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#559 O que o fez se interessar pelo argumento cosmológico kalam?

January 04, 2018
Q

Dr. Craig,

Terminei a leitura de seu livro The Kalam Cosmological Argument [O argumento cosmológico kalam] e o achei fascinante do ponto de vista histórico e provocador do ponto de vista filosófico. O senhor gastou tempo e pesquisa consideráveis dedicando-se a modernizar este antigo argumento para Deus, e é realmente um dos argumentos mais persuasivos e formidáveis a favor da existência de Deus. Dito isto, o que inicialmente o levou ao estudo intensivo do argumento cosmológico kalam? Dezenas de argumentos já foram apresentados ao longo da história sobre a ontologia de Deus; o que, então, tornou este argumento específico atraente para o senhor, tanto como filósofo quanto como teólogo?

Deus abençoe,

Spencer

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Obrigado, Spencer, por esta pergunta pessoal. Sempre me alegro em compartilhar a história de como surgiu essa descoberta marcante.

Entenda que, quando estudante na Faculdade Wheaton, eu fora ensinado por meus professores de teologia como Robert Webber que não há bons argumentos a favor da existência de Deus. Ele dizia que os argumentos tradicionais haviam sido todos refutados. Nem um pouco de teologia natural, tampouco apologética positiva de qualquer tipo, foi ensinado em nenhum dos meus cursos durante os quatro anos que passei em Wheaton. À época, tudo que tínhamos era o tipo de apologética negativa proposta por Francis Schaeffer no sentido de que, se o teísmo e, em particular, o cristianismo não é verdadeiro, a vida humana individual e a cultura vão por água abaixo e se afundam no desespero ou na incoerência. O problema com este tipo de apologética negativa é que ainda deixa a pessoa sem nenhuma razão para pensar por que o cristianismo é verdadeiro, ou que Bertrand Russell estava errado ao dizer que, para fazer as pazes com a vida, deve-se perceber que o mundo realmente é um lugar terrível.

Uma semana antes da formatura, eu estava dando uma olhada na mesa de liquidação na livraria da faculdade e, para minha surpresa, ali encontrei algumas cópias do livro The Resurrection of Theism (1957) [A ressurreição do teísmo], de Stuart Hackett. Eu ouvira rumores deste livro, há muito tempo esgotado, e até tivera Hackett como professor no meu curso de Introdução à Filosofia, no primeiro semestre do primeiro ano. Infelizmente, aquele curso foi apenas um panorama da história da filosofia e, por isso, nunca discutimos em detalhes (se é que discutimos!) nenhum argumento para a existência de Deus. Tinha ouvido falar que Hackett apresentava uma defesa da existência de Deus naquele livro; peguei, então, uma cópia para ler depois.

No verão após a formatura, finalmente consegui ler o livro de Hackett, e fiquei absolutamente impressionado com o que li. Lá estava ele defendendo os argumentos tradicionais para a existência de Deus, como os argumentos cosmológico e teleológico, e refutando toda objeção concebível que fosse trazida contra eles! Além disso, ele apresentava as objeções aos argumentos de forma tão vigorosa, tão convincente, que eu pensei repetidas vezes: “Certo, acabou! Não há como rebater a objeção!” E, então, ele começava a desmantelá-la completamente. Eu nunca havia lido um livro como o dele: cada frase servia para levar o argumento adiante, e era melhor não arriscar pular uma frase, senão perderia a sequência do pensamento. O livro é exemplo brilhante de filosofia analítica da religião escrito dez anos antes de Alvin Plantinga aparecer em cena com God and Other Minds [Deus e outras mentes]. Costumo dizer que, se Hackett tivesse publicado seu livro pela editora da Universidade Cornell, e não pela editora Moody, a revolução da filosofia cristã teria começado dez anos antes.

Como você já deve provavelmente ter suposto, o ponto central da teologia natural de Hackett era uma versão do argumento cosmológico com base na finitude do passado. Imediatamente me identifiquei com o argumento: desde a infância, a ideia de um universo sem começo e um passado infinito me parecia incrível. Mas eu não queria confiar na minha própria opinião sobre o argumento de Hackett; queria saber o que outros pensavam.

Ao me preparar para o Graduate Record Exam em filosofia, uma prova exigida para se candidatar ao programa de mestrado em filosofia na Escola de Teologia Evangélica Trinity, decidi ler e tomar muitas notas da monumental History of Philosophy [História da filosofia] em nove volumes de Frederick Copleston. No decorrer dos próximos meses, não é que descobri, ao ler Copleston, que o argumento defendido por Hackett tinha uma longa e distinta tradição na história da filosofia ocidental, vindo lá de trás, desde os primeiros comentaristas de Aristóteles, e estendendo-se até a teologia islâmica medieval e a Immanuel Kant em sua Primeira Antinomia sobre o tempo! Eu não fazia ideia de que existia essa tradição tão velha! Fiquei determinado, ali mesmo, que, se um dia viesse a fazer doutorado em filosofia, deveria escrever minha tese sobre essa versão do argumento cosmológico.

Agora, avançando alguns anos para quando eu estava completando meu curso na Trinity. À época, quase não havia nenhum filósofo que escrevesse sobre argumentos para a existência de Deus. Uma notável exceção era o filósofo John Hick, na Universidade de Birmingham, Inglaterra. Então, eu lhe escrevi e perguntei se ele estaria interessado em orientar uma tese de doutorado sobre o argumento cosmológico. Para minha alegria, ele disse que sim; e o resto, como se diz, é história. Em apreço ao desenvolvimento islâmico do argumento, cunhei o argumento de Hackett de argumento cosmológico kalam, e o nome pegou.

Uma última anedota. Quando Jan e eu chegamos a Birmingham, o professor Hick me disse: “Você tem certeza que quer escrever sobre o argumento cosmológico? Não acha que só vai acabar dando murro em ponta de faca?”

Lá estávamos nós, depois de fazer toda a mudança para a Inglaterra só para estudar o argumento, e ele sugerindo que eu trocasse de assunto! Tentando manter a serenidade, respondi: “Pois é, acho que ainda há muito a dizer sobre a questão”. Então, para meu alívio, ele aceitou me deixar continuar.

Alguns anos mais tarde, após terminar minha tese de doutorado, o professor Hick veio até mim antes da defesa oral e me confidenciou: “Passei sua tese para um membro do departamento de física avaliar os indícios físicos que você apresenta para o começo do universo”. Ele parou e, então, falou: “Ele disse que está totalmente correto”.

Eu disse: “Eu sei que está!”.

Ele respondeu: “Por que os teólogos não sabem disso?”

Eu apenas ri e disse: “O senhor ainda acha que o argumento cosmológico é como dar murro em ponta de faca?”

Ele sorriu com seu sorriso angelical e disse: “Ah, não, de forma alguma!”

- William Lane Craig