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#549 Pecado original

August 12, 2018
Q

Salaam, dr. Craig. Aqui quem escreve é um leitor muçulmano. Seu trabalho público e privado em teologia natural salvou, penso eu, uma geração de crentes da superstição e do erro. Agradeço de coração por seu sacrifício e labuta. Minha pergunta diz respeito à confusa ligação entre pecado original e o sacrifício de Cristo.

A doutrina do pecado original e sua relação com o sacrifício de Cristo parecem, para o não-cristão, solapar a liberdade humana e a justiça divina. Acrescente a isto o suposto fato de que Deus “condescendeu” em sacrificar-se como Cristo (redenção) por nossos egos perdidos, pecaminosos e decaídos, e a situação fica ainda mais confusa.

Deus nos fez “nascidos pecadores” desde o começo, mas, mesmo assim, foi bom o suficiente para salvar o homem de sua inescapável depravação, no fim das contas? Que sentido isto faz? Se quebro um carro e, depois, o conserto, mereço ser elogiado? Onde está a glória neste conto cósmico de quebra e conserto divinos? Deus mostra misericórdia quando e onde desejar, mas condenar a raça humana coletivamente (pecado original) e, então, precipitar-se depois para salvá-la não é glorioso, é ilógico. A redenção de Cristo, à luz da doutrina do pecado original, faz o plano salvador divino parecer um exercício em autocongratulação.

Nota 1: Talvez responda que Adão e Eva, por seu próprio livre-arbítrio, causaram nossa condenação coletiva (a queda), e não Deus, mas isto ainda não responde ao problema ético de que eu seja condenado por causa de outro — ou seja, culpado por algo que aconteceu antes de eu nascer; e minha eterna necessidade de ser salvo em seguida.

Nota 2: Talvez a força da minha objeção seja diminuída se o conceito de pecado original for definido de um jeito mais leve, como “fraqueza humana”. Mas suponho que a maioria dos cristãos adota a doutrina paulina-agostiniana ortodoxa do pecado original como depravação total.

Omar
Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Obrigado pela pergunta, Omar. Sempre gosto de dialogar com nossos leitores muçulmanos!

Devo começar recomendando minhas aulas do curso Defenders (série 2) sobre a doutrina do homem, parte 10: o homem como pecador, onde trato da doutrina do pecado original. Como explico ali, a doutrina de que o pecado de Adão é imputado a todos os homens está longe de ser universalmente aceita entre os cristãos e, portanto, não é essencial ao cristianismo. A doutrina também tem pouca atestação bíblica; por isso, pessoalmente permaneço bem aberto quanto à questão. Em suma, você não precisa aceitar a doutrina para se tornar cristão; ela não lhe deveria ser um obstáculo.

Sua primeira pergunta sobre a doutrina é se ela “faz sentido”. O problema aqui, Omar, é que sua formulação da doutrina parece confusa — daí, ela aparenta não fazer sentido. A doutrina não sustenta que “Deus nos fez ‘nascidos pecadores’ desde o começo”. De acordo com a doutrina, o homem foi inicialmente criado em estado de inocência e em comunhão com Deus. Porém, ao livremente desobedecer a Deus, o homem caiu no pecado. O pecado do primeiro homem Adão é imputado ou computado na conta de todo ser humano descendente de Adão. Por isso, sua ilustração de alguém quebrando um carro e depois consertando-o é imprecisa, pois não é Deus que quebra o carro. Adão, por assim dizer, quebrou o carro novo que Deus lhe deu, e herdamos a lata-velha até Deus graciosamente a reparar (ou melhor, até nos dar um carro novinho). A glória nesta história é que, mesmo que mereçamos nada senão condenação diante de um Deus santo por causa de nossos atos maus, Deus, em sua misericórdia, resgata-nos por meio de Cristo, perdoa-nos e restaura-nos à comunhão consigo.

Como esta doutrina, caracterizada corretamente, é “ilógica”? Em sua Nota 1, você toca no âmago da objeção: “o problema ético de que eu seja condenado por causa de outro”. Conforme mostro nas minhas aulas de Defenders sobre a expiação, a condenação de uma pessoa pelas transgressões e crimes de outro é parte estabelecida dos sistemas ocidentais de justiça. É chamada de responsabilidade vicária. Um empregador, por exemplo, pode ser considerado responsável vicário pelos delitos de seu empregado cometidos em seu papel de empregado e, então, pode ser punido por causa deles. Deve-se enfatizar que o empregador não é responsabilizado por outros erros, como negligência ou incapacidade de supervisionar o empregado. Não, ele talvez seja completamente inocente e irrepreensível, mas a responsabilidade ou culpa do empregado lhe é imputada. Assim, sua objeção não é peculiarmente teológica; todo o sistema ocidental de justiça se opõe a ela.

Como entender que o pecado de Adão nos é imputado? Bastam duas coisas, penso eu: (1) Como o cabeça federativo da raça humana, Adão está diante de Deus como nosso representante e, portanto, age em nosso lugar. Seu delito foi nosso delito, porque ele agiu como nosso substituto diante de Deus. (2) Para que ninguém reclame que Adão foi mau representante, podemos dizer que Deus, por meio de seu conhecimento médio, sabia que, se estivéssemos no lugar de Adão, teríamos feito a mesma coisa. Portanto, Adão consegue nos representar com precisão diante de Deus e, por isso, serve como apto representante em nosso lugar.

Pois então, será que a doutrina do pecado original é verdadeira? Não sei! Mas penso que é defensável contra o tipo de objeção que você traz.

Por fim, como você observa na Nota 2, pode-se evitar a imputação do pecado de Adão a sua posteridade adotando uma doutrina mais branda de pecado original que não envolva imputação. Por exemplo, em todas as confissões ortodoxas orientais, como as igrejas ortodoxas grega, russa e siríaca, entende-se que o pecado é meramente uma espécie de corrupção que foi introduzida na raça humana por Adão e pela qual não somos culpáveis. Muitos protestantes, obviamente, também negam a imputação do pecado de Adão. Por isso, sua objeção não lhe deveria ser uma pedra de tropeço, uma vez que crentes fiéis à Bíblia podem adotar uma variedade de perspectivas sobre a questão do pecado original.

- William Lane Craig