#592 O cristianismo puro e simples é suficiente para salvação?
March 10, 2019Pergunta 1:
Olá, Dr. Craig.
Primeiramente, gostaria de agradecer pelo trabalho que faz. É sempre um prazer assistir aos seus debates e ler seus artigos no curto período que conheço seu trabalho, e tudo isto está, sem dúvida, me ajudando a crescer em minha caminhada (relativamente nova) com Cristo. Espero que possa dar uma resposta para uma das dificuldades que venho enfrentando recentemente.
Tendo crescido numa família ateísta, venho lutando para entender o que se espera de mim como cristão quando o assunto é partilhar o que a Bíblia ensina (propagar o evangelho não é bem algo que minha família achava importante me ensinar!). Deus respondeu minhas orações porque o coração de uma das minhas mais chegadas amigas descrentes está amolecendo e ela tem me feito perguntas sobre Deus.
Porém, no momento me encontro numa posição em que me preocupo estar me condenando ao inferno por aquilo que digo. Frequentemente penso nas advertências contra falsos mestres e no “afastai-vos de mim” de Mateus 7.21-23. Ao me confessar e dizer que talvez esteja enfrentando este desafio simplesmente porque a Bíblia nunca me foi ensinada em detalhes, resta minha pergunta: corro o risco de perder minha salvação se vier a acreditar e, portanto, defender uma posição inverdadeira?
Especificamente, refiro-me àquilo que o senhor denomina questões “domésticas”. Não tenho dificuldades ou preocupações em ajudar minha amiga a encontrar Deus; basta orar e apresentar os mesmos argumentos que me levaram à fé. Porém, sendo o único cristão que ela conhece, inevitavelmente ela começará a me perguntar sobre questões “domésticas”.
Ora, normalmente, quando procuro respostas para questões como a escolha entre a posição x ou y em relação ao debate calvinismo/arminianismo, por exemplo, a resposta que normalmente encontro é algo assim: “bem, não se trata de algo vital para sua salvação; desde que você se lembre que somos todos irmãos e irmãs em Cristo, tanto faz a sua crença”.
Isto, porém, não me parece um ponto de vista coerente. Com certeza, se a posição x é verdadeira e é possível encontrar apoio exegético para ela na Bíblia, então x tem de ser verdadeira, não é? Mas, como sabe muito bem, ainda debatemos se molinismo, calvinismo ou arminianismo é correto. Já estou começando a divagar; por isso, vou tentar fazer um resumo.
O que estou perguntando é o seguinte: quando se trata de temas “domésticos” no cristianismo (como o que é aceitável para o lazer, ou questões mais importantes como a natureza do inferno ou da salvação), é verdade dizer que podemos sustentar qualquer posição, desde que possamos justificá-la biblicamente e mantenhamos o cerne dos princípios do “cristianismo puro e simples”? Se sim, por quê? Porque me parece lógico que, se é possível ler a Bíblia e aceitar (por exemplo) o calvinismo, e o calvinismo é verdadeiro, Deus não aceitará ninguém que adote o molinismo. Uma vez que as duas posições são mutuamente excludentes, parece-me que é para aqueles que mantêm as posições incorretas nessas questões “domésticas” que Deus dirige suas advertências sobre falsos mestres, e é para eles que ele um dia dirá “nunca vos conheci”. Peço desculpas se me estendi demais ou se estou me fazendo de tolo ao entender erroneamente algo que li nas Escrituras, mas espero ansiosamente por sua resposta, caso decida escrever uma.
Carl
Reino Unido
Pergunta 2:
Caro Dr. Craig,
O senhor observa em palestras que existem discordâncias doutrinárias entre diferentes grupos cristãos, referindo-se a elas como “discordâncias entre irmãos”. Gosto desta afirmação enfática. Seria sua posição que: (A) se cremos e aceitamos Jesus como nosso salvador, seremos salvos, mesmo que entendamos erroneamente parte de Sua doutrina? OU (B) há pontos que absolutamente devemos entender de forma correta? Se B, quais pontos doutrinários devemos entender corretamente, e quais deles, se os entendermos erroneamente, nenhum mal acarretarão? E como podemos saber quais pontos se encaixam em qual categoria? Suspeito que não possa ser que devemos entender tudo corretamente, senão nenhum de nós teria chance. Espero um mundo onde haja mais unidade entre os fiéis — temos muito em comum — e mais enfoque na proteção contra as forças que buscam se opor aos valores judaico-cristãos, de modo que tenho muito interesse em ouvir sua opinião sobre este assunto, que muitas vezes vira uma pedra de tropeço para indivíduos bem-intencionados.
Atenciosamente,
Bryan
Estados Unidos
Afghanistan
Dr. Craig responde
A
Carl, fico feliz de ouvir de sua nova fé em Cristo e do seu compartilhar dessa fé com os demais! Que Deus o guie e abençoe! Agradeço por sua pergunta sincera e penso que a questão semelhante de Bryan pode ajudar a responder à sua.
Primeiramente, Bryan, em resposta a sua pergunta básica, aceito a alternativa (B): “há pontos que absolutamente devemos entender de forma correta” para ser salvos. Você está certo ao rejeitar a visão de que temos de acertar tudo, porque, no caso, “nenhum de nós teria chance”. Tiago diz: “Todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, esse homem é perfeito” (Tiago 3.2). Observe que Tiago se inclui nessa confissão! Pois bem, como nós, seres humanos imperfeitos e propensos ao erro, encontramos, de fato, a salvação, é claro que não precisamos entender tudo corretamente para ser salvos.
Isto não implica que, “se entendermos [algumas doutrinas] incorretamente, nenhum mal acarretarão”. Devemos dar o nosso melhor para evitar o erro e entender bem as coisas. O que (B) implica é que alguns erros não são heresias — erros que separam da salvação.
Portanto, “quais pontos doutrinários devemos entender corretamente... E como podemos saber quais pontos se encaixam em qual categoria?” Pois bem, olhamos para as Escrituras e notamos o que dizem sobre o que temos de crer para ser salvos e quais erros são tão sérios que impedem a salvação (Note bem: aqui estamos falando de pessoas que ouviram uma apresentação precisa do evangelho. Crentes do Antigo Testamento obviamente não tinham de crer nessas coisas para ser salvos, e é questão aberta o que os não-evangelizados têm de crer para ser salvos.)
Paulo elenca os pontos principais na mensagem do evangelho proclamado pelos apóstolos:
Porque primeiro vos entreguei o que também recebi:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras;
e foi sepultado; e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras;
e apareceu a Cefas, e depois aos Doze. (1 Coríntios 15.3-5)
Observe que, no caso, a morte expiatória de Cristo e sua ressurreição dentre os mortos são verdades centrais do evangelho.
Paulo temia pela salvação dos cristãos gálatas quando eram tentados a rejeitar a suficiência da morte expiatória de Cristo e a retornar a práticas judaicas: “Ó gálatas insensatos! Quem vos seduziu? Não foi diante de vós que Jesus Cristo foi exposto como crucificado? ... Vós, que vos justificais pela lei, estais separados de Cristo; caístes da graça” (Gálatas 3.1; 5.4; cf. Hebreus 6.4-6; 10.29-30).
Igualmente, quando Paulo ouviu que alguns coríntios estavam negando a ressurreição de Cristo, foi intenso em sua resposta: “Voltai à sobriedade, como convém, e não pequeis mais; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus. Digo isso para vossa vergonha” (1 Coríntios 15.34). Paulo enxergava a negação da ressurreição de Cristo como indicador da falta de conhecimento salvífico de Deus.
Alhures Paulo escreve: “se com a tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10.9). No caso, Paulo afirma como condições suficientes para salvação a crença no senhorio de Cristo, o que implica sua divindade (“Senhor” = Deus), e a crença em sua ressurreição. Paulo diz que “ninguém pode dizer: Jesus é Senhor! a não ser pelo Espírito Santo” (1 Coríntios 12.3). Obviamente, ele não está falando da simples capacidade de vocalizar esses sons, mas, sim, de uma confissão sincera. Pelo mesmo princípio, “ninguém, falando pelo Espírito de Deus, pode dizer: ‘Maldito seja Jesus!’” (1 Coríntios 12.3). Quem deliberadamente rejeita o senhorio de Cristo não está salvo. O próprio Jesus disse: “Eu vos digo que todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus; mas quem me negar diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus.” (Lucas 12.8-9).
Assim, a crença na divindade, na morte expiatória e na ressurreição de Cristo parecem estar entre as doutrinas cardeais nas quais qualquer pessoa instruída deve crer para salvação. Além dessas doutrinas centrais, parece não haver muitas outras que funcionam, por assim dizer, como “nota de corte”. Não quer dizer que a negação de outras verdades (por exemplo, a segunda vinda de Cristo) não seja erro grave. Simplesmente, talvez não seja para condenação. É por isso que, em nosso ministério, busco defender essas doutrinas centrais, o cerne comum do “cristianismo puro e simples”.
Agora, voltando a suas preocupações, Carl, quem aceita só de boca o senhorio de Jesus não foi condenado por causa de erros doutrinários que cometeu. Antes, foi porque “nunca vos conheci” (Mateus 7.23). Não eram regenerados, diferentemente de você. Assim, não, você não corre “o risco de perder minha salvação se vier a acreditar e, portanto, defender uma posição inverdadeira” — a menos que comece, como alguns gálatas e coríntios, a negar verdades cardeais do evangelho. Como reconhece Tiago, todos cometemos erros. É por isso que ele adverte sobre o desafio de ser mestre. Não é bom ensinar o erro, mas tampouco é para condenação.
É verdade trivial que, “se a posição x é verdadeira ..., então x tem de ser verdadeira”. Daí, não segue que “se ... é possível encontrar apoio exegético para ela na Bíblia, então x tem de ser verdadeira”. Por que não? Porque é possível também encontrar apoio exegético na Bíblia para a posição y, que é incompatível com x! Isto se aplica a boa parte das disputas doutrinárias. Passagens em apoio a ambas posições podem ser encontradas, e decidir onde está a verdade pode ser difícil. O debate entre calvinistas, arminianos e molinistas é bom exemplo.
Eu o encorajo, Carl, ao responder às perguntas de sua amiga, a compartilhar com ela uma variedade de respostas que cristãos bíblicos dão. É a abordagem que adoto em minhas aulas de doutrina, Defenders. Você pode, então, assumir uma posição pessoal em determinado assunto, se quiser, mas não é necessário. Desse modo, você pode evitar o erro. Suspeito que ela achará sua abertura a diferentes perspectivas humilde e amigável.
Enfim, “é verdade dizer que podemos sustentar qualquer posição, desde que possamos justificá-la biblicamente e mantenhamos o cerne dos princípios do ‘cristianismo puro e simples’?” Se você quis dizer sustentar qualquer posição em doutrinas secundárias (“assuntos domésticos”) e, ainda assim, ser salvo, a resposta é “sim”. “Se sim, por quê?” Porque somos salvos por nossa fé em Cristo, e não pela perfeição de nossa teologia! Desde que nos apeguemos a Cristo para salvação, e não confiemos em nós mesmos, existem pouquíssimas doutrinas que ficam acima da linha de separação entre salvos e condenados. Se eu estiver errado sobre o molinismo, por exemplo, Deus não me dirá: “Afasta-te de mim, tu que praticas o mal! Nunca te conheci”. Ele dirá: “Bem-vindo ao lar, meu filho descuidado e confuso! Entra no gozo de teu Senhor!”.
- William Lane Craig