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#546 Perguntas intrigantes sobre conhecimento médio

July 22, 2018
Q

Dr. Craig,

Primeiramente, muito obrigado por seu serviço monumental à causa de Cristo! Tenho familiares e amigos agnósticos muito complicados aos quais recomendei seu site ou confrontei com alguns dos argumentos que o senhor apresenta, e eles reagiram de maneira muito positiva. Meu familiar agnóstico, por exemplo, escreveu-me um tempo atrás e disse que agora é grande fã seu e gosta de ouvir seus posicionamentos sobre “quase tudo”. É muito significativo para mim e para sua família próxima saber que ele está buscando a verdade e achou útil seu ministério. Por isso, expresso aqui minha gratidão!

Há algum tempo venho lendo seus escritos sobre molinismo. Fico fascinado com a ideia, mas alguns conceitos estão me estressando mentalmente. Não consigo achar as respostas a três perguntas, tampouco as vi sendo abordadas em seus textos. Agradeceria muito por sua contribuição e ajuda em resolvê-las. A primeira é mais por curiosidade. As outras duas me são a origem de objeções mais sérias ao molinismo.

1. O conceito de Deus colocando pessoas em determinadas circunstâncias pressupõe uma teoria da origem da alma? Se supusermos, por exemplo, que uma alma é apenas transmitida biologicamente, poderia haver diversos fatores contingentes que determinam quando e onde alguém vem a nascer. As decisões das pessoas sobre onde viver, quando casar, etc., afetariam essas coisas. Então, se esses fatores contingentes incluem os contrafactuais das pessoas, poderia haver mundos nos quais as pessoas estão em lugares e tempos inviáveis para Deus atualizar? Talvez ele não pudesse evitar, por exemplo, dados contrafactuais dos ancestrais de Pedro, que ele nascesse num mundo em que negasse a Cristo. O traducianismo traz algum problema específico para o molinismo?

2. O que, antes da criação, serve para distinguir pessoas na mente de Deus? Para que Deus saiba o que Pedro faria livremente na circunstância A, ele precisa ter algum conceito de Pedro que o distinga, digamos, de Paulo. Qual é a característica distintiva? Talvez mais seriamente, o que serve para distinguir as pessoas que Deus criará amanhã das pessoas imaginárias com as quais eu só poderia sonhar? Presume-se que Deus sabe quem nascerá amanhã. De fato, segundo o molinismo, ele designou qual pessoa nascerá. Mas o que distingue tal pessoa de Zé, uma pessoa que acabei de imaginar ao digitar esta frase? Por que essa pessoa ainda não existente tem contrafactuais, enquanto o Zé imaginário não os tem?

3. Não seriam os contrafactuais uma parte da descrição de mundos possíveis? Se existe um mundo possível em que Pedro não nega a Cristo e, ainda mais seriamente, se os contrafactuais não são verdades necessariamente, parece que há um mundo possível em que os contrafactuais de Pedro são diferentes do que são no mundo real. Porém, antes da criação do mundo real, o que proibiu Deus de criar o mundo possível em que os contrafactuais de Pedro eram diferentes? Por que os contrafactuais do mundo real, que ainda não havia sido criado, foram preferidos ou determinantes?

Algum posicionamento em relação a estas perguntas? Como disse, elas têm me angustiado há um tempo; por isso, qualquer ajuda para desembaraçá-las seria bem-vinda!

David
Estados Unidos

Afghanistan

Dr. Craig responde


A

Ótimas perguntas, David!

1. O conceito de Deus colocando pessoas em determinadas circunstâncias pressupõe uma teoria da origem da alma? Em uma palavra, não. Pressuponho que o parentesco da pessoa não seja essencial a sua identidade, de modo que eu poderia ter sido chinês ou africano, por exemplo. O conhecimento médio, porém, será mais útil teologicamente, caso se sustente que é essencial a sua identidade que você tenha nascido de seus pais de verdade. Pois, então, as circunstâncias nas quais Deus o poderia ter criado serão muito bem delimitadas. Não seria preciso perguntar, por exemplo: será que eu teria me tornado cristão se tivesse nascido em outra família ou em outro tempo e lugar na história? Assim, o traducianismo (a visão de que a alma da pessoa depende das almas de seus pais) facilitaria, e não complicaria, a vida do molinista que deseje usar o conhecimento médio para explicar as deficiências deste mundo.

2. O que, antes da criação, serve para distinguir pessoas na mente de Deus? Na visão de Alvin Plantinga, as pessoas têm essências individuais que nada mais compartilha. Assim, cada essência individual é única. Deus decide quais dessas essências devem ser instanciadas e, portanto, quais pessoas devem existir. Tais essências são diferentes do Zé imaginário, pois Zé é radicalmente incompleto na concepção que você propôs. Em geral, personagens ficcionais são incompletos. Há diferentes pessoas em diferentes mundos possíveis, por exemplo, que partilham de todas as propriedades do Hamlet de Shakespeare. Em contraste, essências individuais são completas: para cada propriedade, a essência a possui ou ao seu complemento.

3. Não seriam os contrafactuais parte da descrição de mundos possíveis? Sim. De fato, Plantinga defende que um dos fatores mais importantes para determinar a semelhança de mundos possíveis uns com os outros é o nível no qual partilham os mesmos contrafactuais verdadeiros. Você tem toda razão de que diferentes contrafactuais são verdade em mundos diferentes. Este fato é crucial na defesa do livre-arbítrio contra o problema do mal elaborada por Plantinga. Quando Plantinga diz que é possível que nenhum mundo seja factível para Deus que contenha tanto bem assim, mas menos mal, ele NÃO quer dizer epistemicamente possível (isto é, por tudo o que conhecemos). Antes, ele quer dizer que existe um mundo possível em que os verdadeiros contrafactuais não permitem que Deus atualize o mundo com o equilíbrio melhor. Talvez, no mundo real, tal mundo seja factível para Deus, mas desde que seja possível que ele não possa atualizar tal mundo possível, a versão lógica do problema do mal fracassa.

Porém, antes da criação do mundo real, o que proibiu Deus de criar o mundo possível em que os contrafactuais de Pedro eram diferentes? Por que os contrafactuais do mundo real, que ainda não havia sido criado, foram preferidos ou determinantes? Esta era a dúvida de Robert Adams quanto ao conhecimento médio, que já foi tratada por Thomas Flint, Alfred Freddoso e por mim, dentre outros. A resposta é que o mundo real é instanciado em estágios. Correspondentes ao conhecimento natural de Deus estão todos os estados de coisas necessários expressos por contrafactuais de liberdade das criaturas. Uma vez que estes também são independentes do decreto divino criador, também são reais, logicamente anteriores ao decreto. Assim, a suposição errônea de sua pergunta é que os estados contrafactuais de coisas já não eram reais antes do decreto divino criador. Quais contrafactuais são verdadeiros ou falsos, portanto, não depende de Deus.

Se quiser ler mais sobre conhecimento médio, comece com meu livro The Only Wise God [tradução em português: O único Deus sábio], e então avance para Divine Providence, de Flint, e a tradução de On Divine Foreknowledge, de Molina, feita por Freddoso.

Obrigado pelo testemunho maravilhoso sobre seus familiares, David! Que Deus continua a atraí-los para Si!

- William Lane Craig

- William Lane Craig