sobrenatural. Ainda que um profeta o houvesse predito, ainda duvidaria. Na verdade, pensaria que esse profeta predispusera os seus seguidores a tal histeria. Provavelmente, suspeitaria identificação errônea, histeria em massa etc. Isto me faz pensar que uma explicação viável para o testemunho cristão primitivo de um Cristo ressurreto seja algum tipo de histeria em massa.
Alguns judeus criam numa ressurreição final dos mortos, de modo que estariam predispostos a categorias como a histeria de Cristo como alguém que ressuscitara dos mortos. De fato, se, conforme defendem alguns estudiosos cristãos, Cristo predissera a sua ressurreição, isto seria mais um argumento de que os discípulos estavam predispostos a essa histeria. Sem dúvida, é por isso também que muitos cristãos criam na proximidade do fim dos tempos, pois tiveram visões de Cristo que pensaram assinalar o início da ressurreição final. Talvez Paulo estivesse exagerando os indícios comprobatórios para justificar a sua própria histeria. Desde que se possa oferecer explicações naturais viáveis, será que realmente precisamos supor uma explicação sobrenatural?
Obrigado por ler minha pergunta,
Bruce
Estados Unidos
United States
Dr. Craig responde
A
Fico muito feliz que você esteja buscando a verdade sobre Jesus e a sua ressurreição, Bruce. Parece que você está bem encaminhado.
A pergunta sobre a justificação de uma explicação sobrenatural para os fatos relacionados ao destino de Jesus é, pura e simplesmente, um exemplo específico do velho problema da identificação de um milagre. Trata-se mesmo de uma pergunta dificílima, eivada de incertezas. Felizmente, penso que, no caso de Jesus, uma inferência a uma explicação sobrenatural é bastante razoável e, eu diria, avalizada. Tenho uma extensa discussão desta questão em meu livro Apologética contemporânea, que lhe recomendo.
Stephen Bilynskyj propõe os seguintes critérios para identificar dado evento E como milagre:[1]
(1) As provas para a ocorrência de E são, no mínimo, tão boas quanto para outros eventos aceitáveis, mas atípicos, igualmente distantes no tempo e espaço a partir do momento da investigação;
(2) Uma explicação das naturezas e/ou potências dos agentes naturais relevantes enquanto causa, de modo a poderem explicar E, seria desajeitada e forçada;
(3) Não há provas, exceto a inexplicabilidade de E, para um ou mais agentes naturais que pudessem produzir E;
(4) Há alguma justificação para uma explicação sobrenatural de E, independente da inexplicabilidade de E.
Estes critérios parecem bastante corretos, e por isso resta apenas aplicá-los à defesa da ressurreição de Jesus.
Em relação a (1), note de pronto que você não incluiu todas as provas relevantes para E. Você se concentra apenas na “atestação de Paulo e a sua menção de algumas testemunhas”, em relação às aparições pós-morte de Jesus. Suspeito que, neste aspecto, você foi influenciado por Habermas e Licona, que, igualmente, concentram-se no testemunho de Paulo em 1 Coríntios 15, assim em grande parte minimizando a base comprobatória da ressurreição de Jesus. Do mesmo modo, N. T. Wright, que você menciona, concentra-se apenas em um aspecto das provas subjacentes à inferência da ressurreição de Jesus, a saber, a origem da crença dos discípulos de que Deus ressuscitara Jesus dentre os mortos, assim também minimizando a base comprobatória da ressurreição de Jesus. Nenhum destes autores apresenta o escopo completo das provas a favor de E.
A apresentação completa das provas subjacentes à inferência da ressurreição de Jesus devem incluir os três fatos seguintes e todos os fatos subsidiários, por eles acarretados:
1. No domingo após a crucificação de Jesus e seu enterro por José de Arimateia, o sepulcro de Jesus foi achado vazio por um grupo das suas discípulas, incluindo Maria Madalena.
2. A seguir, diversos indivíduos e grupos de pessoas, incluindo Pedro, Tiago e os Doze, experimentaram aparições do Jesus vivo.
3. Os discípulos originais, repentina e sinceramente, passaram a crer que Deus ressuscitara Jesus dentre os mortos, apesar de terem toda predisposição em contrário.
Como num tribunal, é a força cumulativa de todas as provas, e não um único elemento de prova, que constitui a base do nosso veredicto.
O que você fez, então, foi abandonar o caso diante de si e começar a raciocinar por analogia. “Se eu encontrasse um escrito antigo em que alguém mencionasse um panda azul a levitar que lhes apareceu etc.” Trata-se simplesmente de metodologia histórica ruim, Bruce. Não se pode descartar as provas diante de si com base numa analogia criada para alguma situação hipotética que tem pouquíssima semelhança com as provas diante de si. O seu argumento, evidentemente, não passa no critério (4) de Bylinskyj. Assim, não seria justificado desviar-se para uma explicação sobrenatural. Mas, veja bem, Bruce — e isto aqui é importantíssimo! —, o motivo para você duvidar da veracidade de tais afirmações não é “por invocarem um evento sobrenatural”. Se este for o motivo, você está cometendo uma petição de princípio contra os milagres, e então precisamos pôr de lado a discussão das provas para a ressurreição de Jesus e retornar à questão do teísmo e da possibilidade (e não a identificação) de milagres. Dado o teísmo, que você diz adotar, não se pode excluir uma explicação simplesmente por ela invocar uma causa sobrenatural. Antes, o que torna injustificada uma explicação sobrenatural, no seu caso imaginado, é a incapacidade de satisfazer a (4).
Por outro lado, a ressurreição de Jesus, enquanto explicação dos três fatos mencionados acima, satisfaz ao critério (4). Isto porque a explicação sobrenatural é dada imediatamente no contexto histórico-religioso em que o evento ocorreu. A ressurreição de Jesus não foi meramente um evento anômalo, que ocorreu sem contexto; ela se deu como o clímax da vida e ensinamentos inigualáveis de Jesus. Conforme explica Wolfhart Pannenberg,
A ressurreição de Jesus adquire um sentido tão divisor não simplesmente porque alguém ressuscitou dentre os mortos, mas porque se trata de Jesus de Nazaré, cuja execução fora instigada por judeus, por ter ele blasfemado contra Deus. A reivindicação que Jesus fez à autoridade própria, colocando-se no lugar de Deus, soava blasfema aos ouvidos judeus. Por esta razão, Jesus foi, então, difamado diante do governador romano como se fosse um rebelde. Se Jesus realmente ressuscitou, esta afirmação foi visível e inequivocamente confirmada pelo Deus de Israel, que supostamente fora blasfemado por Jesus.[2]
Assim, o contexto histórico-religioso nos proporciona a chave para justificar uma explicação sobrenatural dos fatos.
Pois bem, considere o critério (2) de Bilynskyj. Mais uma vez, seu argumento do panda azul não passa neste critério. Explicar os relatos do panda azul com “identificação errônea, histeria em massa etc.” não seria nem desajeitado nem forçado (embora eu pense que consiga inventar coisas melhores). Em contraste, será que preciso repetir todas as objeções contra a hipótese da alucinação aplicada à ressurreição de Jesus?[3] Creio que não. A tentativa de explicar o sepulcro vazio, as aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos na ressurreição por meio de alucinações é, conforme mostraram Licona, Habermas e Wright, muito implausível, para não dizer desesperado.
Igualmente, o critério (3) não é satisfeito no caso do panda azul. Temos razões para pensar que uma história dessas é fictícia e, portanto, há uma explicação natural para ela, qual seja: sabemos que você a inventou! Em contraste, no caso de Jesus, não temos nenhuma prova de uma explicação natural para o sepulcro vazio, as aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos — a não ser de seu caráter sobrenatural!
Assim que li sua carta, Bruce, ficou claro para mim que a sua analogia não passaria os critérios de Bilynskyj, mas não percebi que ela reprovaria em todos os quatro! Por isso, quando você conclui: “Isto me faz pensar que uma explicação viável para o testemunho cristão primitivo de um Cristo ressurreto seja algum tipo de histeria em massa”, isso não passa de raciocínio histórico horrível. Ora, em seu último parágrafo, você tenta mostrar que há algumas razões para pensar que uma explicação natural (histeria em massa) seja explicação viável dos fatos, como exige (3). Porém, as razões que você menciona são bem fracas: (1) a crença judaica na ressurreição escatológica teria levado, no máximo, a visões de Jesus no céu, e nesse caso os discípulos teriam chegado à crença de que Jesus fora assunto ao céu, consoante as crenças judaicas, e não à crença na sua ressurreição, que contradizia as crenças judaicas. (2) As predições que Jesus fez de sua ressurreição teriam, supostamente, predisposto os discípulos à histeria. O seu problema aqui, Bruce, é que você não pode ser seletivo com as partes do registro dos Evangelhos em que você quer acreditar. As aparições físicas de Jesus, pós-morte, são mais bem atestadas do que as predições de Jesus, que a maioria dos estudiosos pensa terem sido escritas após o fato. Assim, se você aceitar as predições, terá de aceitar as aparições físicas, e neste caso a hipótese da alucinação se torna insustentável. (3) Você diz que visões de Cristo teriam levado os cristãos a pensar que o fim do mundo estava próximo. Esta objeção não faz nenhum sentido. Você precisa argumentar assim porque eles pensavam estar próximo o fim, e por isso tiveram visões. Trata-se, porém, de non sequitur. (4) Paulo, supostamente, exagerou para dar amparo à sua própria histeria. Tal psicanálise de figuras históricas como Paulo é impossível, e é por isso que historiadores rejeitam a tentativa de escrever psicobiografia. Novamente, Bruce, incentivo-o a ler o que os autores que você mencionou escreveram sobre a hipótese de histeria e alucinação em massa.
Então, sim, “desde que se possa oferecer explicações naturais viáveis”, realmente não precisamos supor uma explicação sobrenatural. É o critério (3) de Bilynskyj. Contudo, a hipótese da alucinação, seguramente, não é viável. Portanto, com base nos critérios de Bilynskyj, uma inferência à ressurreição de Jesus como a melhor explicação para os três fatos resumidos acima é tanto razoável quanto avalizada. Peço que reflita bem a este respeito.
[1] Stephen S. Bilynskyj, “God, Nature, and the Concept of Miracle” (tese de doutorado, Universidade de Notre Dame, 1982), p. 222.
[2] Wolfhart Pannenberg, Jesus—God and Man, trad. L.L. Wilkins and D.A. Priebe (Londres: SCM, 1968), p. 67.
[3] Explicadas à exaustão em meu livro The Resurrection: Fact or Figment?, com Gerd Lüdemann, ed. Paul Copan, e respostas de Stephen T. Davis, Michael Goulder, Robert H. Gundry e Roy Hoover (Downers Grove, Ill.: Inter-Varsity Press, 2000).
- William Lane Craig