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#591 De onde vêm os deveres morais?

March 03, 2019
Q

Oi, Dr. Craig.

Gostaria de começar minha pergunta dizendo quanto o senhor e seu trabalho são honrados e apreciados no Reino Unido. Seu trabalho é considerado do mais alto nível por aqueles que vivem do outro lado do Atlântico!

Recentemente, tem ocorrido um alvoroço na internet por causa de uma nova série de vídeos sobre moralidade (na qual o apresentador frequentemente cita seu argumento moral) pelo YouTuber ateu “cosmic sceptic” [cético cósmico]. Só estou trazendo isto à sua atenção por causa do número de seguidores que ele tem, especialmente aqui no Reino Unido, mas também nos Estados Unidos. Seu primeiro vídeo foi o mais controverso. Nele, alegou que, mesmo que Deus existisse, ainda assim, seria impossível inferir deveres morais objetivos. Depois de muitas divagações, ele. enfim, reduz seus questionamentos a uma pergunta, que parece ser o cerne do argumento: “Por que devemos fazer o que é bom?”. Admito que a pergunta me deixou balançado. “Claro que devemos fazer o que é bom”, pensei comigo mesmo. “Não haveria nenhum dever se não houvesse bem; dever simplesmente se define assim!” Logo, porém, percebi que estaria cometendo petição de princípio. Será que eu não preciso de alguma razão externa além da definição de dever segundo a qual devo fazer aquilo que é bom? Caso esta se torne uma pergunta ou slogan popular usado pelos céticos contra os teístas, como poderemos responder ao questionamento? Sua ajuda não passará despercebida, Dr. Craig.

Amos

Reino Unido

United Kingdom

Dr. Craig responde


A

Não vi a crítica de Cosmic Sceptic, Amos, mas, se sua representação dele é precisa, o coitado sequer começou a entender a visão que critica. Porém, como você diz que a crítica é influente, vale a pena gastar tempo corrigindo o equívoco.

Parece que ele está disposto a conceder que o teísta pode plausivelmente fundamentar, ao menos, valores morais em Deus. Como o máximo ser concebível, Deus é o paradigma da bondade, e as coisas são boas na medida em que se assemelham a Deus. Até aí, tudo bem (com o perdão pelo trocadilho!). No entanto, pergunta ele, “Por que devemos fazer o que é bom?” Trata-se de uma pergunta sobre a base dos deveres morais (nossas obrigações e proibições). Bem, por que você acha que a teoria ética do mandamento divino é chamada “teoria do mandamento divino”? Exatamente porque fundamenta nossos deveres morais nos mandamentos divinos! A genialidade desta teoria é prover um fundamento plausível não apenas para valores morais, mas também para deveres morais. Obrigações surgem como resultado de imperativos dados por autoridade competente (pergunta # 165). Sendo o Bem em si, Deus é sumamente competente para nos dar mandamentos morais, constituindo, assim, nossos deveres morais.

Portanto, você está certo de que “não haveria nenhum dever se não houvesse bem”. Seria niilismo moral. Porém, daí não segue que nada mais é necessário para os deveres morais além do Bem. A questão de Cosmic Sceptic destaca um dos pontos mais fracos do platonismo moral ateísta, que propõe um Bem objetivo — até aí, tudo bem —, mas carece de qualquer base para deveres morais objetivos, porque o Bem é objeto abstrato impessoal. Segundo o platonismo moral ateísta, vícios morais são tão reais e objetivos quanto valores morais, não havendo nada que nos obrigue a alinhar nossas vidas com um conjunto dessas entidades abstratas, em vez de outro. Assim, o desafio para o ateu é enorme: ele precisa explicar a objetividade não apenas dos valores morais, mas também dos deveres morais. Mesmo que postule um Bem platônico, não tem nenhuma resposta adequada para a pergunta de por que devemos fazer o que é bom. Em contraste, segundo o teísmo, devemos fazer o que é bom porque o Bem em si nos ordenou a fazê-lo.

Resta, então, a seguinte pergunta: a teoria ética da ordem divina é plausível? Aqui quero recomendar meu debate recente com Erik Wielenberg sobre “God and Morality: What Is the Best Account of Objective Moral Values and Duties?” [Deus e moralidade: qual é a melhor explicação para deveres e valores morais objetivos?]. Neste debate, Wielenberg concorda que os mandamentos divinos podem ser fonte de deveres morais objetivos (de fato, opondo Cosmic Sceptic), mas propõe três objeções à teoria do mandamento divino: (1) a teoria arbitrariamente destaca os mandamentos divinos como a única fonte possível de obrigação moral; (2) a teoria implica que descrentes não têm obrigações morais, uma vez que muitas pessoas não sabem dos mandamentos e autoridade divinos; e (3) a teoria torna inexplicáveis atos moralmente errados, uma vez que Deus inexplicavelmente ordena às pessoas fazerem o que ele sabe que não farão. São objeções mais substanciais do que as de Cosmic Sceptic, que se baseiam apenas em equívocos. Assista ao debate para ver como lido com tais objeções.

- William Lane Craig