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#395 Deus das Lacunas

June 13, 2015
Q

Caro Dr. Craig,

Obrigado, muito obrigado pelo seu site. Para começar, eu pensei em partilhar o quanto você impactou minha vida, e os caminhos "aleatórios" (aspas intencionais) que me levaram até você. Eventualmente, espero que você responda a minha pergunta, o qual é muito importante para mim. Você pode se sentir livre para compartilhar ou não compartilhar esta história como parte da pergunta, mas eu acho que a pergunta funciona bem sozinha.

Cerca de um ano atrás, eu teria me chamado de crente, mas intelectualmente era um agnóstico. Eu fui a uma das melhores escolas na década de 90 e foi ensinado que a ciência e a religião deveriam ser mantidas separadas, e que os livros da Bíblia foram escritos todos séculos após o fato, por não-testemunhas. Eu "acreditava", mas se pressionado, eu admitiria que era, provavelmente, uma questão de educação e Aposta de Pascal que me manteve na área.

Eu estava tendo uma conversa com um amigo crente, e mencionei que o Novo Testamento era documento do terceiro século. Ele corrigiu-me, e me disse que eu deveria ler o livro de Bauckham sobre o assunto. Eu disse "seja o que for", assim o fiz, e achei persuasivo.

Agora, a cronologia do que se segue é importante. Era Natal, e eu pedi que a minha mãe me desse alguns livros da minha lista de desejos da Amazon. Ela enviou-os para mim mais cedo porque meus pais estavam viajando, e pediram que eu só colocasse a caixa na minha prateleira e abrisse quando meus pais chegassem para o Ano Novo.

Assim, a caixa estava colocada, fechada, na minha prateleira. Nesse meio tempo, eu disse ao meu amigo o quanto eu gostei do livro de Bauckham. Ele me disse que se eu *realmente* quisesse entrar na história, eu deveria ler “The Resurrection of the Son of God” [A Ressurreição do Filho de Deus] de N.T. Wright. Então, eu coloquei na minha lista de desejos. Isto foi enquanto a caixa estava na minha prateleira.

Nesse ponto, eu tenho certeza de que você vê aonde isso está indo. Eu abri a caixa quando meus pais chegaram e, entre uma série de livros sobre política e história, o livro de Wright estava lá dentro. Meus pais não são acadêmicos ou leitores ávidos na literatura cristã, de modo que não teriam conhecido esse livro para comprá-lo para mim. Eu ainda não tinha ouvido falar do livro quando a caixa chegou em nossa casa. É absolutamente inexplicável por meios "normais".

Em todo o caso, pense nas escamas caindo dos meus olhos! O livro foi incrível. O livro de Wright levou ao livro sobre o debate dele com Crosson, o qual levou ao livro sobre o seu debate com Crosson, o que levou a seus outros debates e podcasts. Como uma ávido debatedor de escola, eu adorava assistir seus debates, e fiquei impressionado com a solidez de seus argumentos. Mais ao ponto, eu ficava impressionado com a total incapacidade de seus adversários para refutá-los.

Eu agora não sou agnóstico em qualquer sentido da palavra, e amo a base racional para a minha fé. Poucos dias atrás, eu estava colocando meu filho na cama, e ele me fez uma pergunta a respeito de Deus. Enquanto antes eu teria me esquivado da pergunta, eu respondi que sim, esta era parte do plano de Deus porque Ele nos ama. Ao fazer isso, eu estava cheio de um sentimento bom e de euforia que eu nunca tinha sentido antes. Eu percebi que, possivelmente pela primeira vez na minha vida, eu estava cheio do Espírito Santo. Que incrível! Muito obrigado por me ajudar nessa estrada. Tem sido fascinante. Plantinga é o próximo na minha lista de leitura!

Agora, a minha pergunta. Ao assistir seus debates, me deparei com o seu debate com Sean Carroll. Que excelente desempenho de ambos. Eu acho que pode ser o melhor debate disponível em seu site. Mas Carroll levantou um ponto de passagem que me incomoda, e eu me pergunto se você não poderia dessecá-lo mais para mim. É: Como que o argumento teleológico e o argumento cosmológico não são Deus das lacunas? Parece que o argumento realmente é "não sabemos como esse ajuste fino poderia ocorrer sem Deus, por isso, deve ser Deus." Ou, "nós não sabemos como algo veio do nada, por isso deve ser Deus." Eu admito, ao pensar sobre isso, porque o ateu não pode simplesmente se basear em "ainda". Isto parece um grego antigo dizendo "nós não sabemos como raios existem, por isso deve ser Zeus." A resposta correta, naquele tempo,seria simplesmente a aderência de um "ainda" depois de "nós não sabemos como raios existem". Tenho certeza de que está faltando algo, mas eu acho isso preocupante do ponto de vista intelectual.

Sean

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Obrigado por compartilhar esta história inspiradora da sua jornada para a fé, Sean! Eu, também, achei o trabalho de Richard Bauckham bastante útil, especialmente o seu "Deus crucificado", em Jesus and the God of Israel [Jesus e o Deus de Israel] (Grand Rapids, Mich.: William B. Eerdmans, 2008), que eu recomendaria para nossos leitores. Quanto NT Wright A Ressurreição do Filho de Deus (Minneapolis: Fortress Press, 2003), é o melhor desenvolvimento da terceira linha de evidência para a ressurreição de Jesus que eu incluo junto com o túmulo vazio e as aparições post-mortem [pós-morte] de Jesus , ou seja, a origem da crença dos discípulos na ressurreição de Jesus, sem a qual o movimento cristão não teria começado. O que é mais surpreendente sobre o enorme livro de Wright, do meu ponto de vista, é o quanto não é dito. Ele desenvolve plenamente esta terceira linha de evidências, mas diz muito pouco sobre as outras duas linhas independentes de evidência para a ressurreição de Jesus, para que um caso completo seja ainda mais atraente.

Deixe-me dizer também que estou impressionado que o seu amigo e pais encaminharam você para o trabalho de eruditos cristãos sobre estes assuntos, em vez de tratamentos ou obras em nível popular. É um fato triste que não somente a maioria dos incrédulos, mas até mesmo a maioria dos cristãos, estão em grande parte alheios ao corpo de trabalho de eruditos cristãos em tais assuntos. É claro que nem todo mundo está pronto para dar um salto profundo, como você fez, mas é importante que as pessoas eventualmente migrem para ler esse tipo de trabalho. Quão maravilhoso, também, que você tem lucrado com os notáveis Fóruns Greer-Heard, que têm mostrado o intercâmbio entre eruditos como Wright e Crossan ou Carroll e eu! Estou tão feliz que o trabalho de Plantinga é o próximo na sua lista e gostaria de recomendar a você o Warranted Christian Belief [Crença Crista Garantida] (Oxford: Oxford University Press, 2000), que eu acho que você vai achar não só intelectualmente estimulante, mas também espiritualmente edificante.

Quanto à sua pergunta, é preciso primeiro perguntar, o que é um argumento Deus-das-lacunas? É bom que não seja apenas qualquer argumento que infira a existência de Deus como a melhor explicação de algum fenômeno. Pois isso seria simplesmente descartar as explicações sobrenaturais antecipadamente, o que incorre em petição de princípio em favor do naturalismo. Para ser censurável, um argumento Deus-das-lacunas tem que ser uma inferência sem princípios ou gratuita a Deus: "Nós não temos nenhuma explicação científica de X; portanto, Deus fez isso!"Sua ilustração de um grego antigo dizendo, "nós não sabemos como rais existem, por isso deve ser Zeus"é uma boa ilustração de pensamento Deus-das-lacunas.

É bastante fácil, então, ver que o argumento cosmológico kalam não é um argumento Deus-das-lacunas. Pois a evidência científica não é codificada para provar a proposição Deus existe mas para apoiar a segunda premissa que o universo começou a existir. Lembre-se o que eu disse no meu discurso de abertura:

Isto não é para fazer algum tipo de reivindicação ingênua de que a cosmologia contemporânea prova a existência de Deus. Não há raciocínio Deus-das-lacunas aqui. Antes, eu estou dizendo que a cosmologia contemporânea fornece evidências significativas de apoio a premissas em argumentos filosóficos para conclusões com significado teológico.

Por exemplo, a premissa fundamental no argumento cosmológico kalam:

2. O universo começou a existir.

é uma declaração religiosamente neutra que pode ser encontrada em praticamente qualquer livro contemporâneo sobre astronomia e astrofísica. Obviamente, é suscetível a confirmação ou desconfirmação científica com base em evidências. Então, para repetir, não se está empregando as evidências da cosmologia contemporânea para provar a proposição que Deus existe, mas para apoiar premissas teologicamente neutras em argumentos filosóficos para conclusões que tenham significado teísta.

Como o argumento é atraente para a evidência científica provar, não a existência de Deus, mas o começo do universo, ele não pode ser acusado de raciocínio Deus-das-lacunas. Considero este ponto decisivo.

Com relação à primeira premissa do argumento, eu tenho certeza que você consegue ver que eu de modo algum argumento: "Nós não sabemos como algo veio do nada, por isso deve ser Deus." Em vez disso, eu apresento argumentos metafísicos e confirmação científica para a proposição de que se alguma coisa (por exemplo, o universo) começa a existir, deve haver uma causa que trouxe essa coisa à existência. Deus nem sequer entra em cena nesta defesa da premissa causal do argumento cosmológico kalam.

O argumento implica dedutivamente que há uma causa transcendente do universo. Até mesmo neste momento, não se infere que essa causa seja Deus. É apenas depois de se ter feito uma análise conceitual do que é ser uma causa transcendente do universo que se é capaz de deduzir logicamente várias propriedades marcantes desta causa: que não tem começo, não é causada, imutável, imaterial, atemporal, sem espaço, extremamente poderosa, e pessoal. Até mesmo neste momento, me conformo em dizer que o argumento mostra, não que Deus existe, mas que um Criador pessoal do universo existe.

Portanto, não é bom arremessar epítetos vazios de "Deus-das-lacunas" neste argumento. O crítico tem de disputar pelo menos uma das premissas.

Na verdade, eu estou inclinado a virar o jogo neste momento e acusar o crítico de manter um naturalismo-das-lacunas. É ele quem resiste à evidência científica para a declaração religiosamente neutra de que o universo começou a existir. Por que ele se recusa a seguir a evidência onde ela leva? Por causa da conclusão sobrenatural implícita no argumento cosmológico kalam. Sua fé naturalista o impede de seguir onde a evidência científica aponta. Ele espera, contra toda a esperança, que a evidência científica será abalada e irá restaurar a eternidade do universo.

O que é irônico é que as perspectivas para tal reversão científica está ficando cada vez mais fraca. Numa recente entrevista George Ellis, um dos cosmologistas mais proeminentes do mundo, explica que estamos nos limites físicos do nosso conhecimento. [1] Nunca seremos capazes de construir aceleradores subatômicos maiores do que a superfície da Terra ou treinar nossos telescópios para ir mais para o passado por causa dos horizontes de eventos. Se Ellis estiver correto, então a fé encarnada no naturalismo-das-lacunas é uma esperança vã.

Agora o argumento da sintonia fina [ajuste fino] infere, com base em evidências científicas, um Designer do cosmos. Considerando que o argumento cosmológico kalam inferiu a partir da evidência científica apenas que o universo começou a existir, no caso do argumento da sintonia fina temos uma inferência a partir da evidência diretamente a uma conclusão teologicamente significativa. Mas essa inferência não é sem princípios ou gratuita. Como eu explico na segunda nota de rodapé ao meu discurso de abertura no debate,

a premissa fundamental no argumento teleológico baseado na sintonia fina do universo que

2. a sintonia fina [ajuste fino] não é devida à necessidade física ou acaso.

é logicamente equivalente a uma conjunção, ambas as conjunções têm sido discutidas por cientistas em bases teologicamente neutras. Como afirmado, (2) é uma disjunção, mas a sua forma lógica é equivalente a (¬p & ¬q).

A premissa (2) é uma declaração teologicamente neutra que é verdadeira se a sintonia fina ou ajuste fino não for devido à necessidade física e a sintonia fina não for devida ao acaso. Richard Dawkins, que não é amigo do teísmo, argumentou contra a necessidade física por motivos puramente científicos e Roger Penrose, um agnóstico, tem de forma semelhante argumentado contra o acaso numa base puramente científica.

Assim, o argumento para o design como a melhor explicação é um argumento de princípios com base na eliminação das duas alternativas concorrentes de necessidade física e acaso.

Além disso, como os críticos do Design Inteligente têm sido rápidos em apontar, o argumento não prova a existência de Deus, mas apenas a existência de um Designer Cósmico. Como o argumento não diz nada sobre as propriedades morais do Designer, não pode ser dito que prova a existência de Deus num sentido teologicamente completo. O teísta irá argumentar plausivelmente que a probabilidade da existência de Deus é consideravelmente maior se um Designer do cosmos existe, mas o argumento em si não é uma inferência Deus-das-lacunas.

Então, eu confio em você pode ver que é um desserviço ao argumento da sintonia fina retratá-lo como o argumento simplista "não sabemos como essa sintonia fina poderia ocorrer sem Deus, por isso, deve ser Deus." Pelo contrário, o argumento é que o design é uma explicação melhor do que as outras duas alternativas. É claro que, pela própria natureza dos argumentos com base em evidências científicas são sempre provisórios e abertos à revisão. Isso é simplesmente a natureza da ciência. Mas nós temos boas razões para concordar com Dawkins e Penrose que a necessidade física e acaso não são boas explicações. Portanto, a menos e até que o design seja mostrado ser ainda mais implausível do que essas alternativas, continua a ser a explicação preferida.

- William Lane Craig