#532 O Deus de Jesus
May 20, 2018Olá, eu sou mulçumano. Eu tenho uma pergunta sobre Jesus.
Quando você chama ou acredita em alguém como o seu Deus, você sugere algo com isso, ou seja, há consequências necessárias dessa crença, teologicamente.
Por exemplo, quando você chama Jesus de “meu Deus”, isso significa, ou melhor, tem que significar que você acredita, em seu coração, que Jesus te criou. Esse significado já está em sua mente e coração. Deve estar!
Baseado nisso, eu quero perguntar: quando o próprio Jesus chamou o Pai de “seu Deus”, o que isso significa ou sugere?
Se o Pai criou Jesus, então isso faz sentido. No entanto, Jesus não foi criado segundo os cristãos, então eu estou perguntando por que Jesus abordou o pai por esse rótulo “meu Deus”? O Pai criou Jesus? Se não, por que Jesus acreditava no pai como o seu Deus?
Obrigado.
Abdullah
Azerbaijão
Azerbaijan
Dr. Craig responde
A
Um amigo ex mulçumano, que agora é cristão, uma vez falou para mim: “O evangelismo mulçumano é um curso intensivo na doutrina cristã”. A sua pergunta, Abdullah, ilustra bem essa fala. Você abriu a porta para a discussão de algumas doutrinas profundas sobre Deus e Cristo.
Para começar, você está certo ao inferir que, se qualquer ser humano considera alguém como Deus, ele também deve considerar essa pessoa como o seu Criador, já que Deus é o Criador de tudo o que existe além dele mesmo. Já que os cristãos consideram Jesus como Deus, eles também o reconhecem explicitamente como o Criador (ver o Evangelho de João 1:1-3; Colossenses 1:15-17; Hebreus 1:1-3).
Então o que está implícito quando Jesus se refere ao seu Pai Celestial como Deus? A resposta nos leva para as doutrinas da Trindade e das duas naturezas de Cristo.
Primeiro, em relação à doutrina da Trindade, cristãos diferenciaram entre a Trindade ontológica e a Trindade econômica. Me perdoe se isso parece complexo, mas você perguntou! A Trindade ontológica tem a ver com Deus, como Ele existe, em si, completamente à parte das suas relações com o mundo. A Trindade ontológica é composta de três pessoas, que chamamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Agora a pergunta é: há relações de derivação entre as pessoas da Trindade ontológica? Tradicionalmente, a igreja cristã tem afirmado que há, sim. Especificamente, ela defende que a segunda pessoa da Trindade deriva eternamente da primeira pessoa, assim como a luz vem do Sol. É por isso que a primeira pessoa é chamada de Pai e a segunda pessoa de Filho, já que a primeira pessoa gera a segunda. Agora gerar não é o mesmo que criar. Quando uma gata gera filhotes, ela traz filhotes que compartilham da sua mesma natureza felina. Por outro lado, quando um animal cria algo, como um ninho de passarinho ou a barragem de um castor, ele produz um artefato que tem uma natureza diferente da que ele tem. Então o Filho, tendo a mesma natureza que o Pai, é certamente considerado ter sido gerado pelo Pai, não criado por Ele. Então Jesus Cristo, como uma pessoa divina, considera a primeira pessoa da Trindade como o seu Pai, não o seu criador.
Nem todos os cristãos defendem essa visão de que há relações de derivação dentro da Trindade ontológica. Eu sou cético para essa visão, porque não tem justificações nas Escrituras. Mas, eu tendo a pensar da denominação das três pessoas da Trindade ontológica como “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo” como pertencentes adequadamente à Trindade econômica. Ou seja, esses nomes são descritivos dos respectivos papeis que as três pessoas desempenham no plano da Salvação. Jesus Cristo, embora seja igual em natureza com a primeira pessoa da Trindade, se submete a ele e se fez carne para a nossa salvação e, então, é chamado de Filho em relação ao Pai. Cristo é o Filho do Pai, não em sua natureza divina, como na visão tradicional, mas em sua natureza humana em virtude da sua concepção virginal.
Então nós temos duas alternativas para explicar a relação de Jesus e Deus como seu Pai: ou (i) porque ele é eternamente gerado pelo Pai em sua natureza divina, ou (ii) porque ele foi milagrosamente gerado através de Maria pela concepção virginal de Jesus em sua natureza humana.
Isso explicaria porque Jesus pensou em Deus como o seu Pai. Mas essa não é a história completa. Como Jesus pode considerar o Pai como o seu Deus? Isso leva para a doutrina das duas naturezas de Cristo. Na visão cristã, Jesus tem duas naturezas, uma humana e uma divina. Tendo duas naturezas, ele foi verdadeiramente homem e, também, verdadeiramente divino. Quando Jesus, durante a sua encarnação terrestre, adora e ora para o seu Pai como Deus, ele o faz como um ser humano. Como uma pessoa divina, Jesus não poderia ter sido criado por Deus, mas a sua natureza humana individual, esse composto corpo-alma, que andou pelos montes da Galileia e que foi crucificado em Jerusalém, foi criado por Deus. Então foi totalmente apropriado que Cristo, em sua natureza humana, adorou e serviu ao seu Pai Celestial como o seu Deus, assim como fizeram outros fieis judeus.
Eu espero que isso ajude a esclarecer a questão. Jesus não foi criado, mesmo que ele tenha sido gerado, em sua natureza divina. Mas a sua natureza humana foi criada por Deus. Então, em sua humanidade, Jesus considerou o seu Pai Celestial como Deus.
- William Lane Craig