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#180 Stephen Hawking e Deus

October 28, 2014
Q

"O universo pode criar-se a partir do nada", declara Stephen Hawking, "e Deus não é mais necessário". No livro “The Grand Design” [O grande projeto. São Paulo: Nova Fronteira, 2011], seu livro recentemente publicado com o coautor Leonard Mlodinow, Hawking postula um modelo de um universo não criado com um começo baseado em uma teoria quântica da gravitação. Em resposta, o Dr. Craig explica que a frase "criação a partir do nada", como é usada por Stephen Hawking, e o ato de criação ex nihilo realizado por Deus são dois conceitos muito diferentes.

"O universo pode criar-se a partir do nada", declara Stephen Hawking, "e Deus não é mais necessário". No livro “The Grand Design” [O grande projeto. São Paulo: Nova Fronteira, 2011], seu livro recentemente publicado com o coautor Leonard Mlodinow, Hawking postula um modelo de um universo não criado com um começo baseado em uma teoria quântica da gravitação. Em resposta, o Dr. Craig explica que a frase "criação a partir do nada", como é usada por Stephen Hawking, e o ato de criação ex nihilo realizado por Deus são dois conceitos muito diferentes.

Olá, Sr. Craig,

Tenho certeza que você viu os trechos do livro de Stephen Hawking, "The Grand Design", que está prestes a ser publicado. No livro ele afirma que, por causa da lei da gravidade, "o universo pode e irá criar a si mesmo do nada". Assim, de acordo com Hawking, não há necessidade de se referir a Deus, já que "a criação espontânea é a razão por que há algo ao invés de nada, por que o universo existe, por que nós existimos".

Eu não sou um físico -- e até entendo que um autor às vezes precisa ir um pouco longe a fim de divulgar e comercializar o seu livro de forma a garantir uma boa venda --, mas isso me parece ser simplesmente um salto irracional, para dizer o mínimo.

É verdade que tudo o que temos aqui são algumas poucas afirmações de um argumento mais amplo que é desenvolvido por toda a extensão de um livro; ainda assim, diante dessas afirmações, diversas perguntas vêm à mente.

É claro que Hawking não acredita que o universo realmente veio do nada, já que a gravidade estava lá para realizar a criação. E, certamente, a gravidade não é nada. Mas o que é a gravidade à parte do universo (i.e. espaço e massa)? As leis da natureza não são propriedades do universo? Elas não são parte dele? Elas não vieram a existir com o universo? De onde veio a gravidade?

Como é que é possível aplicar a ciência fora do universo, i.e. fora do ambiente da investigação científica? Como o cientista pode ir além do Big Bang? Como ele pode inferir qualquer coisa cientificamente sobre o que veio antes do Big Bang? Parece-me que, ao fazer isso, entra-se no domínio da metafísica.

Além disso, ainda há o absurdo da noção autocontraditória, à la Dennet, de que o universo (ou qualquer outra coisa) poderia criar a si próprio a partir do nada.

Parece-me que Hawking simplesmente substitui uma causa transcendente (Deus) por outra (gravidade).

Stephen Hawking é um dos maiores cientistas da história, sem dúvida alguma. Entretanto, estou realmente espantado com essas afirmações.

Você poderia me dizer o que pensa sobre este assunto?

Respeitosamente,

Gunnar

Islândia

Iceland

Dr. Craig responde


A

Stephen Hawking e Deus

Temos recebido um número enorme de perguntas sobre as alegações sensacionalistas promovidas pela imprensa antes do lançamento do novo livro de Hawking e Mlodinow, The Grand Design. Eu escolhi a sua pergunta, Gunnar, não apenas porque ela era representativa de muitas outras, mas também porque eu não pude resistir a postar uma pergunta da Islândia!

No post que fiz no blog, dia 6 de Setembro, antes do lançamento do livro, eu levantei várias questões que precisaríamos ter em mente ao lermos o livro quando ele estivesse disponível. Aquelas questões provaram ser certeiras. Não há nada de novo neste livro em termos de substância científica; nada que Hawking já não tinha afirmado em seu best-seller anterior, “A Brief History of Time” [Uma Breve História do Tempo]. Além disso, Hawking e Mlodinow também não respondem às críticas feitas na literatura especializada às propostas anteriores de Hawking. Se você estudou e compreendeu minha discussão sobre a origem e sobre o ajuste fino do universo no livro Reasonable Faith, 3a ed. [Apologética Contemporânea - A Veracidade da Fé Cristã. Editora Vida Nova, 2012], então você já está equipado para responder às afirmações desse novo livro.

Hawking e Mlodinow procuram responder a três perguntas neste livro:

1. Por que existe algo em vez de nada?

2. Por que existimos?

3. Porque existe este conjunto particular de leis e não algum outro conjunto?

Curiosamente, a resposta deles a cada uma dessas questões acaba sendo muito breve. Na realidade, a pergunta (2) acaba sendo mesclada com a pergunta (1) e, desta forma, nem mesmo recebe uma resposta à parte.

A resposta de Hawking e Mlodinow às perguntas (1) e (2) é um apelo ao modelo "sem limites" da origem do universo, popularizado por Hawking em seu livro Uma Breve História do Tempo. Nossos autores simplesmente expõem o modelo sem apresentar qualquer evidência em favor dele e sem fazer menção a nenhum dos modelos alternativos. Além disso, eles não respondem à crítica de que o chamado "tempo imaginário" que faz parte do modelo é fisicamente ininteligível e, portanto, não passa de um "truque" matemático útil para evitar a singularidade cosmológica que aparece em teorias clássicas no início do universo.

Ainda assim, a exposição deles traz algo de relevante em relação à questão do universo ter tido ou não um começo temporal. Eles escrevem,

O entendimento de que o tempo pode se comportar como outra direção do espaço significa que é possível se livrar do problema do “tempo ter um começo” de uma forma similar àquela pela qual nós nos livramos da “extremidade do mundo”. Suponha que o início do universo foi como o pólo sul da Terra, com graus de latitude desempenhando o papel do tempo. À medida que se caminha para o norte, os círculos de latitude constante, representando o tamanho do universo, se expandiriam. O universo começaria como um ponto no Pólo Sul, mas o Pólo Sul é similar a qualquer outro ponto. Perguntar o que aconteceu antes do início do universo se tornaria uma pergunta sem sentido, porque não há nada ao sul do pólo sul. Neste cenário o espaço-tempo não tem fronteiras - as mesmas leis da natureza que valem em outros lugares valem também no Pólo Sul (pp. 134-5).

Esta passagem é fascinante porque representa uma interpretação bastante diferente daquela que foi apresentada no livro Uma Breve História do Tempo sobre otempo imaginário. Aqui, a analogia do Pólo Sul é interpretada de uma forma que implica na existência de um ponto inicial para o tempo e o universo. Apesar do fato de o tempo imaginário se comportar como outra dimensão espacial, Hawking permite que os círculos de latitude desempenhem o papel do tempo, que tem um ponto inicial no Pólo Sul. Quando Hawking fala sobre "o problema do tempo ter um começo", o que ele quer dizer é "a antiga objeção ao universo ter um começo" (p. 135), uma objeção que o modelo dele remove. Essa antiga objeção se resume à seguinte pergunta: "O que aconteceu antes do início do universo?" Hawking está certo quando diz que esta pergunta não tem sentido em seu modelo; mas o que ele não menciona é que a pergunta é igualmente sem sentido no modelo padrão do Big Bang, uma vez que não há nada antes da singularidade cosmológica inicial. Em ambos os modelos o universo tem um começo temporal absoluto -- exatamente como a segunda premissa do argumento cosmológico kalam afirma.

Stephen Hawking e Deus – Por que existe algo em vez de nada?

Portanto, a pergunta é: por que o universo começou a existir? Por que existe algo em vez de nada? Hawking e Mlodinow defendem o que eles chamam de abordagem “de cima para baixo" (top down approach) para esta pergunta. A ideia aqui é começar com o nosso universo que observamos atualmente, caracterizado pelo modelo padrão da física de partículas e, em seguida, calcular, dada a condição “sem limites”, a probabilidade das várias histórias permitidas pela física quântica chegarem ao nosso estado atual. A história mais provável representa a história do nosso universo observável. Hawking e Mlodinow afirmam que "de acordo com essa visão, o universo surgiu de forma espontânea a partir do nada" (p. 136). Quando eles dizem "de forma espontânea", o que eles parecem querer dizer é que o universo surgiu sem uma causa.

Mas como essa conclusão pode ser obtida a partir do modelo? A abordagem de cima para baixo calcula a probabilidade de nosso universo observável considerando que a condição “sem limites” é verdadeira. A abordagem de cima para baixo não calcula a probabilidade da condição “sem limites” ser verdadeira, mas simplesmente pressupõe sua verdade. Tal condição não é metafísica ou fisicamente necessária. Se o universo surgiu do nada, sem causa, ele poderia ter tido qualquer tipo de configuração espaço-temporal concebível. Pois o “nada”, ou a “não existência” (non-being), não tem propriedades ou restrições e não é governada por nenhuma lei física. A física só começa no "Pólo Sul" no modelo “sem limites”. Não há nada no modelo que implica que esse ponto passou a existir sem uma causa. De fato, a ideia de que o “ser” (being) poderia surgir sem uma causa a partir do “não-ser” (non-being) parece metafisicamente absurda.

Hawking e Mlodinow parecem perceber que eles ainda não responderam à pergunta "Por que existe algo em vez de nada?", pois eles voltam a essa pergunta no fim do livro e dão uma resposta bem diferente. No capítulo de conclusão, eles explicam que existe, no espaço vazio, uma constante energia do vácuo e, se a energia positiva do universo associada à matéria é equilibrada pela energia negativa associada à gravitação, então o universo pode vir espontaneamente à existência como uma flutuação da energia no vácuo (que, usando um esperto passe de mágica, segundo eles "nós podemos chamar também de [...] zero"). Essa parece ser uma descrição muito diferente da origem do universo, pois ela pressupõe a realidade do espaço e a energia contida nele. Assim, a seguinte conclusão de Mlodinow e Hawking é intrigante: "Porque existe uma lei como a gravidade, o universo pode e irá criar a si mesmo do nada na forma descrita no Capítulo 6" (p. 180). Aqui é dito que o “nada” do qual se falou no Capítulo 6 não é, realmente, nada, mas é, de fato, espaço cheio de energia do vácuo. Isso serve para reforçar a convicção de que a abordagem “sem limites” (no boundary approach) apenas descreve a evolução do nosso universo desde a origem em seu "Pólo Sul” até chegar ao seu estado atual, mas não diz absolutamente nada quanto à razão pela qual o universo veio a existir originalmente.

Stephen Hawking e Deus – O que a criação a partir do nada realmente significa

A implicação disso é que Hawking e Mlodinow nem sequer começaram a abordar a questão filosófica: "Por que existe algo em vez de nada?". Isso porque, no vocabulário deles, "nada" não tem o sentido tradicional de "não-existência"; para eles “nada” significa "o vácuo quântico". Ou seja, eles não estão nem mesmo respondendo à mesma pergunta. Hawking e Mlodinow evitaram a pergunta realmente difícil ao reinterpretarem de forma equivocada o significado da palavra “nada”.

Se eles não conseguiram responder às perguntas (1) e (2), o que dizer de (3): Por que existe este conjunto particular de leis, em vez de algum outro conjunto? A questão aqui é explicar o evidentemente milagroso ajuste fino do universo para a vida inteligente. Hawking e Mlodinow expressam essa ideia observando que "nos últimos anos, os físicos começaram a se perguntar como o universo seria se as leis da natureza fossem diferentes" (p. 159).

Infelizmente, essa última afirmação está muito equivocada. Cientistas que lidam com o ajuste fino não estão perguntando como o universo seria se fosse regido por diferentes leis da natureza. Eles estão perguntando como o universo seria se fosse governado pelas mesmas leis da natureza, mas com valores diferentes para as constantes físicas que aparecem nelas e com quantidades diferentes para as condições iniciais sobre as quais as leis operam. Ninguém sabe como um universo governado por leis diferentes seria! Mas porque estamos falando de universos regidos pelas mesmas leis, mas com números diferentes para as constantes e quantidades, podemos calcular que tipo de universo as leis iriam prever (como Hawking e Mlodinow ilustram nas páginas 159-62). Portanto, a pergunta (3), da forma como foi enunciada, está mal formulada. A pergunta realmente importante é: por que esse conjunto particular de constantes e quantidades em vez de algum outro?

Agora, existem três possíveis respostas a essa pergunta: necessidade física, acaso ou design. Hawking e Mlodinow rejeitam a hipótese da necessidade física: "Parece que os números fundamentais, e até mesmo a forma, das leis da natureza que podemos discernir não são exigidos pela lógica nem por algum princípio físico" (p. 143). Já que Mlodinow e Hawking rejeitam completamente a ideia de um Projetista Cósmico, eles optam pela hipótese do acaso. Uma vez que as chances de o nosso universo ser finamente ajustado para a vida inteligente são tão incompreensivelmente remotas, Hawking e Mlodinow apelam à hipótese dos Múltiplos Mundos para ampliar os recursos probabilísticos até que se torne inevitável o aparecimento por acaso de um universo finamente ajustado em algum lugar do conjunto de mundos ou multiverso. Se existir, nesse conjunto, um número infinito de universos ordenados aleatoriamente, então um universo finamente ajustado para a vida aparecerá em algum lugar do conjunto; e esse universo poderá ser explicado apelando-se tão somente ao acaso.

Se a hipótese dos Múltiplos Mundos (ou Muitos Mundos) tem a pretensão de ser considerada ciência séria, em vez de especulação metafísica, algum tipo de mecanismo deve ser fornecido para gerar o multiverso. O mecanismo a que Hawking e Mlodinow apelam é a abordagem "soma-sobre-histórias" de Richard Feynman para a teoria quântica. Esta é a abordagem que Hawking usa no modelo “sem limites” para calcular a história mais provável do universo até o nosso estado atual observado, dada a condição “sem limites”. Hawking e Mlodinow consideram essas histórias alternativas que o universo poderia ter seguido como universos paralelos que realmente existem, sendo tão reais quanto o nosso universo.

Infelizmente, isso não é ciência, mas sim metafísica sem fundamento. O método de Feynman da soma-sobre-histórias é apenas uma ferramenta matemática para o cálculo da probabilidade de uma partícula subatômica chegar a um ponto partindo de outro. A idéia é imaginar todos os caminhos possíveis que a partícula poderia ter seguido e, então, com base nisso, calcular a probabilidade da partícula chegar ao destino observado. Não há nenhuma base para interpretar que este "truque" matemático implica na realidade ontológica de universos concretos e espaço-temporais.

Hawking e Mlodinow também apelam para a Teoria-M -- ou teoria das supercordas --, para gerar o conjunto de universos que apresentam diferentes valores para as constantes da natureza. Tal especulação é problemática por diversas razões que não são discutidas no livro. Primeiro, a "paisagem cósmica" de diferentes universos possíveis consistentes com as leis da natureza que a Teoria-M permite são apenas isto: possibilidades. Eles não são mundos reais, assim como não são reais as histórias de Feynman. Segundo, não está claro que possibilidades sejam suficientes para garantir a existência de universos finamente ajustados. E se a probabilidade de ajuste fino for inferior a 1:? Isso pode ser especialmente problemático com relação às condições iniciais arbitrárias. Finalmente, será que o próprio multiverso descrito pela Teoria-M exibe sintonia fina? Se ele exibe, então o problema não é resolvido; ele apenas é levado para outro nível. Ao que tudo indica, o multiverso exibe, sim, sintonia fina, pois, como Hawking e Mlodinow notam, a Teoria-M requer exatamente onze dimensões para ser viável. Não obstante, a teoria não pode explicar por que deve existir exatamente esse número de dimensões.

Além disso, Mlodinow e Hawking nem sequer mencionam -- muito menos respondem -- à crítica incisiva que Roger Penrose faz à hipótese de Múltiplos Mundos como explicação do ajuste fino em seu livro The Road to Reality [O Caminho Para a Realidade]. De acordo com Penrose, se fôssemos apenas um membro aleatório de um multiverso, então, é incompreensivelmente mais provável que deveríamos estar observando um universo muito diferente do que àquele que observamos, o que contradiz fortemente a hipótese dos Múltiplos Mundos. Não há desculpas para Hawking deixar de responder às críticas que o ex-colaborador dele faz às suas ideias.

Resumindo, apesar das afirmações extravagantes e dos constantes ataques de Hawking e Mlodinow à crença religiosa ao longo do texto, os crentes religiosos, especialmente aqueles interessados em teologia natural, podem obter benefício genuíno da leitura do livro. Com relação ao argumento cosmológico kalam, a teoria preferida dos autores afirma o fato de um princípio absoluto do tempo e do universo, que é a premissa fundamental do argumento. Com relação ao argumento teleológico baseado no ajuste fino, os autores afirmam o fato do evidentemente milagroso ajuste fino do universo para a vida inteligente. Além disso, eles concordam que o ajuste fino não pode ser plausivelmente explicado como resultado de necessidade física ou pelo acaso na ausência de um multiverso. Considerando-se o desespero e/ou a irrelevância dos caminhos que eles escolheram para escapar desses argumentos, o livro deles acaba sendo bastante favorável à existência de um Criador e Projetista transcendente do cosmos.

- William Lane Craig