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#560 Pecado original mais uma vez

October 07, 2018
Q

Caro Dr. Craig,

Recentemente, fui introduzido aos seus vídeos e trabalho, e estou gostando muito de me aprofundar neles. Também fiquei feliz de saber que o senhor obteve seu doutorado na Universidade de Birmingham, onde eu estudei. Oro para que o senhor seja guiado para cumprir outras boas obras e continue o excelente site e recurso que criou em reasonablefaith.org

Minha pergunta diz respeito à pergunta da semana # 549, sobre pecado original. Fiquei muito interessado em ler sua resposta à pergunta porque ainda não vi uma resposta cristã coerente ao porquê da doutrina ser compatível com um Deus justo.

Como justificação para o conceito de pecado original, o senhor traçou um paralelo com o conceito legal de responsabilidade vicária (RV). Por ser advogado, fiquei interessado em como utiliza o conceito de RV nessa doutrina cristã. Assim afirmou na resposta: “Deve-se enfatizar que o empregador não é responsabilizado por outros erros, como negligência ou incapacidade de supervisionar o empregado. Não, ele talvez seja completamente inocente e irrepreensível, mas a responsabilidade ou culpa do empregado lhe é imputada. Assim, sua objeção não é peculiarmente teológica; todo o sistema ocidental de justiça se opõe a ela”.

O senhor diz ainda que, como nosso representante, o cabeça da família humana, Adão (paz seja com ele) agiu em nosso favor diante de Deus. “Seu delito foi nosso delito, porque ele agiu como nosso substituto diante de Deus.” Se entendi corretamente, está dizendo que o conceito de RV fornece um paralelo com o qual podemos entender o erro de Adão que levou todos os seres humanos a terem suas contas “imputadas” com a mancha do pecado. Minha crítica, porém, é que se trata de falsa analogia, pois o senhor caracterizou falsamente o conceito legal de RV que pode ser caracterizado pelo seguinte teste em dois estágios:

  1. Consideração da relação entre o infrator primário e a pessoa supostamente responsável, e a possibilidade de que tal relação dê origem à RV. Neste contexto, a pessoa supostamente responsável deve ter o direito, capacidade ou dever de controlar o infrator primário. Isto se encontra facilmente na relação empregador/empregado — daí seu uso frequente no direito do trabalho.
  2. A possibilidade de que se trate de uma ligação próxima o bastante entre a infração e a razão para a relação (i.e., o emprego) para julgar correta e justa a suposta responsabilização vicária da pessoa. (Então, por exemplo, um erro cometido por um empregado nas férias que não tenha nenhuma ligação com seu emprego não daria origem à responsabilidade vicária por parte do empregador.) 

Com isto em mente, ao olhar de perto mais uma vez para sua analogia com Adão e RV, ela se mostra incorreta.

  1. Em casos de RV, o “infrator” é quem se encontra na posição “mais fraca” — de empregado —, e o que se vê responsável é quem se encontra no papel “mais forte” (com a força representada pelos meios financeiros). Porém, no caso de Adão e nós, conforme o senhor disse, “como o cabeça federativo da raça humana, Adão está diante de Deus como nosso representante e, portanto, age em nosso lugar”. Portanto, Adão é claramente quem se encontra no lado mais forte ou na posição de liderança. Aplicar o caso de Adão a RV seria o mesmo que responsabilizar o empregado pelas ações do empregador!
     
  2. A partir de (i), a doutrina de RV é a única considerada justa se estão presentes ambos estágios desse teste em dois estágios acima. Sugiro que nenhuma das partes do teste se cumpre na doutrina cristã do pecado original. Pois tampouco estamos (ou jamais estivemos) em posição para ter um “direito, capacidade ou dever de controlar” as ações de Adão, nem existe uma ligação próxima o suficiente entre nós e ele (isto, claramente, não pode ser o caso, já que sequer estávamos vivos à época). Ora, caso o senhor defenda, como de fato o faz no fim de sua resposta, que Deus, em seu conhecimento eterno e infinito, sabia que faríamos o mesmo que Adão se estivéssemos em sua posição, isto comete uma petição de princípio. Se Deus pode imputar o pecado em nós sabendo que teríamos feito algo, mesmo que não tivéssemos a oportunidade de realmente cometer aquele pecado, isto não é injusto? Ou, se ele pode fazer isto de uma vez nesta situação, por que ele não pôde ter julgado todas nossas ações na pré-eternidade e nos colocado diretamente no céu ou inferno?

Em conclusão, responda, por favor, ao seguinte:

  1. O senhor concorda que sua tentativa de defender a doutrina do pecado original usando a analogia de RV é falha?
  2. Se não aceita (a), explique, por favor, como mantém a conexão entre os dois. Se a resposta for que RV tinha intenção de ilustrar que, em dadas ocasiões, terceiros inocentes podem ser responsabilizados pelas ações alheias segundo a lei ocidental, eu concordaria; porém, ainda faltou demonstrar a verdadeira analogia, que, penso eu, pode ser resumida assim: o presidente dos Estados Unidos cometeu perjúrio. O juiz envia uma mensagem a todos de que o perjúrio num cargo tão alto assim não deve ser tolerado e ordena que todo homem, mulher e criança nos Estados Unidos (nascidos ou não, agora e para sempre) seja sentenciado a dez anos de prisão imediatamente.

Este é o problema que o senhor, enquanto cristão, deve abordar. (Em sua resposta à pergunta, foi sugerido o exemplo de um carro novo quebrado por Adão que, então, foi passado para cada um de nós. Porém, novamente creio que a analogia fica aquém de seu objetivo. O pecado original não se trata de um presente quebrado transmitido a nós desde Adão, mas, sim, da falta de livre-arbítrio, pois não temos nenhuma escolha ao pecar [“non posse non peccare”, como foi dito ali]. Como, então, é justo que Deus nos ordene isso, e não apenas a Adão — como justificar nosso sofrimento pelo erro dele?)

Espero que dê atenção à minha pergunta, porque sei que muitas pessoas, cristãs ou não, têm a mesma pergunta.

Cordialmente,

Rizwan

Reino Unido

Afghanistan

Dr. Craig responde


A

Muito obrigado por sua interessante pergunta, Rizwan! Incentivo os leitores a reverem a pergunta da semana # 549 antes de lerem minha resposta. Familiaridade com a pergunta anterior nos ajudará a ver como a falta de atenção ao meu argumento criou falsas impressões.

Para sermos sucintos, vamos direto a suas perguntas:

  1. O senhor concorda que sua tentativa de defender a doutrina do pecado original usando a analogia de RV é falha?

Não concordo; você entendeu mal o papel que o apelo a RV desempenha em minha defesa. Minha resposta foi dada a uma pergunta muito específica. O cerne da objeção do leitor era “o problema ético de que eu seja condenado por causa de outro”, que ele considerava “ilógico”. Foi em resposta a essa objeção que eu apelei a RV, para mostrar que a condenação de uma pessoa pela infração e crimes de outrem é parte estabelecida dos sistemas ocidentais de justiça. Assim, como disse, todo o sistema ocidental de justiça se opõe à objeção dele.

Isto é tudo que o apelo a RV pretende mostrar. Não a uso para explicar ou justificar a imputação do pecado de Adão em nós. Serve apenas para remover a objeção de que é antiético ou ilógico que uma pessoa seja condenada pelos erros de outrem. Fim da questão.

Assim, os problemas de analogia entre RV e a relação de Adão conosco que você acertadamente observou são irrelevantes, uma vez que não recorri a RV como analogia para tal relação. Existe, em contraste uma relação entre Cristo e nós que permite a RV servir como analogia muito próxima da imputação de nossos pecados a Cristo, a saber: (i) Cristo, enquanto Deus, está para nós numa relação de superior e subordinado e (ii) Cristo, enquanto Deus, tem o direito e o poder (embora não o dever) de impedir nossa infração. Assim, ele pode ser responsabilizado vicariamente por nossos pecados. Mas você perceberá por sua óbvia ausência que não fiz nenhuma afirmação parecida em relação a Adão e nós.

Assim, para minha defesa da imputação do pecado de Adão em nós, é preciso ir para o próximo parágrafo, onde pergunto: “Como entender que o pecado de Adão nos é imputado?” Aqui, você encontrará dois pontos que são minha defesa da doutrina do pecado original. Nenhum dos dois recorre a RV. Especificamente, não recorro a RV para entender que Adão é nosso substituto diante de Deus. Tampouco RV desempenha um papel no fato de Deus saber o que cada um de nós teria feito se estivéssemos no lugar de Adão (falando figurativamente!).

Em relação ao conhecimento de Deus, você protesta:

 

Se Deus pode imputar o pecado em nós sabendo que teríamos feito algo, mesmo que não tivéssemos a oportunidade de realmente cometer aquele pecado, isto não é injusto? Ou, se ele pode fazer isto de uma vez nesta situação, por que ele não pôde ter julgado todas nossas ações na pré-eternidade e nos colocado diretamente no céu ou inferno?

Isto se baseia num mal-entendido, Rizwan. Ao discutir como Deus julga os que não foram evangelizados, eu disse que não penso que seria justo da parte de Deus nos julgar por ações que teríamos feito, mas, na verdade, não fizemos. Assim, Deus não o condena porque você teria feito o mesmo que Adão, caso estivesse no lugar dele. Antes, meu argumento era que, em vista do conhecimento médio de Deus, ninguém pode reclamar que Adão o representou mal diante de Deus. Ninguém pode reclamar assim: “Ora, eu não teria comido do fruto!” Deus sabe que você o teria. Concluí: “Adão consegue nos representar com precisão diante de Deus e, por isso, serve como apto representante em nosso lugar”.

b. Se não aceita (a), explique, por favor, como mantém a conexão entre os dois. Se a resposta for que RV tinha intenção de ilustrar que, em dadas ocasiões, terceiros inocentes podem ser responsabilizados pelas ações alheias segundo a lei ocidental, eu concordaria; porém, ainda faltou demonstrar a verdadeira analogia, que, penso eu, pode ser resumida assim: o presidente dos Estados Unidos cometeu perjúrio. O juiz envia uma mensagem a todos de que o perjúrio num cargo tão alto assim não deve ser tolerado e ordena que todo homem, mulher e criança nos Estados Unidos (nascidos ou não, agora e para sempre) seja sentenciado a dez anos de prisão imediatamente.

Não aceito (a) nem mantenho nenhuma conexão entre RV e a imputação do pecado de Adão. Você não prestou atenção o suficiente ao meu argumento. Sua analogia com o presidente é totalmente falha, pois não satisfaz a nenhuma das duas condições que apresento para a justa imputação do pecado de Adão. O presidente não me representa, e Deus não sabe que eu teria feito a mesma coisa, caso estivesse na situação dele.

A resposta à pergunta em seu último parágrafo: “Como, então, é justo que Deus nos ordene isso, e não apenas a Adão — como justificar nosso sofrimento pelo erro dele?” é simplesmente minha resposta à pergunta da semana # 549, uma vez entendida corretamente.

- William Lane Craig