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#539 Encontrando uma fé cristã confiante

February 12, 2018
Q

Você faz uma distinção, a qual eu concordo, entre "conhecer" e "mostrar" que algo é verdadeiro. Mas o ponto é que eu não sei se a Ressurreição é verdadeira, portanto, supondo que seja, preciso que alguém me mostre isso. O problema é que, do ponto de vista de um buscador cético, mas de mente aberta, como me considero ser, quando visto desapaixonadamente, a evidência histórica é para o resto de nós fragmentada e pouco convincente, embora talvez suficiente para corroborar o que alguém já acredita.

Deixe-me ser claro: eu sou um teísta. Mas na ausência de melhores evidências para a Ressurreição, o que o cristianismo propõe sobre Deus, isto é, que ele ama cada um de nós pessoalmente, quando confrontado com a indiferença evidente e inegável do mundo natural com suas criaturas, isso parece ser apenas uma ilusão. Por isso, inclino, com relutância, para o estoicismo, o que parece estar em melhor sintonia com os fatos empíricos.

Agora, a própria gratuidade e desnecessidade do nosso universo é evidência clara da bondade intrínseca de Deus, que, afinal, não pode necessitar nada de nós que ele já não possua. Mas não vejo evidências inequívocas de que esse bem se estenda até o amor real e a preocupação com criaturas individuais. Por que Deus deveria se preocupar conosco? De qualquer forma, é certamente inconcebível, se não logicamente impossível, para Deus, que é presumivelmente uma consciência unitária, ter um relacionamento "pessoal", ou seja, um a um, com cada um dos bilhões de almas vivas agora, para não mencionar aqueles que já morreram e aqueles que irão existir no futuro.

Claro, Deus poderia simplesmente "fazer" com que eu soubesse que a Ressurreição aconteceu e então o amor de Deus por nós seria uma simples inferência desse fato e nada das coisas citadas anteriormente seria um problema. Mas ele não faz isso, pelo menos pra mim, e não parece haver uma ponte puramente racional para a fé. Uma possibilidade seria a Aposta de Pascal, ou seja, agir como se fosse assim até você se condicionar a acreditar através da força do hábito, mas para mim isso parece intelectualmente desonesto, e você e eu nos preocupamos, eu acho, sobre a verdade.

Qual é a sua opinião sobre o meu raciocínio aqui? Me está faltando algo? Existe alguma maneira intelectualmente honesta, antes da, ou na ausência da, intervenção do "Espírito Santo", para passar da resignação estóica a uma fé confiante na verdade da, caso verdadeira, indubitável Boas Novas do Novo Testamento? Pois no final das contas há boas razões para todos nós queremos essa fé: foi sem dúvida isso (e não o estoicismo resignado) que construiu o mundo moderno e há muito tempo ficou claro para mim que, como você afirmou em outro lugar, se algo como o cristianismo não é verdade, a vida humana é, em última análise, inútil e absurda. A futilidade e o absurdo dificilmente parecem ser uma base muito boa para construir uma vida que se acrescente [...]

Então, eu ficaria grato ao ouvir seus pensamentos sobre tudo isso. Eu acho que minha condição epistêmica é comum - muitos do tipo "espirituais, mas não religiosos", provavelmente a compartilham, então essa questão terá grande interesse.

Grant

Reino Unido

United Kingdom

Dr. Craig responde


A

Responder a sua pergunta completamente, Grant, exigiria que eu discorresse todo o meu caso apologético para o cristianismo! Estou tentado, portanto, apenas a dizer: "Leia sobre Em Guarda ou Apologética Contemporânea". Você já leu esses livros e digeriu os argumentos neles contidos?

Vamos começar com a distinção entre conhecer e mostrar que o cristianismo é verdadeiro. Quando falo sobre conhecer o cristianismo para ser verdade, falo principalmente sobre a crença cristã, que é devidamente básica, fundamentada no testemunho interior do Espírito Santo. Esta é a fonte final de uma crença cristã confiante.

Mas você extrapolou, perguntando se há algum "caminho intelectualmente honesto" para uma fé confiante "antes da, ou na ausência da intervenção do ‘Espírito Santo’". De onde vem essa pré-condição? Você implica que um conhecimento da verdade do cristianismo com base no testemunho do Espírito é de alguma forma intelectualmente desonesto, apesar de um dos maiores filósofos do mundo, Alvin Plantinga, ter enunciado e defendido em detalhes tal epistemologia religiosa.[1] A sua escolha de ignorar o testemunho do Espírito de Deus é injustificada e até mesmo perigosa, uma vez que é capaz de endurecer seu coração em relação a Deus e afastá-lo dele.

Em seguida, há seu ceticismo. Este é novamente um ponto de partida injustificado para a investigação filosófica (ver a Pergunta # 528). Parece que você equipara o ceticismo com a "honestidade intelectual", que é injustificada e francamente falsa. Além disso, o ceticismo é existencialmente uma posição tola para adotar. Você mesmo declara: "se algo como o cristianismo não é verdade, a vida humana é, em última análise, inútil e absurda. A futilidade e o absurdo dificilmente parecem ser uma base muito boa para construir uma vida que se acrescente”. Precisamente por essa razão você deve estar inclinado a acreditar se há alguma chance de que o cristianismo seja verdadeiro. Se você tivesse câncer terminal e algum laboratório científico tivesse uma droga experimental que pudesse curá-lo, você se recusaria a tomá-la até que os ensaios clínicos tivessem estabelecido sem dúvida alguma sua eficácia? Acho que não. Se houvesse alguma chance razoável de que isso poderia salvá-lo, você a tomaria.

Depois vem a aposta de Pascal. Você interpretou erroneamente seu argumento, concentrando-se apenas na parte sobre como inculcar crença. Veja minha discussão sobre a Aposta em Filosofia e cosmovisão cristã.[2] Adequadamente entendido, o argumento de Pascal não é inteiramente desonesto intelectualmente, na minha opinião.

Então, chegamos à evidência histórica da ressurreição de Jesus. Você se queixa de que a evidência é "fragmentada e pouco convincente". Essas desconfianças são bastante inúteis, Grant. Todo o nosso conhecimento da história baseia-se em evidências fragmentadas, mas os historiadores têm grande confiança, por exemplo, sobre a derrota da armada espanhola ou o curso da revolta judaica AD 66-70. Claro, você pode afirmar que a evidência para a ressurreição é muito fragmentada para sustentar a crença nos fatos do caso. Mas então você precisa provar essa afirmação, não apenas afirmá-la. Isso leva à sua segunda desconfiança: a evidência não é convincente. Este é apenas um fato psicológico pessoal sobre você. A falta de evidência convincente pode ser devido a qualquer número de fatores: falta de familiaridade com a evidência, incapacidade de entender a evidência, falta de habilidade na tarefa do historiador de pesar a evidência, e assim por diante. A suspeita de que a deficiência neste caso está com você e não com a evidência é apoiada pelo fato de que, a esmagadora maioria dos estudiosos históricos de Jesus acham a evidência da crucificação de Jesus, do túmulo vazio, das aparências pós-mortem e da origem da crença dos discípulos em sua ressurreição como sendo bem convincentes. O que você sabe que eles não sabem, que faz com que eles estejam errados?

Você duvida que "Deus [...] ama cada um de nós pessoalmente, quando confrontado com a indiferença evidente e inegável do mundo natural com suas criaturas". Mas essa afirmação ignora o argumento da sintonia fina do universo. O notável ajuste fino do universo para a vida consciente incorporada mostra que o mundo natural não é indiferente às suas criaturas, mas foi de fato aperfeiçoado contra todas as probabilidades para a eventual produção de criaturas inteligentes como nós. Agora, acrescente isso com o argumento moral para a existência de Deus, o que mostra que esses agentes conscientes incorporados também são agentes morais que têm deveres morais a cumprir, que são mais plausivelmente fundamentados nos mandamentos de um Deus perfeitamente bom. Isso te leva a um Deus que nos ama pessoalmente, mesmo que as leis da natureza operem de forma indiferente quanto aos seus efeitos (possibilitando assim escolhas morais racionais). O argumento moral, portanto, acaba com o Deus indiferente do estoicismo. Finalmente, como eu procurei mostrar, a presença do chamado mal natural não prova que a existência do Deus cristão seja impossível ou mesmo improvável.[3] (Onde está o seu ceticismo, Grant, quando se trata dessas afirmações anti-cristãs?) Coloque sobre tudo isso a evidência do ministério e dos ensinamentos de Jesus, ratificados por sua ressurreição dentre os mortos, e o sincero buscador certamente encontrará evidência adequada para crer em um Deus amoroso.

"Por que Deus deveria se preocupar conosco?" Porque ele nos criou à Sua imagem, pessoas finitas, capazes de conhecê-lo e, portanto, com valor moral intrínseco. Uma pessoa humana vale mais do que todo o universo material reunido. Não é inconcebível que o Deus infinito deva sustentar relações pessoais com bilhões de pessoas humanas, assim como você, pessoa finita, mantém relações pessoais com uma pluralidade de amigos. Seu Deus é muito pequeno, Grant e sua imaginação empobrecida. (Mais uma vez, pergunto, onde o seu ceticismo está agora aceitando essas afirmações implausíveis?)

Então, acho que está lhe faltando muitas coisas – na verdade, praticamente todo o caso apologético que eu trabalhei para construir. Gostaria de encorajá-lo a repensar as coisas desde o início, especialmente sendo tão cético quanto ao seu ceticismo e suas dúvidas sobre o cristianismo como você tem sido sobre o cristianismo em si. Eu acredito que você vai chegar a um lugar muito melhor.


[1] Alvin Plantinga, Knowledge and Christian Belief (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans, 2015).

[2] Filosofia e cosmovisão cristã (Vida Nova), cap. 7

[3] Ibid., cap. 29.

- William Lane Craig