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#630 Sem provas suficientes para crer

July 30, 2019
Q

Dr. Craig, já o ouvi dar duas respostas ao problema do ocultamento divino. Gostaria de oferecer contrapontos e de pedir que desse sua opinião.

1) Teísta: “Deus deseja relacionamentos escolhidos livremente e não quer se impor a ninguém”.

            Contraponto: demonstrar a própria existência não viola o livre arbítrio.

a) Se você ama alguém e quer ter um relacionamento com ele, a primeira coisa que faz é apresentar-se. Isto torna sua existência 100% óbvia. Porém, ninguém reclama que isto viola seu livre-arbítrio! Na verdade, afirma o livre-arbítrio, pois alguém não pode escolher entrar num relacionamento, a menos que saiba que a outra parte existe.

b) Deus poderia facilmente fazer o mesmo. Ele poderia se apresentar pessoalmente a cada um de nós, de modo a não haver dúvida de sua existência. Isto não violaria nosso livre-arbítrio. Poderíamos, então, escolher livremente continuar a relação com ele ou não.

 

2) Teísta: “Pode até ser que, se Deus se revelasse mais claramente, nem uma pessoa a mais fosse salva, além do que já acontece no status quo”.

            Contraponto: não é assim que a crença humana funciona diante das provas.

a) Sabemos como a crença humana funciona diante das provas.

b) À medida que as provas se tornam mais abundantes e qualitativamente melhores, as pessoas têm mais chances de crer em qualquer proposição X.

c) Cada pessoa pode ter um diferente limiar probatório para a crença em X, mas, à medida que as provas para X melhoram em quantidade e qualidade, eventualmente se atravessa tal limiar.

d) Numa nota pessoal, posso atestar honestamente que, se tivesse mais ou melhores provas, de bom grado seria cristão comprometido. Gostaria verdadeiramente de crer em Deus e busco seriamente, mas me é muito difícil porque as provas simplesmente não parecem convincentes.

e) Sou apenas uma pessoa, mas considere o efeito cumulativo disto em todas as pessoas, através do tempo. Seria um enorme efeito para o bem e resultaria em várias almas sendo salvas, caso Deus se revelasse com mais clareza.

 

Reitero: ter mais provas — até mesmo uma quantidade esmagadora — para a existência de Deus não violaria o livre-arbítrio (cf. o primeiro argumento).

Peter

United States

Dr. Craig responde


A

Embora eu realmente simpatize com seu drama, Peter, o próprio fato de que você diz: “Gostaria verdadeiramente de crer em Deus e busco seriamente, mas me é muito difícil porque as provas simplesmente não parecem convincentes” me parece suspeito. Ou você não está plenamente familiarizado com as provas (já as estudou, por exemplo, em Apologética contemporânea?) ou, então, há muito mais em jogo a nível psicológico do que você queira admitir ou do que você talvez sequer esteja ciente. Ainda que as provas não sejam convincentes, não entendo como qualquer pessoa esclarecida que sinceramente deseje se tornar cristã possa pensar que as provas são insuficientes para firmar um compromisso cristão. Suspeito que haja barreiras psicológicas mais profundas a refreá-lo. Se for verdade, a disponibilização de mais provas talvez não faça nenhuma diferença no sentido de levá-lo a crer em Cristo. Eu o incentivo a se empenhar num autoexame e, talvez, conversar com um amigo cristão de confiança para descobrir o que, de fato, está a refreá-lo.

Pois bem, com relação aos dois pontos que supostamente apresento, julgo importante esclarecer exatamente o que estou dizendo:

1. “Deus deseja relacionamentos escolhidos livremente e não quer se impor a ninguém.” O que rejeito aqui é uma autorrevelação da parte de Deus tão atraente que se torne irresistível. É como a chamada visão beatífica, dada aos bem-aventurados no céu. Concordo e já disse que o fato de Deus tornar óbvia sua existência tanto quanto o nariz no nosso rosto não violaria o livre-arbítrio. A questão é que isso não garante tampouco a fé salvadora (pense nos israelitas durante o êxodo!). Assim, concordo que, mesmo que Deus se apresentasse pessoalmente a cada um de nós, de modo a não haver mais dúvida de sua existência, “isto não violaria nosso livre-arbítrio. Poderíamos, então, escolher livremente continuar a relação com ele ou não”. Afirmo simplesmente que Deus não pode forçar a fé em si mesmo ao oferecer uma autorrevelação que seja irresistível.

2. “Pode até ser que, se Deus se revelasse mais claramente, nem uma pessoa a mais fosse salva, além do que já acontece no status quo.” Correto! Pense nisto. Deus quer que todos sejam salvos. Portanto, na medida em que isto seja factível, Deus não permitirá que alguém se perca, se ele souber que a disponibilização de mais provas conquistará o livre consentimento daquela pessoa. Deus providencialmente ordenará o mundo a fim de que todo que não crer em Deus para a salvação não teria crido nele, caso lhe fossem dadas mais provas. Com certeza, mais provas podem convencer tal pessoa de que Deus existe. Mas isto não é grande coisa. O que importa é a fé salvadora. E pode muito bem ser o caso que um Deus amoroso não recusaria a ninguém as provas que bastassem para trazê-lo livremente à fé salvadora. Assim, quem quer que não chegue à fé salvadora não teria vindo, mesmo que tivesse recebido mais provas.

Seu contraponto mistura a fé salvadora com a conclusão da crença de que Deus existe. Por isso, você diz: “À medida que as provas se tornam mais abundantes e qualitativamente melhores, as pessoas têm mais chances de crer em qualquer proposição X”. Mas, Peter, crer em Deus não é o mesmo que crer numa proposição! Estamos falando aqui de uma relação de amor e confiança, e não da conclusão de que uma crença é p, onde p é uma proposição. Você diz ainda: “Cada pessoa pode ter um diferente limiar probatório para a crença em X, mas, à medida que as provas para X melhoram em quantidade e qualidade, eventualmente se atravessa tal limiar”. Não vejo razão alguma para pensar que a afirmação é verdadeira. Muitos ateus dizem e até me contaram pessoalmente que, mesmo que soubessem que Deus existe, ainda assim, não creriam nele. A esta afirmação, você opõe sua própria experiência pessoal: “posso atestar honestamente que, se tivesse mais ou melhores provas, de bom grado seria cristão comprometido”. Não tenho nenhuma certeza a mais de que isto seja verdade tanto quanto não o tenho quanto às afirmações dos ateus. Se você confia em sua autoanálise, por que duvidar da deles? Pessoalmente, penso que as raízes da tomada de decisão são tão profundas que não podemos ter certeza das afirmações no sentido do que alguém faria se tivesse mais provas. Acho que Deus sabe (sou molinista), mas nós não. Assim, não penso ser verdade que “sabemos como a crença humana funciona diante das provas”. O que sabemos é que as pessoas se decidem com base em todo tipo de motivos não-racionais, sem relação alguma com as provas.

Ora, suponha que você acredita tanto em sua autoanálise quanto na do ateu. Segue-se daí simplesmente que você virá a crer em algum momento. Deus não lhe recusará as provas que lhe seriam suficientes para que creia nele. Isto deveria lhe dar alguma esperança para o futuro, Peter. Continue a buscar: investigue as provas mais a fundo. Você deverá achá-las mais do que suficientes para uma fé racional.

- William Lane Craig