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#631 Diferentes tipos de possibilidades

July 30, 2019
Q

Caro Dr. Craig, obrigado por seu ministério, que tem me abençoado tremendamente.

Ao investigar a coerência do molinismo, topei com um problema que não parece ter solução. Poderia me ajudar a explicar o seguinte silogismo?

1. Uma escolha pode ser livre somente se for verdade que é possível a uma pessoa X escolher A ou não-A na circunstância B.

2. Se é possível a uma pessoa X escolher A ou não-A na circunstância B, deve ser verdade que a pessoa X talvez não escolha A e talvez não escolha não-A na circunstância B.

3. Se for verdade que a pessoa X talvez não escolha A ou não-A na circunstância B (o que é exigido pelo livre-arbítrio), não é possível também ser verdade que a pessoa X certamente escolheria A ou não-A na circunstância B (o que é exigido pelo conhecimento médio).

4. As duas afirmações contraditórias devem ser verdadeiras no molinismo, que defende livre-arbítrio e conhecimento médio.

5. Logo, o molinismo não pode ser verdade.

Em outras palavras, parece um disparate dizer que é verdade que a pessoa X TALVEZ NÃO escolha A na circunstância B (o que é exigido pelo livre-arbítrio) E também dizer que é verdade que a pessoa X ESCOLHERIA A na circunstância B (o que é exigido pelo conhecimento médio). Por exemplo, as duas afirmações seguintes não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo: (1) eu talvez não beije minha esposa se ela estiver vestida de vermelho amanhã E (2) eu certamente beijaria minha esposa se ela estiver vestida de vermelho amanhã; todavia, as duas têm de ser verdadeiras para que o molinismo seja verdadeiro. Agradeço novamente por seu ministério e serviço à fé!

Deus abençoe,

Rosser

United States

Dr. Craig responde


A

Embora eu pense que (1) é falso — a liberdade libertária exige apenas que o agente não seja causalmente determinado a fazer o que escolhe —, a falha central do argumento está em (2).

Para entender o porquê, considere a semântica convencional para o discurso hipotético (ver o capítulo 2 de Filosofia e cosmovisão cristã). Imagine que o mundo real seja como o sol em nosso sistema solar e que diferentes mundos possíveis sejam como planetas dispostos em esferas concêntricas ao redor do sol. Os mundos mais parecidos com o mundo real ocupam a esfera mais interna e, à medida que alguém se move para o lado externo, os mundos em cada esfera se tornam cada vez menos parecidos com o mundo real.

Pois bem, se uma hipótese do tipo: “se fosse rico, compraria um carro novo” é verdadeira em todos os mundos mais parecidos com o mundo real, sendo verdadeira a oração antecedente (i.e., “sou rico”), a oração consequente (i.e., “compro um carro”) também é verdadeira.

Se, em alguns mundos mais parecidos com o mundo real, sendo verdadeira a oração antecedente, a oração consequente também é verdadeira, uma hipótese do tipo “se for rico, talvez compre um carro” é verdadeira. De imediato, fica claro que as hipóteses do primeiro tipo implicam logicamente as respectivas hipóteses do segundo tipo. Pois, se em todos mundos propícios ao antecedente eu compro um carro novo, obviamente em alguns mundos propícios ao antecedente eu compro um carro novo. Assim, se é verdade que compraria um carro novo, também é verdade que talvez compre um carro novo. Tal semântica tem a estranha implicação de que, se comprasse um carro novo, é talvez que talvez não compre um carro novo. Pois, se em cada mundo propício ao antecedente que seja mais parecido com o mundo real eu compro um carro novo, não há nenhum mundo propício ao antecedente naquela esfera em que eu não venha a comprar um carro novo. Porém, para que seja verdadeira a hipótese: “se for rico, talvez não compre um carro novo”, deve haver um mundo propício ao antecedente naquela esfera em que o consequente é falso.

Se, em alguns mundos propícios ao antecedente, o consequente é verdadeiro e, em alguns, é falso, é verdade que “talvez compre ou talvez não compre um carro novo”. Assim, na lógica hipotética, “se for o caso de p, talvez não seja o caso de q” contradiz “se fosse o caso de p, seria o caso de q”.

Se, em todos os mundos mais parecidos e propícios ao antecedente, eu compro um carro novo, a implicação é que é impossível que eu compre um carro novo? De forma alguma! Em esferas de mundos menos parecidos com o mundo real do que aquela que estamos considerando, pode haver muitos mundos propícios ao antecedente em que compro um carro. Assim, nas circunstâncias contempladas, eu poderia comprar um carro novo, mesmo que seja falso que eu talvez não compre um carro novo. O motivo para a estranheza é que, na linguagem comum, conforme revela seu argumento, costumamos entender “poderia” como sinônimo de “talvez”. Por ser verdade que eu poderia ou não comprar um carro novo, pensamos que talvez compremos ou não um carro novo. Isto está incorreto. Potencialidade não implica possibilidade. É preciso ter em mente aqui que a semântica da lógica hipotética é semântica artificial e técnica onde “talvez” não possui seu sentido consoante a linguagem comum.

Portanto, você está certo que “parece um disparate dizer que é verdade que a pessoa X TALVEZ NÃO escolha A na circunstância B ... E também dizer que é verdade que a pessoa X ESCOLHERIA A na circunstância B”. Você está errado, no entanto, ao pensar que a liberdade de X implica que talvez não escolha A em B. Não há problema em dizer que, embora X escolhesse A em B, poderia, porém, livremente escolher não-A em B. Ainda bem que o molinismo não exige que, se sua esposa se vestir de vermelho amanhã, você tanto a beijaria quanto talvez não a beijasse!

- William Lane Craig