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Criação e Evolução (Parte 2)

August 05, 2022

Da última vez, iniciamos uma nova seção da Doutrina da Criação tratando da criação da vida e da complexidade biológica. Começamos a olhar o principal texto nas Escrituras a este respeito: Gênesis 1. Sugeri que, antes de analisar as diversas interpretações alternativas de Gênesis 1, precisamos ter em mente alguns princípios hermenêuticos importantíssimos, para não perdermos o rumo. Um deles era que sempre precisamos interpretar determinada peça literária de acordo com o gênero literário ao qual ela pertence. Do contrário, seremos levados a mal-entendidos e a interpretações errôneas, caso a interpretemos de acordo com padrões pertinentes a outro gênero. Em segundo lugar, sugeri que precisamos buscar entender o texto original do modo em que o autor pretendeu que fosse entendido. Tentamos nos colocar dentro do horizonte do autor e do horizonte de seu público original, e indagamos: “Como o autor original e o seu público entenderiam este texto?”, em vez de forçar a leitura da ciência moderna para dentro do texto, interpretando-o de formas que seriam deveras estranhas ao autor original e seu público.

Interpretação literal

Há muitas diferentes interpretações do capítulo inicial de Gênesis. A primeira de que queremos falar é a Interpretação Literal. A interpretação mais direta de Gênesis 1 é o que pode ser chamado de Interpretação Literal. Às vezes, é chamada de interpretação do dia de 24 horas. Por exemplo, o meu orientador de doutorado, Wolfhart Pannenberg, gostava de citar o estudioso alemão de Antigo Testamento Gerhard von Rad, segundo o qual o relato que encontramos em Gênesis 1 pretendia ser relato científico — por mais primitivo que fosse. No entanto, pretendia dar uma explicação científica da origem do mundo e da vida a partir da ciência do mundo antigo. Assim, por exemplo, von Rad escreve:

Este relato da criação é, com toda certeza, completamente limitado ao conhecimento cosmológico do seu tempo. Porém, é algo ruim ao expositor cristão desconsiderar tal conhecimento como obsoleto, como se o teólogo tivesse apenas de lidar com a fé expressa em Gênesis 1, e não com sua visão da natureza. Isto porque, sem dúvida alguma, a história da criação no Documento Sacerdotal [isto é, em Gênesis 1] busca transmitir conhecimento, não simplesmente teológico, mas também científico. Ela é caracterizada pelo fato, difícil à nossa compreensão, de que, no caso, o conhecimento teológico e o científico estão de acordo, sem nenhuma tensão entre si. Os dois conjuntos de afirmações não são apenas paralelos, mas entrelaçados de tal modo que não se pode, de fato, dizer de nenhuma parte de Gênesis 1 que uma afirmação específica é puramente científica (e, portanto, sem importância para nós), enquanto a outra é puramente teológica. Nas ideias científicas do tempo, a teologia encontra um instrumento que lhe cabia perfeitamente e que podia utilizar para o desdobramento apropriado de determinados assuntos — no caso, a doutrina da criação.[[1]]

Isto é extraído de Old Testament Theology [Teologia do Antigo Testamento], de von Rad (volume 1, página 148).

Pannenberg pensa que esta ciência primitiva refletida em Gênesis 1 foi, obviamente, suplantada pela ciência moderna. Assim, ela precisa ser corrigida. Porém, ele encontra motivação na abordagem do autor bíblica à teologia, na busca por integrar a teologia com uma visão científica do mundo.[[2]] Talvez não estejamos mais comprometidos com a ciência primitiva e ultrapassada do autor, conforme estava em voga, mas Pannenberg pensa que devamos, ainda assim, seguir o exemplo do autor na busca pela integração da teologia com a ciência em voga, de modo que ciência e teologia se tornem parceiros num diálogo rumo à verdade.

Do mesmo modo, o chamado criacionismo da terra jovem entende o propósito de Gênesis como comunicação de informação científica sobre a criação. Os criacionistas da terra jovem concordam, em essência, com a visão de von Rad a este respeito. Porém, a diferença entre o criacionismo da terra jovem e von Rad e Pannenberg é que o primeiro toma o relato como preciso, e não obsoleto. Deus criou o mundo em seis dias consecutivos de 24 horas, cerca de dez a vinte mil anos atrás. Esta interpretação entende o texto prima facie — ou seja, ao pé da letra. Entendem o texto literalmente naquilo que diz, ou, ao menos, até onde podem. Até mesmo os criacionistas da terra jovem não são totalmente literalistas. Por exemplo, alguns aspectos da narrativa não são entendidos literalmente, tal como a criação do sol no quarto dia, em Gênesis 1. É muito comum que os criacionistas da terra jovem não adotem a visão de que havia vida vegetal e vida na terra antes de Deus criar o sol; pelo contrário, a criação do sol no quarto dia é interpretada como se pretendesse dizer que o sol apareceu naquele dia — que ele saiu de trás de uma espessa cobertura de nuvens que envolvia a terra.

Assim, a questão é se o texto diante de nós é do tipo em que o autor pretende que o leitor o entenda literalmente. Para mim, é interessante que von Rad não dê nenhuma prova para isto. Ele simplesmente o assevera. Ele apenas diz que a intenção é ser um relato que representa ciência primitiva integrada com teologia. Porém, ele não nos oferece nenhuma prova para pensar assim.

Obviamente, a intenção de Gênesis 1—3 era ser histórico, em algum nível. Por exemplo, Adão e Eva são apresentados como o primeiro casal humano — as origens da raça humana. São tratados como pessoas reais, relacionadas a outras pessoas em Gênesis, como Abraão e os seus descendentes, por meio de genealogias que ligam Adão e Eva a pessoas indisputavelmente históricas. Assim, fica claro que Adão e Eva não sejam apenas figuras simbólicas nesta narrativa. O autor pensa neles como pessoas históricas reais que têm descendentes que, em algum momento, levaram a Abraão e ao povo de Israel. Além disso, não devemos nos perder nos detalhes, neste caso. Não se esqueça da figura central da passagem de Gênesis 1, a saber: Deus! O próprio Deus! Não se pretende, obviamente, que Deus seja apenas símbolo ou figura simbólica nesta narrativa. Pretende-se que ele seja agente pessoal e real, que criou o mundo e a humanidade e que passa a chamar a nação de Israel para ser seu povo especial. Assim, a figura central dessa narrativa é indivíduo pessoal literal, que é o criador do mundo e o Deus de Israel. Assim, como disse, ao menos em certo nível, esses eventos são tidos como históricos.

Por outro lado, a narrativa de Gênesis tem também, sem dúvida alguma, na minha opinião, a intenção de ser simbólica e metafórica, em alguns aspectos. Por exemplo, o nome “Adão”, em hebraico, significa simplesmente “homem”. No princípio, Deus criou o homem. E “Eva” significa a mãe de todos os viventes.[[3]] Assim, Adão e Eva não são apenas indivíduos históricos, como João e Janete. Ele é o homem e ela é a mãe de todos os seres humanos viventes. Eles representam a humanidade diante de Deus. São simbólicos, na minha opinião, e metafóricos para a humanidade. Na história da criação, conforme ela continua em Gênesis 2, temos descrições de Deus evidentemente metafóricas ou, talvez, antropomórficas. Deus é retratado em termos humanos. Por exemplo, Deus é retratado como se andasse no jardim e procurasse por Adão e Eva. Adão e Eva se escondem de Deus, e Deus os chama, dizendo: “Onde estão vocês?”, ao procurá-los no jardim. Ou, ainda, quando Deus cria o homem, ele diz que ele o forma a partir do pó da terra e sopra nas suas narinas o sopro da vida. Ora, obviamente, isto não pretende dizer que Deus, literalmente, abaixou-se e fez respiração de salvamento em Adão, pelo nariz deste. Antes, empregam-se mecanismos literários e metafóricos para descrever a sua criação da humanidade. De fato, toda a narrativa em Gênesis 1 é peça de literatura hebraica elaborada com cuidado incrível. Ela é realmente singular. Não há nada assim na literatura hebraica alhures. Os estudiosos costumam concordar que não se trata de poesia (não é poema hebraico), nem exatamente de hino (embora pareça ter estrofe e versos). Porém, não é, tampouco, prosa pura e simples. Esse capítulo é um escrito altamente estilizado, construído com certos paralelos que o atravessam por completo. Por exemplo: “E disse Deus” ... “E Deus criou” ... “E assim foi”. Encontra-se tal estrutura repetidas vezes em todo o capítulo. É uma passagem construída com muito cuidado estilístico, exibindo enorme quantidade de polimento literário. Mesmo o número de letras hebraicas no capítulo é escolhido com cuidado. O próprio número dos caracteres é significativo em Gênesis 1.[[4]] Assim, não se trata só de um relatório científico, nem só de um relatório policial, nem só de narrativa histórica do que ocorreu. Pensar assim é ter uma visão deveras ingênua do tipo de literatura que é Gênesis 1.

Assim, a maioria dos exegetas evangélicos atualmente (ou seja, a maioria dos estudiosos evangélicos das Escrituras) dirá que essas narrativas têm a intenção de serem entendidas em algum sentido histórico-figurado. Os eventos históricos subjacentes ocorreram de fato; não obstante, a narrativa é feita com imagens poéticas e discurso figurado que não devem ser forçados a produzir precisão literal.

Se Gênesis 1—3 é uma espécie de gênero de escrita histórico-figurado, isto é, se ele cobre eventos históricos, mas emprega linguagem poética e figurada para descrevê-los, interpretar o texto literalmente seria fazer demandas injustificadas dele. Em específico, na minha opinião, seria forçar que a palavra hebraica yom ou “dia” significasse um período literal de 24 horas. O fato é que yom exibe o mesmo tipo de latitude que o vernáculo “dia” o faz. Pode ser usado para descrever um período de 24 horas, mas também pode ser utilizado mais amplamente. Como quando dizemos: “Nos dias de Lincoln, ainda não havia automóveis”. Obviamente, no caso, não se está fazendo referência a um período de 24 horas. Yom, em hebraico, exibe exatamente a mesma espécie de latitude.[[5]] Igualmente, a própria frase utilizada em Gênesis 1 para o primeiro dia — “yom ehad” ou “dia um” — também é usada alhures na Bíblia em sentido não-literal. Por exemplo, esta expressão é empregada em Zacarias 14.7 para referir-se ao “dia do Senhor”, ou seja, o juízo de Deus sobre Israel, que é usado, obviamente, não para significar apenas um período de 24 horas. Assim, a linguagem de Gênesis 1 não deve ser forçada para indicar dias literais de 24 horas.

Por parte daqueles que o interpretam literalmente, penso que um dos melhores textos probatórios para interpretar yom como literal em Gênesis 1 não está, na verdade, no livro de Gênesis. Está no livro de Êxodo. Se olharmos Êxodo 20.9-11, o autor faz uma reflexão que remonta à narrativa de Gênesis. Ele volta os olhos para essa semana de criação em sete dias e reflete a seu respeito. Em Êxodo 20.9-11, ele diz o seguinte:[[6]]

Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teu animal, nem o estrangeiro que vive contigo. Porque o SENHOR fez em seis dias o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e no sétimo dia descansou. Por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou.[[7]]

 

Aqui, a passagem diz que, em seis dias, o Senhor criou os céus e a terra, o mar e tudo que neles há; assim, defensores da interpretação literal dirão que isto mostra que Gênesis 1 tem a intenção de referir-se a uma semana literal de seis dias consecutivos de 24 horas. Porém, penso que tal interpretação talvez force um pouco a passagem de Êxodo. O que a passagem de Êxodo está abordando claramente é o padrão estabelecido em Gênesis, a saber, o padrão da labuta de Deus por seis dias na criação do mundo e, então, do descanso no sétimo dia. Tal padrão é o mesmo que Israel deveria observar em sua semana literal de trabalho. Israel deveria trabalhar por seis dias literais e, então, descansar no sétimo dia. Isto, porém, não quer dizer que, por ser o padrão o mesmo, os períodos de tempo ou os dias descritos em Gênesis 1 sejam, portanto, exatamente da mesma extensão que os nossos dias comuns do calendário. Veja como o mandamento do sábado se repete em Êxodo 31.12-17 e compare-o com a passagem que acabamos de ler. Diz ele:

O SENHOR disse mais a Moisés: “Falarás aos israelitas: Certamente guardareis os meus sábados, porque isso é um sinal entre mim e vós através de vossas gerações; para que saibais que eu sou o SENHOR que vos santifica. Portanto, guardareis o sábado, porque é santo para vós. Aquele que o profanar certamente será morto; qualquer um que fizer algum trabalho nesse dia será extirpado do meio do seu povo. Durante seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia será o sábado de descanso solene, santo ao SENHOR; quem fizer algum trabalho no dia do sábado certamente será morto”. Os israelitas guardarão o sábado, celebrando-o através de suas gerações como aliança perpétua. Será um sinal entre mim e os israelitas para sempre, porque o SENHOR fez o céu e a terra em seis dias, e no sétimo dia descansou e tomou alento.[[8]]

 

Observe que esta passagem se refere ao sétimo dia como o dia do descanso do sábado por parte de Deus.[[9]] Diz: “no sétimo dia descansou e tomou alento”. Porém, quando se lê Gênesis 1, o sétimo dia, evidentemente, não é um período de 24 horas. Diferente dos outros dias, ele não se desfecha com noite e manhã. Deus ainda está no dia do seu descanso do sábado. Deus ainda está no período de não ser mais ativo na criação de coisas novas. Assim, se o sétimo dia, embora seja referido como dia e seja o modelo para o dia literal do sábado para Israel, não deve ser entendido literalmente como o conhecemos, por que é que os demais dias também devem ser entendidos literalmente como períodos de 24 horas? Parece-me que é mais plausível pensar que o que está sendo enfatizado aqui é o padrão de seis dias de trabalho, seguidos de um dia de descanso, e não há nenhuma intenção de dizer que a extensão dos dias de Deus seja exatamente a mesma dos nossos dias de 24 horas no calendário. Sabemos que isto não se aplica ao sétimo dia em particular.

Às vezes, quem defende a Interpretação Literal de seis dias consecutivos de 24 horas indicará que, quando um número ordinal é usado com a palavra yom, como em “segundo dia”, “terceiro dia” e “quarto dia”, sempre se refere a um dia literal de 24 horas. Quando se usa um número ordinal como “segundo", “terceiro”, “quarto” e “quinto” com yom, sempre se está referindo a um dia literal de 24 horas. No entanto, não penso que se trate de argumento nem um pouco convincente.

Em primeiro lugar, não há nenhuma regra gramatical em hebraico que diga que yom, seguido de um número ordinal, tenha de referir-se a um período de 24 horas. Mesmo que fosse verdade que, em nenhum outro lugar na literatura hebraica a que temos acesso, encontramos yom seguido de um número ordinal que não se refira a um dia de 24 horas, talvez seja apenas um acidente da literatura hebraica que calhou de sobreviver. Não há nenhuma regra gramatical que exija yom, seguido de um número ordinal, para referir-se a um período de 24 horas. Este fato, se verdadeiro, poderia ser apenas um reflexo das fontes relativamente tardias da literatura hebraica antiga que temos hoje, não se constituindo, de fato, nenhum argumento gramatical válido. É apenas um acidente da história e da literatura que temos hoje.

Porém, em segundo lugar, em todo caso, a afirmação é simplesmente falsa. Temos passagens em que yom é empregado com um número ordinal para referir-se a um dia não-literal. Tal passagem seria Oseias 6.2. Diz o versículo: “Depois de dois dias, ele nos revivificará; no terceiro dia nos levantará, e viveremos diante dele”. Aqui, os dias não querem dizer períodos de tempo de 24 horas. Trata-se do juízo de Deus sobre Israel — ele despedaçou a Israel, ele a julgou —, mas, no terceiro dia, ele nos levantará. O terceiro dia é simbólico do dia da libertação, cura e restauração de Israel por parte de Deus, depois de ter sido ferida e despedaçada pelo juízo de Deus. Assim, é simplesmente falso que yom, usado com número ordinal, sempre se refira a um período de tempo de 24 horas. Em Oseias 6.2, é evidente que não esteja se referindo a um período literal de 24 horas.

Em terceiro lugar, penso que a afirmação aqui, por parte da Interpretação Literal, realmente se perde por completo. O argumento é que um dia de 24 horas pode ser usado como metáfora literária para um período de tempo mais extenso ou algo mais.[[10]] Mesmo que yom signifique um dia de 24 horas, isto não começa sequer a tocar na questão de ser um dia de 24 horas empregado de modo metafórico ou não. Permita-me fazer uma analogia a título de esclarecimento. Considere a palavra inglesa “arm” [braço, arma]. Ela tem significados múltiplos. Um significado seria um membro ou extensão ligada ao ombro e terminado na mão. “Arm” teria o sentido de “braço”. Porém, “arm” pode também ser usado para indicar uma arma, como quando alguém faz o porte velado de uma arma ou alguém é descrito como homem armado. No caso, não queremos dizer que ele tenha “arms" [braços] ou que esteja escondendo seu “arm” [braço] por debaixo do paletó. Queremos dizer que ele porta uma arma. São dois significados da palavra inglesa “arm”. Com muita frequência, as Escrituras utilizarão a palavra “arm” em sentido metafórico.[[11]] Dizem algo assim: “The arm of the Lord was with the people of Israel” [O braço do Senhor estava com o povo de Israel]. Obviamente, ao dizer “arm of the Lord” [braço do Senhor], o sentido de “arm” é o de um membro, e não de uma arma. Significa, literalmente, uma extensão do corpo — “o braço do Senhor estava com a nação de Israel”. Assim, emprega-se a palavra “arm” com o significado de membro. Isto, porém, não quer dizer, portanto, que Deus, literalmente, tenha membros, como o pensam os mórmons. Antes, trata-se de metáfora aplicada a Deus. Quando as Escrituras falam de “arm of the Lord” [braço do Senhor], quer dizer algo como o poder do Senhor. “Arm of the Lord” [braço do Senhor] estar com eles significa que Deus está do lado deles — o seu poder estava com eles e ele lutava por eles, fortalecendo-os e dando-lhes força e poder. Assim, se alguém quisesse provar que a palavra “arm” significa, literalmente, “membro”, isto nem sequer tocaria na questão de membro ser usado ou não como metáfora para outra coisa na Bíblia. Igualmente, da mesma maneira, mesmo que yom, na literatura hebraica, sempre tenha o sentido de “dia de 24 horas”, isto nem sequer começa a tocar na questão de o autor usar ou não dias de 24 horas como metáforas ou símbolos para algo além de um dia no calendário.

Assim, não acho que esses argumentos a favor da Interpretação Literal sejam persuasivos.

O que abordei até o momento é o apoio que pode ser dado à Interpretação Literal e uma breve avaliação disso tudo. Na sequência, passarei a fazer uma crítica a esta visão.

Discussão

Pergunta: De que maneira, quais palavras e termos eles teriam de usar para convencê-lo de que estavam tentando dizer-lhe que era um dia de 24 horas?

Resposta: A pergunta é muito boa. Ainda não ofereci nenhum argumento por que penso que esta passagem pode muito bem não ser literal. Tudo que argumentei até agora é que as provas favoráveis à Interpretação Literal não são persuasivas. Mas alguém pode ainda dizer: “Vou tomar tudo ao pé da letra, a menos que me seja dada uma razão para pensar o contrário”. Ainda não a dei. Tudo que estou dizendo aqui é que, quando se atenta para o apoio dado à Interpretação Literal, ela não nos é obrigatória, à luz destas provas. Mas pode-se ler assim, é verdade. Ler ou não dessa maneira dependerá do modo em que se reage ao que se seguirá da próxima vez, quando atentarmos para uma crítica dessa visão. Para responder à sua pergunta mais diretamente, suponho que o necessário seria que esses elementos dos quais vou falar, que se parecem com marcações ou indicações de não-literalidade, estivessem ausentes na narrativa; assim, penso que os argumentos para a literalidade seriam mais convincentes.[[12]] Vamos ter de esperar até que eu dê as provas do outro lado.

Pergunta: Em Gênesis 1.3, ele diz “haja luz”. Em Gênesis 1.14, ele diz: “haja luminares”. A primeira luz de que está falando, que luz é essa? Não é o sol, não é a lua.

Resposta: Esta é parte da dificuldade com a Interpretação Literal. Se os dias são dias de 24 horas, literalmente, como é que o são, se não há sol, se o sol não foi criado até o quarto dia? É por isso que disse que mesmo aqueles que adotam a Interpretação Literal costumam recuar neste ponto e dizer: “Pois bem, o sol não foi, literalmente, criado no quarto dia. Essa luz de que você está falando no versículo 3 era, na verdade, o sol, mas estava eclipsado pela pesada cobertura de nuvens, tornando-se visível apenas no quarto dia”. Assim, esta seria uma daquelas indicações, na minha opinião, de que estamos lidando com algo que não deva ser forçado à precisão literal, ou topamos com esta questão muito difícil que você acabou de fazer. Essa questão surge precisamente em decorrência da interpretação literal da passagem.

Continuação: Fico pensando se não poderia ter sido a glória shekinah de Deus, a luz do mundo, Jesus Cristo.

Resposta: É possível imaginar algo assim. Sem dúvida, a Bíblia fala de Deus como glorioso, e penso que o autor de Gênesis não seria antitético a isso. Mas será que isto não esvazia todos os argumentos que o intérprete literal nos está dando para pensar que yom ehad e o “segundo dia” e o “terceiro dia” tenham de ser dias literais de 24 horas? A glória shekinah de Deus não nos dará um dia de 24 horas.

Continuação: Não consigo imaginar quanto tempo leva para criar algo do nada. Ele é Deus; então, quanto tempo leva para ele criar algo a partir do nada?

Resposta: Bem, não deve levar tempo nenhum.

Continuação: Certo, veja aí. Se não leva nenhum tempo, ele diz “haja”, e, pronto, está tudo ali! E ele diz “noite e manhã”.

Resposta: Creatio ex nihilo não leva tempo. Mas esta narrativa mostra que a criação da vida e da diversidade biológica se estende no tempo e não é feita assim, instantaneamente, como num passe de mágica, tudo de uma vez.

O que vimos até agora é a Interpretação Literal. Indagamos quais provas há favoráveis à Interpretação Literal. A melhor prova, penso eu, seria a passagem de Êxodo, mas não penso que seja persuasiva. Assim, não penso que se fez uma defesa tão forte assim da interpretação literal. Da próxima vez, vou partilhar algumas provas do outro lado, algo que já sugeri em alguns aspectos ao falar por que podemos pensar que o autor não pretende que nós entendamos tudo como se fossem dias literais consecutivos de 24 horas.[[13]]

 

[1] Gerhard von Rad, Old Testament Theology, Volume 1 (Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2001), p. 148.

[2] 4:59

[3] 10:01

[4] A FAZER: providenciar breve resumo do que significa esta contagem de letras e por que ela é importante.

[5] 14:57

[6] Dr. Craig começa a ler do versículo 8.

[7] De Bíblia Almeida 21

[8] De Bíblia Almeida 21

[9] 20:17

[10] 25:00

[11] cf. Isaías 52.10; 53.1

[12] 30:06

[13] Duração total: 33:42 (Copyright © 2013 William Lane Craig)