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A revolução na filosofia anglo-americana

Summary

How the field of philosophy has experienced a Christian renaissance over the last half century. Originalmente publicado como: “The Revolution in Anglo-American Philosophy”. Texto disponível na íntegra em http://www.reasonablefaith.org/the-revolution-in-anglo-american-philosophy.

“O mundo intelectual contemporâneo no Ocidente”, declara o célebre filósofo Alvin Plantinga, “é um campo de batalha ou uma arena na qual se trava a luta pela alma dos homens”. [1] Três escolas de pensamento combatem-se na batalha para ganhar a mente de homens e mulheres pensantes. O naturalismo iluminista, o antirrealismo pós-moderno e o teísmo, tipicamente o teísmo cristão. É no campo da filosofia que ocorrem as batalhas decisivas, e a consequência dessas controvérsias repercutirá em todo âmbito universitário e, por fim, no mundo ocidental. Nas décadas recentes, as frentes de batalha mudaram dramaticamente, e, por isso, solicitaram-me que falasse hoje sobre algumas mudanças que ocorrem na filosofia anglo-americana ao longo da última geração.

Para entendermos onde estamos hoje, precisamos, antes de tudo, entender algo sobre onde estávamos. Numa retrospectiva recente, Paul Benacerraf, eminente filósofo de Princeton, descreve como se parecia a filosofia em Princeton nas décadas de 1950 e 1960. O opressivo modo de pensar dominante era o naturalismo científico. A ciência física era considerada como o árbitro final e, na verdade, único. A metafísica — ramo tradicional da filosofia que trata de questões sobre a realidade que está além da ciência — tinha desaparecido, expulsa da filosofia como um leproso imundo. “A filosofia da ciência”, afirma Benacerraf, “era a rainha de todos os ramos” da filosofia, uma vez que “dispunha das ferramentas [...] para abordar todos os problemas”. [2] Qualquer problema que não pudesse ser tratado pela ciência era simplesmente descartado como pseudoproblema. Assim, a questão que não tinha resposta científica não era uma questão verdadeira, mas apenas uma pseudoquestão mascarada de questão real. Na verdade, parte do trabalho da filosofia era limpar totalmente da disciplina a bagunça que as gerações anteriores lhe tinham causado na luta infindável com essas pseudoquestões. Havia, portanto, certa autoconsciência, um zelo de cruzada, com a qual os filósofos levaram a cabo a sua tarefa. Os reformadores, diz Benacerraf, “alardeavam a afirmação militante da nova fé [...], pela qual as confusões esdrúxulas dos nossos precursores deviam ser substituídas pela ciência emergente da filosofia. Essa nova iluminação iria pôr as velhas visões metafísicas para dormir, substituindo-as com um novo modo de fazer filosofia”.

O livro Language, Truth and Logic [Linguagem, verdade e lógica], do filósofo britânico A. J. Ayer, serviu como espécie de manifesto para esse movimento. Como afirma Benacerraf, “não era um grande livro”, mas, sim, “maravilhoso expoente do espírito da época”. A arma principal empregada por Ayer na sua campanha contra a metafísica foi o celebrado Princípio de Verificação de Sentido. De acordo com esse princípio, que passou por várias revisões, para que uma proposição faça sentido, ela deve ser capaz, em princípio, de ser empiricamente verificada. Uma vez que as declarações metafísicas extrapolavam o alcance da ciência empírica, não poderiam ser verificadas e, portanto, eram dispensadas como combinações de palavras sem sentido.

Ayer foi bastante explícito acerca das implicações teológicas desse verificacionismo. [3] Sabendo-se que Deus é objeto metafísico, diz-nos Ayer, a possibilidade do conhecimento religioso é “deixada de fora pelo nosso tratamento de metafísica”. Assim, não pode haver nenhum conhecimento de Deus.

Ora, talvez alguém dissesse que podemos apresentar evidências da existência de Deus, mas Ayer não levaria nenhuma em consideração. Se com a palavra “Deus” pretende-se significar um ser transcendente, afirma Ayer, então a palavra “Deus” é termo metafísico e, portanto, “não é sequer provável que Deus exista”. Ele explica: “Dizer que ‘Deus existe’ é proferir uma expressão metafísica que não pode ser verdadeira nem falsa. E, pelo mesmo critério, nenhuma proposição que pareça descrever a natureza de um deus transcendente pode ter alguma significação literal”.

Vamos supor que algum cristão diga: “Mas eu conheço a Deus mediante um relacionamento pessoal com Jesus Cristo. Você não pode negar a minha experiência pessoal!”. Ayer não se impressionaria. Ele não pensaria em negar que você tem uma experiência de, diria ele, ver um objeto amarelo. Mas, afirma, “embora a sentença ‘Existe aqui uma coisa material de cor amarela’ expresse uma proposição genuína, capaz de ser empiricamente verificada, a sentença ‘Existe um deus transcendente’ [...] não tem significado literal”, pois não é verificável. Logo, o apelo à experiência religiosa, diz Ayer, é “totalmente falacioso”.

Espero que vocês tenham captado a importância dessa visão. Por essa perspectiva, as declarações sobre Deus não têm sequer a dignidade de ser falsas. São apenas palavras ou sons sem sentido pronunciados no ar. Se você disser a alguém: “Deus o ama e tem um plano maravilhoso para sua vida”, não terá dito nada mais significativo do que se tivesse proclamado “Era briluz. As lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos”.

E não só as declarações metafísicas eram consideradas sem sentido. As declarações éticas — declarações sobre certo e errado, bem e mal — também eram denunciadas como sem sentido. Por quê? Porque não podem ser verificadas empiricamente! Tais declarações são meras expressões emocionais dos sentimentos de quem as profere. Ayer diz: “Se eu digo: ‘Roubar dinheiro é errado’, produzo uma declaração que não tem significado factual [...] é como se eu tivesse escrito: ‘Roubar dinheiro!!’ [...] É evidente que aqui nada se disse que possa ser verdadeiro ou falso”. Assim, ele conclui que juízos de valor “não têm nenhuma validade objetiva”. O mesmo se aplica a declarações estéticas concernentes à beleza ou à feiura. De acordo com Ayer, “as palavras estéticas como ‘beleza’ e ‘horrível’ são empregadas [...] não para expressar declarações de fatos, mas simplesmente para manifestar certos sentimentos [...]”.

É lamentável que esse fosse o tipo de pensamento dominante nos departamentos das universidades dos Estados Unidos durante o último século, adentrando a década de 1960. A vida religiosa americana não escapou ao seu impacto. Pressionados pelo verificacionismo, alguns teólogos passaram a advogar teorias emocionais da linguagem teológica. Na visão deles, as declarações teológicas não são de modo algum declarações de fato, mas expressam meramente as emoções e atitudes dos declarantes. Por exemplo, a proposição “Deus criou o mundo” não pretende expressar nenhuma declaração factual; antes, é meramente um modo de expressão, digamos, do espanto e do maravilhamento de alguém ante a grandiosidade do universo. Chegou-se sem dúvida ao fundo do poço com a dita Teologia da Morte de Deus, em meados da década de 1960 — a propósito, a única escola de pensamento teológico que se originou em solo americano. Em 8 de abril de 1966, a chamativa capa em vermelho e preto da revista Time lançava a pergunta: “Deus está morto?”. E o artigo da capa descrevia o movimento então em curso entre os teólogos americanos para proclamar a morte de Deus.

Hoje esse movimento desapareceu completamente. O que houve? Bem, o que houve é uma história interessante.

Os filósofos trouxeram à luz uma incoerência que reside no âmago da prevalente filosofia do naturalismo científico. Eles começaram a perceber que o princípio da verificação não nos forçaria somente a descartar, como desprovidas de sentido, as declarações teológicas, mas também muitíssimas declarações científicas, de sorte que o princípio minava as bases da vaca sagrada da ciência, em cujo altar eles se ajoelhavam. A física contemporânea está repleta de declarações metafísicas que não podem ser validadas empiricamente. Como bem expressou o eminente filósofo da ciência, Bas van Fraassen: “Você fica atônito com os conceitos de Trindade [e] alma [...]? Eles perdem o brilho quando comparados à alteridade inimaginável de espaços-tempos fechados, horizontes de eventos, correlações EPR e modelos autocarregáveis”. [4] Se a nau do naturalismo científico não quisesse afundar a si mesma, o verificacionismo tinha de ser renunciado. Havia um preço a ser pago pelo abandono desse princípio. Uma vez que esse tinha sido o recurso principal para barrar a porta à metafísica, lançar o verificacionismo ao mar significava que não haveria mais ninguém à porta para impedir que esse visitante medonho e malquisto reaparecesse.

Ainda mais fundamentalmente, percebeu-se também que o princípio da verificação é autorrefutável. Simplesmente pergunte a si mesmo se a proposição “uma proposição provida de sentido deve ser capaz de ser empiricamente verificada” é em si mesma capaz de ser empiricamente verificada. É evidente que não. Não há evidência empírica suficiente para verificar a sua validade. O princípio da verificação é, portanto, segundo seu próprio critério, uma combinação de palavras sem sentido, praticamente incapaz de deter-nos, ou é, na melhor possibilidade, uma definição arbitrária, a qual temos a liberdade de rejeitar. Por isso, o princípio da verificação e a teoria do significado que ele sustentava foram quase universalmente abandonados pelos filósofos.

Sem dúvida, o evento filosófico mais importante do século XX foi a derrocada do verificacionismo encravado no âmago do naturalismo científico. Um dos resultados foi o surgimento do Pós-modernismo. O naturalismo científico, originado no Iluminismo, foi agrupado indistintamente à chamada “Modernidade” ou era moderna, dominada pela ciência e tecnologia. A queda do verificacionismo trouxe consigo uma espécie de desilusão com todo o projeto iluminista do naturalismo científico.

À primeira vista isso talvez pareça um desenvolvimento bem-vindo para os crentes cristãos, cansados dos ataques dos naturalistas iluministas. Entretanto, nesse caso, a cura foi pior do que a doença, pois a tendência dos pós-modernistas é desesperar-se com a impossibilidade de encontrar a verdade e o conhecimento objetivos. Afinal de contas, se a ciência, maior conquista intelectual do homem, não é capaz de encontrá-los, então, que esperança há? Por isso, os pós-modernistas tendem a negar a existência de padrões universais de lógica, racionalidade e verdade. Essa alegação é obviamente incompatível com a ideia cristã de Deus, o qual, como Criador e Sustentador de todas as coisas, é uma realidade objetivamente existente, e também, como ser onisciente, tem perspectiva privilegiada do mundo, apreendendo-o exatamente como é na unidade do seu intelecto. Portanto, a verdade possui unidade e objetividade incompatíveis com o Pós-modernismo. Assim, o Pós-modernismo não é mais amigável às afirmações de verdade do cristianismo do que era o naturalismo iluminista. O cristianismo é reduzido a nada mais que uma voz em meio a uma cacofonia de reivindicações rivais, nenhuma delas objetivamente verdadeira.

Seja como for, o naturalismo iluminista está tão profundamente imbuído na vida intelectual do Ocidente que as correntes antirracionalistas, como Romantismo e Pós-modernismo, estão condenadas a ser, penso eu, meras modas passageiras. Afinal, ninguém adota a visão literária pós-moderna ao ler o rótulo de vidros de remédio ou de uma caixa de veneno para ratos! É óbvio que ignoramos o significado objetivo desses textos apenas para o perigo de nossa vida. Em última análise, as pessoas tornam-se subjetivistas só em termos de ética e religião, não nas questões provadas pela ciência. Mas isso não é Pós-modernismo. Não é outra coisa senão o clássico naturalismo iluminista, o velho Modernismo em novo disfarce da moda. Não posso senão suspeitar que o Pós-modernismo é a mais recente artimanha enganosa de Satanás: fingindo estar morto e enterrado, o verificacionismo reaparece em novo disfarce fantasioso, mas sob a vestimenta sedutora está o mesmo velho subjetivismo e relativismo que eram característicos da Modernidade. A Pós-modernidade é um embuste.

Felizmente, o Pós-modernismo não é o único resultado do colapso do verificacionismo. De fato, no âmbito da filosofia, o Pós-modernismo é realmente um movimento bastante marginal, abrigando-se principalmente nos departamentos de línguas, literatura e educação, e não no de filosofia. Na filosofia, o falecimento do verificacionismo foi, ao contrário, acompanhado do ressurgimento da metafísica com todas as outras questões tradicionais da filosofia que haviam sido sufocadas pelo verificacionismo. De braço com essa ressurreição chegou algo novo e completamente imprevisto: o nascimento de uma nova disciplina, a filosofia da religião, e uma renascença na filosofia cristã.

Desde o final da década de 1960, os filósofos cristãos têm saído das tocas e defendido a verdade da cosmovisão cristã com argumentos filosoficamente sofisticados, nos melhores periódicos acadêmicos e nas sociedades profissionais. Na mesma época em que os teólogos escreviam o obituário de Deus, uma nova geração de filósofos estava redescobrindo a sua vitalidade. E, por causa disso, a fachada da filosofia anglo-americana foi transformada. Apenas alguns anos depois da sua edição sobre a morte de Deus, a Time imprimiu um artigo de capa vermelha e preta semelhante; dessa vez, a pergunta era: “Deus está voltando à vida?”. É assim que deve ter parecido para os teólogos agentes funerários da década de 1960! Durante a década de 1970, o interesse na filosofia da religião continuou a crescer e, em 1980, a Time achou-se imprimindo outro artigo principal cujo título era “Modernizando a defesa de Deus”, no qual descrevia o movimento entre os filósofos contemporâneos para renovar os argumentos tradicionais para a existência de Deus. A Time surpreendeu-se:

Em uma revolução silenciosa no pensamento e no raciocínio quase impossível de ser prevista há apenas duas décadas, Deus está voltando ao posto. O mais intrigante é que isso não está ocorrendo entre os teólogos e os crentes comuns, mas nos viçosos círculos intelectuais dos filósofos acadêmicos, onde há muito o consenso baniu o Onipotente do discurso produtivo. [5]

Conforme o artigo, o célebre filósofo americano Roderick Chisholm acredita que a forte influência do ateísmo uma geração atrás se devia ao fato de que os filósofos mais brilhantes eram ateus; porém, diz ele, atualmente muitos dos filósofos mais extraordinários são teístas e empregam intelectualismo realista e resoluto na defesa dessa crença que antes faltava no seu lado do debate.

Hoje a filosofia da religião floresce em periódicos recentes, como International Journal for Philosophy of Religion, Religious Studies, Sophia, Faith and Philosophy, Philosophia Christi, American Catholic Philosophical Quarterly, e outras publicações dedicadas à disciplina, para não mencionar os jornais comuns, não especializados. Sociedades profissionais como Society of Christian Philosophers, Evangelical Philosophical Society, American Catholic Philosophical Society, sem citar outros grupos menores, acumulam milhares de membros. Publicações em filosofia da religião estão em rápida expansão, o que fica evidente pela abundância de livros didáticos na área (também dá testemunho disso o interesse aparentemente insaciável dos estudantes por cursos dessa matéria), como Philosophy of Religion (1989), de Rowe e Wainwrigth; Philosophy of Religion (1996), de Stewart; Philosophy of Religion (1996), de Basinger et al.; Philosophy of Religion (1998), de Pojman; Philosophy of Religion (1998), de Murray e Stump; e Readings in the Philosophy of Religion (2000), de Clark.

Fui convidado pela editora da Universidade de Edimburgo para organizar um volume com textos seletos de filosofia da religião, e assim reuni uma coleção de textos abertamente pró-cristãos em vários tópicos da área. Para minha surpresa, a editora da Universidade Rutgers quis ser a coeditora americana do livro. Quando disse depois ao editor da Rutgers: “Estou francamente surpreso que vocês estejam interessados em publicar o livro. Confesso que ele é majoritariamente cristão”, ele respondeu: “Eu sei. É exatamente por isso que nós o queremos”. Publicar livros cristãos dá dinheiro. Vocês sabiam que a editora da Universidade de Oxford [Oxford University Press (OUP)] está agora publicando livros sobre apologética cristã em nível popular? No ano passo, o livro Humble Apologetics [Apologética despretensiosa], de John Stackhouse, saiu pela OUP, e meu debate com o professor de filosofia de Dartmouth, Walter Sinnott-Armstrong, foi publicado pela OUP como: God: A Debate between a Christian and an Atheist [Deus: debate entre um cristão e um ateu].

Para que vocês sintam um pouco do impacto dessa revolução na filosofia anglo-americana, quero fazer a citação um tanto extensa de um artigo de Quentin Smith, que saiu na edição de outono do periódico secularista Philo, lamentando o que esse autor denominou de “a dessecularização da academia que se desenvolve nos departamentos de filosofia desde o final da década de 1960”. Smith, filósofo ateu de destaque, escreveu:

Em meados do século XX, as universidades [...] haviam se tornado essencialmente secularizadas. A posição [...] padrão em cada campo [...] supunha ou envolvia argumentos favoráveis a uma visão de mundo naturalista; os departamentos de teologia ou religião almejavam entender o significado e as origens dos escritos religiosos, não para desenvolver argumentos contra o naturalismo. Os filósofos analíticos [...] tratavam o teísmo como uma cosmovisão antirrealista e não-cognitivista, requerendo a realidade não de uma divindade, mas meramente de expressões emotivas ou de certas “formas de vida” [...]

Isso não quer dizer que nenhum dos especialistas, nos vários campos acadêmicos, eram teístas realistas em suas “vidas privadas”; porém, a maior parte deles excluía o teísmo de suas publicações e ensinamento, em grande parte porque se considerava principalmente que o teísmo detinha uma condição epistêmica tão inferior que não atendia aos padrões para manter uma posição “academicamente respeitável”. A secularização da academia convencional começou a desfazer-se rapidamente com a publicação, em 1967, do influente livro God and Other Minds [Deus e outras mentes], de Plantinga. Ficou evidente para o ofício filosófico que esse livro mostrava que os teístas realistas não eram sobrepujados pelos naturalistas nos termos dos padrões mais valiosos da filosofia analítica: precisão conceitual, rigor na argumentação, erudição técnica e defesa minuciosa de uma cosmovisão original. Esse livro, seguido sete anos depois pelo livro ainda mais impressionante de Plantinga: The Nature of Necessity [A natureza da necessidade], deixou patente que um teísta realista estava escrevendo com o mais alto nível de qualidade da filosofia analítica, no mesmo campo de atuação de Carnap, Russell, Moore, Grünbaum e outros naturalistas [...]

Os naturalistas assistiram passivamente enquanto as versões realistas do teísmo, influenciadas principalmente pelos escritos de Plantinga, começaram a propagar-se por toda a comunidade filosófica, até que hoje talvez um quarto ou um terço dos professores de filosofia são teístas, sendo a maioria cristãos ortodoxos. Embora muitos teístas não militem na área da filosofia da religião, há tantos deles trabalhando nessa área que agora existem mais de cinco periódicos de filosofia dedicados ao teísmo ou à filosofia da religião, como, por exemplo, Faith and Philosophy, Religious Studies, International Journal for Philosophy of Religion, Sophia, Philosophia Christi, etc. Philosophia Christi começou a circular no final da década de 1990 e transborda com trabalhos enviados por importantes filósofos.

[...] os teístas de outras áreas tendem a isolar suas crenças teístas de seus trabalhos acadêmicos; raramente as assumem e nunca defendem o teísmo em suas obras. Se o fizessem, estariam cometendo suicídio acadêmico ou, mais exatamente, seus artigos seriam rejeitados de pronto [...] Mas, na filosofia, quase de um dia para o outro, passou a ser “academicamente respeitável” defender o teísmo, transformando-se ela hoje em um campo favorável à entrada dos teístas mais inteligentes e talentosos na academia. Uma contagem mostraria que, no catálogo de 2000/2001 da editora da Universidade de Oxford, há 96 livros recém-publicados sobre filosofia da religião [...] Em comparação, há 28 livros [...] sobre filosofia da linguagem, 23 sobre epistemologia (incluindo livros de epistemologia religiosa, como Warranted Christian Belief [Crença cristã garantida], de Plantinga), 14 sobre metafísica, [etc.] [...]

Smith, então, conclui:

Na academia, Deus não está “morto”; voltou à vida no final da década de 1960 e está agora são e salvo em seu último bastião acadêmico: os departamentos de filosofia. [6]

Esse é o testemunho de um proeminente filósofo ateu sobre a mudança ocorrida diante de seus olhos na filosofia anglo-americana. Todavia, penso que ele está provavelmente exagerando ao estimar que de um quarto a um terço dos filósofos americanos sejam teístas; na verdade, o que a sua estimativa revela é a percepção do impacto dos filósofos cristãos sobre esse campo. Assim como o exército de Gideão, uma minoria de ativistas comprometidos pode ter um impacto muitíssimo maior do que a sua proporção numérica. O principal erro que Smith comete é o de denominar os departamentos de filosofia de o “último bastião” de Deus na academia. Antes, ao contrário, os departamentos de filosofia são uma plataforma de onde podem ser lançadas operações para impactar para Cristo outras disciplinas na universidade.

A filosofia, por ser fundamental a qualquer disciplina universitária, é a matéria mais estratégica a ser influenciada para Cristo. Seja na filosofia da ciência, na filosofia da educação, na filosofia do direito, na filosofia da matemática, ou no que se quiser, toda disciplina terá associado e fundamental a si mesma um campo da filosofia. A filosofia dessas disciplinas não é teologicamente neutra. A adoção de pressupostos consoantes ou antagônicos ao teísmo cristão ortodoxo terá importante efeito fermentador em toda aquela disciplina o qual, por sua vez, disporá seus praticantes a ser contrários ou favoráveis à fé cristã. Os filósofos cristãos, ao influenciarem a filosofia dessas várias disciplinas, ajudam a modelar o pensamento de toda a universidade de modo a dispor nossas futuras gerações de líderes ao acolhimento do Evangelho.

Na verdade, penso que já estamos vendo o efeito transbordante disso para áreas como as ciências naturais, na qual está em andamento um florescente diálogo entre ciência e religião, e os proponentes do dito “Design Inteligente” (ou Projeto Inteligente) estão agitando o mar. Muitos dos principais ativistas do movimento do Design Inteligente não são cientistas, mas filósofos — pessoas como William Dembski, Steve Meyer, Paul Nelson, e outros. Estou otimista que, à semelhança do fermento, a revolução iniciada na filosofia cristã espalhará por fim a sua influência em todo âmbito universitário.

Por que isso é significativo? Simplesmente porque a única e mais importante instituição que modela a cultura ocidental é a universidade. É na universidade que serão treinados nossos futuros líderes políticos, nossos jornalistas, professores, executivos, advogados, artistas. É na universidade que eles formularão, ou simplesmente absorverão, a visão de mundo que moldará a sua vida. E, uma vez que são eles os formadores de opinião e líderes que darão forma à nossa cultura, a cosmovisão com a qual se impregnam na universidade será a mesma que molda a nossa cultura. Se a cosmovisão cristã puder ser restaurada a uma posição de proeminência e respeito na universidade, isso terá efeito fermentador em toda a sociedade. Se mudarmos a universidade, mudamos a nossa cultura por meio daqueles que a modelam.

Por que isso é importante? Simplesmente porque o Evangelho nunca é ouvido isoladamente. É sempre ouvido no contexto do ambiente social em que as pessoas vivem. Alguém criado em meio social no qual o cristianismo ainda é visto como uma opção intelectual viável mostrará abertura ao Evangelho, algo que o secularizado não mostrará. Dizer ao secularizado que acredite em fadas e duendes é o mesmo que dizer que creia em Jesus Cristo! Ou, para apresentar uma ilustração mais realista, é como se fôssemos abordados na rua por um adepto do movimento Hare Krishna convidando-nos a crer em Krishna. Esse tipo de convite atinge-nos como algo bizarro, extravagante ou mesmo divertido. Mas, para alguém nas ruas de Bombaim, na Índia, tal convite pareceria, assim se espera, bastante razoável e um sério motivo à reflexão. Para as pessoas das ruas de Bonn, Londres ou Nova Iorque, os evangélicos parecem menos estranhos do que os devotos de Krishna? Numa cultura modelada por uma visão de mundo inculcada na universidade, o Evangelho não será mais ouvido como uma opção viável pela maioria adulta. Mude-se a universidade e se mudará a cultura por meio daqueles que a formam.

Então, quem são os indivíduos mais eficazmente posicionados para realizar a mudança cristã na universidade? Numa palavra: o corpo docente cristão. Faz parte da missão dos acadêmicos cristãos ajudar a criar e manter um ambiente cultural no qual o Evangelho possa ser ouvido como opção intelectualmente viável para homens e mulheres pensantes. Triste é o modo como muitos docentes cristãos estão mal preparados para enfrentar esse grande desafio que os confronta. Permitam-me mencionar três áreas nas quais eles precisam de encorajamento e treinamento.

1. Muitos docentes cristãos precisam ser encorajados a se envolver intelectualmente não apenas com as suas disciplinas de escolha, mas com a fé cristã. Parece estranho ter de estimular acadêmicos cristãos a isso. Seria de esperar que as pessoas que optaram pela vida intelectual como sua vocação fossem natural e intelectualmente curiosas e, portanto, desejosas de compreender e explorar a teologia e a apologética cristãs. Mas tenho descoberto que a situação é bem diferente. Admiro-me da fraca apreensão que muitos professores universitários cristãos parecem ter da doutrina cristã, e da impotência que demonstram quando chamados para defender a esperança que há neles. É chocante para mim descobrir como muitos acadêmicos cristãos parecem estar satisfeitos com o profundo conhecimento que detêm da sua área de especialização e, quando se trata da fé cristã, na qual apostaram a vida e o destino eternos, conhecem pouco mais do que a instrução da Escola Bíblica Dominical. Tenho ficado espantado ao conversar com professores cristãos que revelam quão pouco compreendem das doutrinas cristãs básicas, como a Trindade, as duas naturezas de Cristo, ou os atributos de Deus. Surpreendo-me ao vê-los ficar sem palavras quando solicitados a explicar por que creem ser o cristianismo verdadeiro. Apesar de brilhantes em suas respectivas áreas de escolha, são como leigos desinformados quando se trata da fé cristã. Precisamos ajudá-los a alcançar um entendimento mais profundo de doutrina da Bíblia, história da igreja, teologia e apologética.

2. Precisamos estimular o corpo docente cristão a integrar a fé cristã às suas disciplinas. Toda verdade é verdade de Deus, e, portanto, nenhuma área de estudos escapa ao domínio da verdade de Deus. De algum modo, tudo se integra com o todo, que só é conhecido perfeitamente por Deus. O alvo do acadêmico cristão seria descobrir como seu campo de estudo se encaixa na estrutura total da verdade de Deus.

A consequência disso é que os docentes cristãos precisam ser incentivados a pensar de maneira cristã sobre suas respectivas áreas de especialização. Nesse ponto, é absolutamente crucial entender que as pressuposições subjacentes à disciplina da escolha de alguém foram em grandíssima medida moldadas pelas cosmovisões seculares e naturalistas. Por isso, precisamos desafiar os docentes cristãos a estar preparados para repensar totalmente sua disciplina, alinhando-a com as pressuposições cristãs.

Tenho-me escandalizado com a falta de integração intelectual entre os colegas cristãos. Por exemplo, conversei longamente com uma professora cristã de literatura em uma de nossas universidades estaduais nos EUA. Ela disse-me acreditar que os textos não têm sentido. Antes, o sentido está apenas na mente do leitor. Fiquei espantado como uma cristã inteligente podia adotar a visão relativista pós-moderna do significado, que assola os departamentos de inglês e literatura. Perguntei-lhe como sua visão se aplicava à Bíblia. Por ser texto, ela não faz sentido? Todos estão livres para dar os sentidos que quiserem ao texto bíblico? Seria legítimo considerar que o significado da Bíblia seja o de que Deus é ódio e lançará no inferno todos os que creem em Cristo? O sentido da Bíblia seria o de um relato de cada lance da final da Copa do Mundo de Futebol em 2002? Ela disse que excluía a Bíblia da possibilidade de não ter sentido, porque somente ela é inspirada por Deus. Procurei mostrar-lhe que essa saída era totalmente ad hoc; em nível textual, a Bíblia é exatamente como qualquer outro texto, a despeito de quem tenha sido seu autor e, portanto, ela seria objetivamente desprovida de sentido. Graças a Deus, ela era cristã o suficiente para entender que sua conclusão era teologicamente inaceitável! Ela ficou visivelmente chocada com a nossa conversa. “Vou ter de repensar tudo”, disse-me. “Veja, faço parte da direção de uma biblioteca pública que precisou decidir se proibiria ou não impressos pornográficos disponíveis na biblioteca. Aleguei que, uma vez que os textos não têm sentido em si mesmos e que o sentido está na mente do leitor, nada é inerentemente pornográfico, e, portanto, a biblioteca poderia disponibilizar esses impressos. Se você estiver certo, cometi um erro terrível”. Imaginar que um acadêmico cristão, infectado pelo pós-modernismo e insuficientemente reflexivo do ponto de vista cristão, seria por isso responsável por colocar pornografia nas mãos das crianças e talvez até nas mãos de predadores sexuais, deixou claro para mim, como nunca antes, a importância de conclamar os acadêmicos cristãos a que desenvolvam uma visão cristã de mundo e de vida, mesmo que isso signifique repensar as próprias bases de sua disciplina e reformá-las em alinhamento com a verdade cristã.

3. Precisamos ajudar os docentes cristãos na sua própria formação pessoal e espiritual. A vida acadêmica é inerentemente agonística. Quer dizer, é combativa, envolvendo a luta de ideias. Ela tende a promover a ambição egoísta, a arrogância e a competitividade. Lembro-me do comentário de um cientista de que a ciência é um campo no qual as motivações egotistas e o avanço da disciplina têm a felicidade de coincidir. Mas esse não é o tipo de sabedoria que Deus considera valiosa. Pelo contrário, ele a chama de demoníaca. Vejam Tiago 3.13-15: “Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre em mansidão de sabedoria, mediante condigno proceder, as suas obras. Se, pelo contrário, tendes em vosso coração inveja amargurada e sentimento faccioso, nem vos glorieis disso, nem mintais contra a verdade. Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; antes, é terrena, animal e demoníaca”. Atentem para a progressão: “é terrena, animal e demoníaca”. Essa espécie de sabedoria mundana e demoníaca é pessoalmente destrutiva, tanto para nós mesmos como para os outros. Lembro-me de ter conhecido um cientista alemão que se divorciou da esposa e ansiava visitar o filho pequeno. Ele nos disse que, no início da carreira, só conseguia pensar na sua pesquisa e investiu a melhor parte da sua energia e tempo na busca da própria carreira. Isso levou à destruição do seu casamento e à perda da família. “Fui um tolo!”, disse-nos ele.

De maneira geral, precisamos convocar todos os acadêmicos cristãos à mesma santidade de vida à qual são chamados os discípulos de Cristo. É de vital importância que os ajudemos a ver que, como representantes públicos de Cristo, cada um precisa ser alguém que busca constantemente estar de joelhos gastando tempo com Deus, que depende sempre do enchimento do Espírito Santo para viver uma vida agradável e aceitável a Deus, que partilha ousada e desavergonhadamente sua fé em Cristo com seus colegas de docência e alunos.

É triste, mas verdadeiro, que muitos docentes cristãos jamais partilharam a sua fé em Cristo no ambiente universitário. Precisamos treiná-los em como partilhar o Evangelho com outra pessoa, em como levar tal pessoal ao conhecimento salvador de Cristo e em como discipulá-la na vida cristã.

Que Deus nos ajude a procurar influenciar a universidade para Cristo com toda a repercussão que isso possa trazer à sociedade americana!

  • [1]

    Alvin Plantinga, “The Twin Pillars of Christian Scholarship”, Grand Rapids: Calvin College and Seminary, 1990.

  • [2]

    Paul Benacerraf, “What Mathematical Truth Could Not Be--I”, in Benacerraf and His Critics, org. Adam Morton e Stephen P. Stich (Oxford: Blackwell, 1996), p. 18.

  • [3]

    A. J. Ayer, Language, Truth, and Logic (Nova Iorque: Dover Publications, 1952), Chapter VI: “Critique of Ethics and Theology [publicado em português com o título Linguagem, verdade e lógica. Lisboa: Editorial Presença, 1951].

  • [4]

    Bas van Frassen, in Images of Science, org. P. Churchland e C. Hooker (Chicago: University of Chicago Press, 1985), p. 258.

  • [5]

    “Modernizing the Case for God”, Time (7 de abril de 1980), pp. 65-66.

  • [6]

    Quentin Smith, “The Metaphilosophy of Naturalism”, Philo 4/2 (2001): 3-4.