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#643 O argumento moral e o massacre dos cananeus

October 30, 2019
Q

Ouvi e li uma infinidade de suas apresentações (bem como de seu colega Frank Turek) sobre o argumento moral para deus. Acabo de ler sua resposta à pergunta neste site relacionada ao massacre dos cananeus. Percebo problemas substanciais com os argumentos e defesas que deus exige. Fico perplexo como você e Turek pensam que VOCÊS estão em posição de desafiar a comunidade secular de que não temos fundamento para compreender o “bem” e o “mal”, a não ser a partir da suposta existência de deus e, especificamente, de seu deus. É você que está enganado, fazendo mau uso do fundamento da moralidade, o que leva a confusão e incoerência explícitas de sua parte. Enquanto ateu, não vejo você apresentar nem uma narrativa histórica ou fictícia de um genocídio ou homicídio de civis (e animais domésticos) que consideraria “moral” ou “boa”. Nem uma! Mas basta escrever uma história de atrocidades que constrangeriam um Hitler ou um Stálin e inserir Javé como o perpetrador e, voilà, você e sua estirpe a chamam de “boa”. Por favor, esclareça-me onde estou errado em minha posição e perspectiva.

Timothy

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Fico contente que tenha lido minha resposta à pergunta # 16, Tim, mas sua reação contém mais vituperação do que análise. Acho que está errado em cada passo.

1. Fico perplexo como você e Turek pensam que VOCÊS estão em posição de desafiar a comunidade secular de que não temos fundamento para compreender o “bem” e o “mal”, a não ser a partir da suposta existência de deus.

(i) A alegação não é que secularistas não consigam compreender os termos “correto” e “bom” sem a existência de Deus. Enfatizo que o argumento moral não se trata de argumento sobre semântica moral (o significado de termos morais), mas sobre ontologia moral (o fundamento na realidade para valores e deveres morais objetivos). Revisando, o argumento é como segue:

1. Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não existem.

2. Valores e deveres morais objetivos existem.

3. Logo, Deus existe.

(ii) A questão que você precisa encarar não é como NÓS desafiamos a comunidade secular em relação à sua falta de fundamento para valores e deveres morais objetivos, mas como responder a membros da própria comunidade secular, como Friedrich Nietzsche, Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, que sustentam não haver, segundo o ateísmo, valores e deveres morais objetivos. Como se fundamentam valores e deveres morais objetivos (para começo de conversa...)? Na verdade, percebo que, em sua pergunta, você não afirma bem a objetividade de valores e deveres morais! Você não diz que consideraria “imoral” ou “mau” todo exemplo concebível de genocídio. Antes, você diz que não consegue conceber um exemplo de genocídio que consideraria “moral” ou “bom”. Mas é exatamente o que Nietzsche, Russell e Sartre diriam! Uma vez que não há valores e deveres morais objetivos, não se pode verdadeiramente dizer que coisa alguma é “moral” ou “boa”, senão em sentido subjetivo. 

(iii) Sua afirmação parece se basear num argumento falacioso ad hominem: já que Turek e eu somos tão maus, o que dissermos sobre valores e deveres morais deve ser falso. É óbvio que você consegue ver a falácia de um raciocínio desses. Mesmo que Turek e eu fôssemos ímprobos do ponto de vista moral, nada disso teria relevância à validade do argumento acima, que poderia ter sido gerado por uma máquina ou alguém moralmente santo.

2. É você que está enganado, fazendo mau uso do fundamento da moralidade, o que leva a confusão e incoerência explícitas de sua parte.

(i) Bem, com certeza eu poderia estar enganado, mas é preciso prová-lo, Tim. Não basta simplesmente denunciar seu oponente. De fato, refleti bastante sobre a difícil questão do massacre cananeu e penso que minha resposta seja perfeitamente compatível com meu fundamento proposto para a moralidade. Você precisa interagir com meu argumento, e não apenas reagir contra ele. Até um crítico tão hostil quanto Lawrence Krauss admitiu, em nosso diálogo na Austrália, que eu havia demonstrado com sucesso que é possível Deus ser totalmente bom e, ainda assim, ordenar o massacre cananeu. Por que você discorda de Krauss?

3. Enquanto ateu, não vejo você apresentar nem uma narrativa histórica ou fictícia de um genocídio ou homicídio de civis (e animais domésticos) que consideraria “moral” ou “boa”.

(i) Isto é só um fato de sua psicologia pessoal, Tim. É como quem diz: “Nada que você diga pode me convencer!” Talvez seja verdade, mas, do ponto de vista filosófico, é irrelevante.

(ii) O massacre dos cananeus não foi genocídio. A ordem divina foi para expeli-los da terra (Pergunta # 225). Estavam sendo removidos da terra e, portanto, destruídos enquanto nações-estados. Se tivessem simplesmente batido em retirada diante do exército israelita, ninguém teria sido morto. Deveras, muitos dos que fugiram nunca foram perseguidos ou exterminados. Não houve uma ordem assim.

(iii) O massacre dos cananeus não foi homicídio. Foi pena capital para um povo tão perverso que, após 400 anos de espera, Deus, enfim, decidiu que estavam prontos para receber a justiça.

(iv) Dei exemplo de uma narrativa da morte de civis que foi moral e justa, a saber, a morte dos cananeus. Pouco importa se você a aceita ou não. Apresentei um argumento defendendo a justiça do evento, e você precisa lidar com o argumento.

4. Basta escrever uma história de atrocidades que constrangeriam um Hitler ou um Stálin e inserir Javé como o perpetrador e, voilà, você e sua estirpe a chamam de “boa”.

(i) É visível que você não faça nenhuma ideia dos males perpetrados por Hitler e Stálin, se acha que algum deles coraria de vergonha diante da morte dos cananeus.

(ii) A inserção de uma ordem divina faz toda a diferença. Uma vez que nossos deveres morais são constituídos pelas ordens divinas, o que Deus manda é justo e correto. Obviamente, seus mandamentos devem ser compatíveis com seu caráter todo amoroso e bom. É por isso que defendi não haver incompatibilidade entre o fato de Deus ser todo amoroso e bom e sua ordem para matar os cananeus. Se você discorda, exponha a falácia no argumento.

- William Lane Craig