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#637 O que são as leis da natureza?

July 31, 2019
Q

Escrevo com uma pergunta sobre a natureza das leis da física. Ouvi recentemente que as leis da natureza não são “coisas”. A afirmação, feita por um teísta, era que a visão humeana das leis da natureza era a mais plausível. Pois bem, concordo com ele no sentido de que elas não são “leis” em si. São mais regularidades ou descrições do que normalmente aconteceria em circunstâncias ideais. Minha dificuldade é que parece incomum dizer que as leis da natureza não são “coisas”. Seria o mesmo que dizer que elas não remetem a nada?

Pruss discutiu o assunto e apresentou um argumento interessante, que faz sentido, dizendo: “se p é proposição puramente categórica que é uma lei da natureza, podemos perguntar não somente qual seja o verofactor de p, mas também qual seja o verofactor da proposição posterior de que p é uma lei da natureza. Tal verofactor deve ser algum aspecto da realidade. Deve, portanto, existir...”. Ele continua argumentando que as leis da natureza são formas aristotélicas. No entanto, tampouco tenho tanta certeza disto. Ficarei muito grato com sua perspectiva abalizada sobre o assunto. Obrigado!

P.S.: por favor, venha logo a Vancouver!

Alex

Canada

Dr. Craig responde


A

Não acredito que você tenha feito esta pergunta, Alex! Acabei de voltar de uma conferência sobre a ação divina na Escola de Teologia Evangélica da Trindade [TEDS] semana passada, onde meu amigo e colega Paul Gould e eu fomos incumbidos de responder a uma apresentação do filósofo da ciência Koperski intitulada “The Nature of the Laws of Nature” [A natureza das leis da natureza]. Sua pergunta me dá a oportunidade de compartilhar um pouco do que falei naquela ocasião.

A questão central da apresentação de Jeff, à qual, segundo ele diz, todos os lados do debate acerca da natureza das leis da natureza tentam responder, é a seguinte: “O que explica, em última instância, mudanças de estado que ocorrem dentro de sistemas consoantes a regularidades fixas?”. Além da abordagem de Hume, que reduz as leis naturais a meras regularidades entre eventos ou a declarações sobre tais eventos, Koperski diz que os não-humeanos historicamente favorecem uma destas duas respostas: a primeira é que as potências/capacidades causais das entidades físicas lhes possibilitam fazer tal e qual coisa e, assim, explicam a mudança regular. A segunda resposta apela para as próprias leis. Elas são o que assegura que um sistema progredirá de um estado para o próximo de maneira previsível. Jeff diz que as duas respostas partilham de uma mesma intuição: “Deve haver algo que move sistemas de um estado para o próximo de formas regulares — se não potências causais, então leis”.

A segunda resposta me parece confusa. Leis naturais (conforme o discerne Pruss) são verdadeiras ou falsas. Quer expressas como equações matemáticas ou enunciados em prosa, em ambos os casos, mesmo que confiramos um status ontológico às leis naturais, elas não são o tipo de coisa que pode ter efeito sobre os estados físicos das coisas. Quer sejam apenas equações matemáticas ou proposições expressas por enunciados em prosa, as leis naturais são entidades abstratas. Porém, entidades abstratas são causalmente estéreis; elas não produzem nenhum efeito sobre nada. Isto é parte do que significa dizer que algo é abstrato. Não pode entrar em contato com objetos físicos e não são agentes dotados de potências causais. Assim, a lei natural não pode cumprir o ofício de causação eficiente que move um sistema de um estado para outro. As leis, se verdadeiras, podem descrever com precisão tal transição ou propiciar-nos prever a transição, mas não podem explicá-la.

Pessoalmente, enquanto anti-platonista, rejeitando a existência de objetos abstratos, não penso que as leis naturais existam em sentido metafisicamente pesado. Quando falamos das leis da natureza, trata-se apenas de um modo de dizer para discutir como opera o mundo físico. Se tivéssemos que levantar um inventário ontológico de todas as coisas que existem, não quer dizer que deveríamos incluir em nossa lista, além de Deus e das coisas no mundo físico, as leis da natureza. Elas, ao que me parece, são simplesmente codificações da maneira como funciona o mundo.

Pois então, isso me dá certa afinidade e simpatia diante do humeano, na medida em que ele também não atribui nenhum status ontológico às leis naturais. Porém, considerar as leis da natureza como meras regularidades não dá conta de responder à nossa questão do porquê das leis da natureza descreverem contingentemente nosso mundo. Diversos universos operantes segundo diferentes leis da natureza poderiam ter sido reais. Assim, por que o universo é regido por estas leis? A razão por que filósofos talvez apelem a potências causais é que as leis da natureza aplicam-se contingentemente ao mundo físico. Uma explicação que esclareça por que acontecem as leis da natureza tem maior profundidade explanatória do que aquela que diga: “é assim porque é assim”. Esta última resposta pode bastar para o cientista que está investigando o universo que existe; contudo, estamos indagando a respeito de um filósofo que traz à tona perguntas mais profundas sobre o porquê do mundo examinado pelo cientista natural operar segundo as leis desse modo.

Acho que é isto que Pruss expressa à sua maneira deveras abstrusa ao perguntar: “qual seja o verofactor da proposição posterior de que p é uma lei da natureza”.

A meu ver, o que explica por que certas leis são verdadeiras, e não outras, são as potências causais que as coisas físicas possuem. Portanto, acho que a primeira resposta é melhor. Ora, enquanto teísta, prefiro uma versão teísta da primeira resposta: Deus criou diversas entidades com diferentes potências causais. Mas cuidado: não quer dizer que potências causais sejam objetos metafisicamente pesos-pesados, exemplificados em coisas físicas. Trata-se apenas de dizer que Deus cria entidades físicas que podem fazer coisas diferentes. É esta a diferença entre minha resposta que prefiro e a resposta mais metafísica de Pruss, que apela a entidades misteriosas como as formas aristotélicas imanentes às coisas.

A questão mais profunda aqui é meta-ontológica: o que determina os compromissos ontológicos de alguém? Desde W. V. O. Quine, uma resposta muito popular é que somos comprometidos ontologicamente a coisas às quais nos referimos e as quais dizemos existir em enunciados que consideramos verdadeiros. O enfoque do meu trabalho sobre Deus e objetos abstratos, como God over All, é que o critério neo-quineano de compromisso ontológico está desastrosamente errado (ou, dito de forma mais modesta, não há motivo para pressupor que é verdadeiro). Assim, se eu digo algo como “coisas físicas têm diferentes potências/capacidades causais”, não estou me comprometendo com raros objetos como potências ou capacidades que, de algum modo, são imanentes às coisas. Toda discussão sobre potências, capacidades e disposições é, como a discussão sobre as leis naturais, um modo de dizer metafisicamente leve. Está a uma visão que deve atrair seu amigo teísta.

- William Lane Craig