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Criação e a cosmologia do Big Bang

Summary

Discussões recentes suscitaram a questão das implicações metafísicas da cosmologia padrão do Big Bang. O argumento de Grünbaum, segundo o qual o princípio causal não pode ser aplicado à origem do universo, depende de um pseudodilema, uma vez que a causa não poderia agir nem antes nem depois de t = 0, mas em t = 0. A defesa de Lévy-Leblond de uma remetrificação do tempo cósmico para empurrar a singularidade para - ∞ envolve diversas dificuldades conceituais e é, de todo modo, inútil, uma vez que o começo do universo não é eliminado. A aversão de Maddox às possíveis implicações metafísicas do modelo padrão indica um cientificismo estreito. A cosmogonia padrão do Big Bang parece, portanto, ter essas implicações metafísicas que alguns acham tão desconcertantes.

Fonte: "Creation and Big Bang Cosmology". Philosophia naturalis 31 (1994): 217-224.

Muitos anos atrás, Robert Jastrow, conhecido escritor de ciência, deixou eriçou as penas científicas, afirmando em seu pequeno livro God and the Astronomers [Deus e os astrônomos] [(1978), pp. 113-116] que muitos cosmólogos têm aversão profunda às possíveis implicações metafísicas e, certamente, teológicas da cosmogonia clássica do Big Bang. Correspondência recente enviada à revista britânica de ciência Nature parece confirmar este juízo [Maddox (1989), Lévy-Leblond (1989), Grünbaum (1990)]. J. Maddox antecipa ansiosamente a queda do modelo do Big Bang porque nele os criacionistas têm "ampla justificativa" para o seu credo teísta; J.-M. Lévy-Leblond procura, em vez disso, subverter as implicações metafísicas da teoria do Big Bang mediante uma remetrificação do tempo cósmico, de modo a empurrar a origem do universo de volta à infinidade, à qual "parece pertencer"; A. Grünbaum não vê nenhuma exigência para tal dispositivo, uma vez que a concepção de uma causa da singularidade cosmológica inicial é contraditória e a questão acerca do que causou a origem do universo, portanto, um "pseudoproblema".

Ao refletir sobre essa disputa, parece-me que fracassa a tentativa de Grünbaum de provocar uma contradição a partir da concepção de uma causa do Big Bang, e que Maddox está, portanto, certo ao concluir que o modelo clássico tem certas implicações metafísicas; por outro lado, também fracassam as tentativas de Maddox e Lévy-Leblond de evitar ou desacreditar essas implicações.

O argumento de Grünbaum é que, mesmo se assumirmos que t0é um instante bem definido em que a singularidade do Big Bang ocorreu, este "evento" não pode ter uma causa anterior, pois simplesmente não existiam quaisquer instantes antes de t0. A singularidade do Big Bang "não pode ter qualquer causa no universo" (presumivelmente porque causalidade reversa é impossível) nem pode ser "o efeito de qualquer causa anterior" (porque o tempo não existia antes de t0). Conforme Grünbaum deixa claro em outros lugares [(1991), p. 248], este argumento não depende, essencialmente, da suposição de que t0 foi o primeiro instante de tempo, em vez de um ponto singular que constitui o limite de tempo, o que, por analogia a uma série de frações convergindo para zero como limite, não tem primeiro instante. Em ambos os casos, a objeção continua a mesma: uma vez que nenhum instante de tempo existia antes de t0, não pode haver nenhuma causa antecedente da singularidade cosmológica inicial. Portanto, essa singularidade deve ser singularmente incausada e a questão da origem última apresentada por Maddox, inadequada.

Infelizmente, a objeção de Grünbaum é, com toda clareza, um pseudodilema. Ela não considera a alternativa óbvia de que a causa do Big Bang operou em t0, isto é, simultaneamente (ou coincidentemente [1]) ao Big Bang. Discussões filosóficas de direcionamento causal rotineiramente abordam causalidade simultânea, sendo que a pergunta trata do modo de distinguir A como a causa e B como o efeito, quando estes ocorrem ao mesmo tempo [Dummett e Flew (1954); Mackie (1966); Suchting (1968-1969); Brier (1974), pp 91-98; Brand (1979)]. [2] Mesmo num nível corriqueiro, regularmente experimentamos causalidade simultânea; tomando emprestado um exemplo de Kant, uma bola pesada que repousa numa almofada é a causa de uma depressão naquela almofada. [3] De fato, alguns filósofos argumentam que toda causação eficiente é simultânea, pois, se as condições causais suficientes para algum evento E estivessem presentes antes do tempo t da ocorrência de E, então E aconteceria antes de t; da mesma forma, se as condições causais para E desaparecessem em t, depois de ter existido em tn < t, então E não ocorreria em t. De todo modo, parece não haver nenhuma dificuldade conceitual em dizer que a causa da origem do universo agiu simultaneamente (ou coincidentemente) à origem do universo. Devemos, portanto, dizer que a causa da origem do universo é causalmente anterior ao Big Bang, embora não temporalmente anterior ao Big Bang. Neste caso, pode-se dizer que a causa existe atemporal e eternamente sem o universo, mas temporalmente na sequência do momento da criação.

Por que, porém, pensar que tal causa existe? De forma muito simples, a inferência causal é baseada na intuição metafísica de que algo não pode surgir de absolutamente nada. Uma potencialidade pura não pode se autorrealizar. No caso do universo (incluindo quaisquer pontos limítrofes), não havia nada fisicamente anterior à singularidade inicial. [4] A potencialidade para a existência do universo não poderia, portanto, ter estado em si mesma, uma vez que não existia antes da singularidade. Na hipótese teísta, a potencialidade da existência do universo estava no poder de Deus para criá-lo. Na hipótese ateísta, não havia nem sequer a potencialidade para a existência do universo. Mas, então, parece inconcebível que o universo deveria tornar-se real se não existia qualquer potencialidade para a sua existência. Parece-me, portanto, que um pouco de reflexão nos leva à conclusão de que a origem do universo teve uma causa.

Pela natureza do caso envolvido, esta causa deve ter transcendido o espaço e o tempo (pelo menos sem o universo) e, portanto, ser incausada, sem mudança, eterna, imaterial e tremendamente poderosa. Além disso, como já afirmei em outro lugar [Craig (1979), pp. 149-153; (1991), pp. 104-108], a causa mais plausível é interpretada como sendo pessoal. Isto porque a única maneira em que um efeito temporal poderia se originar de uma causa eterna e imutável parece ser se a causa é um agente pessoal que eternamente escolhe criar um efeito no tempo. Uma causa imutável operando mecanicamente produziria um efeito imemorial ou nenhum; porém, um agente dotado de livre-arbítrio pode ter uma determinação eterna para operar causalmente em um (primeiro) momento do tempo e, assim, produzir um primeiro efeito temporal. Logo, a causa do universo é plausivelmente considerada como pessoal. Esta conclusão recebe confirmação da incrível complexidade das condições iniciais no início do universo, que mostram projeto inteligente [Leslie (1990)]. Esses atributos são algumas das propriedades fundamentais do que os teístas entendem por "Deus".

Lévy-Leblond evitará esta implicação metafísica, adotando a remetrificação do tempo cósmico de Misner, que converte o intervalo de tempo físico de [t0, ∞[ para ]- ∞, + ∞[. Ele aparentemente pensa que, ao tornar a singularidade cosmológica inicial infinitamente distante no passado métrico, pode-se, assim, ignorar as questões metafísicas que ela suscita. Por que, porém, deveríamos considerar a métrica temporal de Misner como uma descrição factual objetiva do passado real do universo, em vez da métrica padrão? Lévy-Leblond parece sugerir três razões: (1) uma vez que a singularidade não pertence ao passado do universo, encontrando-se no limite do passado, este "instante-fora-de-alcance" pode ser considerado infinitamente remoto; (2) na analogia do limite de velocidade c e zero absoluto, devemos aceitar "a ideia de um tempo de origem antes do qual o conceito de tempo não faz sentido"; (3) uma vez que, de acordo com a TGR, a escolha de coordenadas utilizadas para descrever o universo é arbitrária, temos a liberdade de modificar os parâmetros espaço-temporais por meio dos quais a métrica Robertson-Walker é expressa e, portanto, remeter a origem do tempo de volta a menos infinito.

Estes são, no entanto, motivos insuficientes para preferir a remetrificação de Misner: (1) A singularidade está fora de alcance na métrica padrão somente se alguém se aproxima dela por intervalo aberto, instante a instante; porém, se nós regredirmos por distâncias de intervalos temporais iguais diferentes de zero, chegamos a uma origem absoluta do universo em um número finito de passos, porque chegamos a um primeiro ano ou hora ou segundo, ou o que você quiser, mesmo que estes segmentos temporais não tenham um primeiro instante [Smith (1985)]. A singularidade é o ponto fronteiriço do primeiro segmento temporal e, por conseguinte, não é infinitamente remota. (2) Na métrica padrão, temos uma origem de tempo antes do qual o conceito de tempo não faz sentido, de modo que isso não fornece nenhuma justificativa para uma remetrificação. (3) Enquanto TGR, considerada in abstracto, não estabelece nenhuma fórmula para fatiar o espaço-tempo uma multiplicidade de vezes, determinados modelos de espaço-tempo, como o modelo de Friedmann, têm uma geometria física dinâmica e evolutiva que está ligada às condições de limite de homogeneidade e isotropia do fluido cosmológico e que resulta em certas simetrias naturais que servem como marcadores para a folheação preferida do espaço-tempo e a atribuição de um parâmetro de tempo cósmico [Misner, et. al. (1973), p. 714]. A indeterminação da teoria in abstracto é simplesmente irrelevante para que se prefiram alguns relógios não-padrão para marcar o tempo cósmico, em vez de um relógio padrão.

Por outro lado, existem razões positivas para rejeitar a prescrição de Lévy-Leblond: (1) Enquanto a métrica de tempo é convencional em um sentido trivial, compartilhado por todas as quantidades físicas, a nossa escolha de uma métrica é limitada por nossas concepções pré-teóricas de congruência temporal. Uma métrica que atribui intervalos temporais iguais, digamos, a minha hora de almoço e ao período de formação de galáxias pode satisfazer todos os axiomas formais de congruência e, ainda assim, não seria uma teoria de congruência temporal; qualquer propriedade compartilhada num mesmo grau pelo intervalo de formação de galáxias e pelo meu almoço simplesmente não é a duração temporal [Friedman (1973), pp. 231-232]. Da mesma forma, uma métrica que atribui ao universo uma idade infinita e duração temporal infinita no passado, como Milne fez em propor sua parâmetro τ [Milne (1948)], simplesmente não é factualmente objetiva, mas se trata de um artifício matemático. (2) Ao remeter a singularidade cosmológica inicial de volta a menos infinito (Ι + * ω), Lévy-Leblond vai em cheio no absurdo de um passado infinito como argumentado por G. J. Whitrow [1980], a saber, que é impossível que qualquer evento presente recue infinitamente distante no passado. Normalmente, responde-se a Whitrow salientando que um passado infinito não implica eventos infinitamente distantes; porém, para Lévy-Leblond, tal recurso não está disponível, porque ele fez da origem do universo um "evento" infinitamente distante ou entidade na fronteira do passado. (3) No mesmo sentido, a remetrificação de Misner, apesar de seus protestos, é vítima dos paradoxos de movimento de Zenão, em que seria impossível passar pela série infinita de intervalos que separam qualquer momento t da origem singular do universo [Bartels (1986), p. 112]. A rota de fuga habitual — em que os intervalos convergem em tamanho em direção a zero — não pode funcionar para Misner porque, redefinindo o que conta como temporalmente congruente a fim de alcançar uma idade infinita para o universo, ele, na verdade, igualou os intervalos em comprimento, de tal modo que o paradoxo da Dicotomia de Zenão passe com plena força. (4) Uma vez que a escala de tempo de Misner não remove o início físico do universo na singularidade cosmológica inicial, mas meramente reatribui seus dados, em última análise não faz nada para evitar os problemas metafísicos associados a uma origem absoluta. Nós só deveríamos ser obrigados a dizer que nessa escala de tempo peculiar o universo veio a existir e assim foi criado um tempo infinito atrás. [5] A prescrição de Lévy-Leblond para evitar as implicações metafísicas tão temidas por Maddox parece, portanto, totalmente inútil.

Isso nos traz de volta à preocupação de Maddox: fazer esses tipos de inferências metafísicas leva alguém ao descrédito? Maddox parece pensar que tais inferências ofuscam "uma questão importante, a da origem última do mundo”. Parece-me, no entanto, que ele já decidiu com antecedência que tipo de respostas para essa pergunta devem ser consideradas aceitáveis. Parece tratar-se de um preconceito filosófico de sua parte. Como Jastrow enfatizou, a busca que o cientista faz do passado termina no momento da criação; porém, simplesmente enquanto homens e mulheres desejosos de descobrir o sentido da vida e do universo, devemos ser excluídos a priori de chegar a conclusões metafísicas que nos pareçam plausíveis?

Obviamente, como Grünbaum nos lembra, trata-se de uma questão empírica a possibilidade de que a cosmogonia clássica do Big Bang seja uma descrição realista da origem do universo. Porém, modelos alternativos, sejam eles modelos quânticos [Craig (1993)] ou modelos plasmáticos [Kevles (1991)] ainda não se provaram convincentes. Por isso, parece-me que, gostemos ou não, a teoria cosmológica atualmente aceita dá apoio tangível à doutrina teísta de creatio ex nihilo.

Referências

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Brand, Miles. [1979]. "Causality", em Current Research in Philosophy of Science: Proceedings of the P.S.A. Critical Research Problems Conference, pp. 252-281. Ed. P.D.

Asquith e H. E. Kyburg, Jr. East Lansing, Mich.: Philosophy of Science Association.

Brier, Bob. [1974]. Precognition and the Philosophy of Science: An Essay on Backward Causation. Nova Iorque: Humanities Press.

Craig, William Lane. [1993]. "The Caused Beginning of the Universe: a Response to Quentin Smith”. British Journal for the Philosophy of Science 44, pp. 623-639.

Craig, William Lane. [1979]. The Kalam Cosmological Argument. Library of Philosophy and Religion. Londres: Macmillan.

Craig, William Lane. [1991]. "The Kalam Cosmological Argument and the Hypothesis of a Quiescent Universe”. Faith and Philosophy 8, pp. 104-108.

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Dummett, A. E. e Flew, A. [1954]. "Can an Effect Precede its Cause?" Em Belief and Will, pp. 27-62. Aristotelian Society Supplementary Volume 28. Londres: Harrison & Sons.

Friedman, Michael. [1973]. "Grünbaum on the Conventionality of Geometry”. Em Space, Time and Geometry, pp. 231-232. Ed. Patrick Suppes. Dordrecht: D. Reidel.

Grünbaum, Adolf. [1990]. "Pseudo-Creation of the Big Bang”. Nature 344, pp. 821-822.

Grünbaum, Adolf. [1991]. "Creation as a Pseudo-Explanation in Current Physical Cosmology”. Erkenntnis 35, pp. 233-254.

Jastrow, Robert. [1978]. God and the Astronomers. Nova Iorque: W.W. Norton.

Kevles, D.J. [May 16, 1991]. "The Final Secret of the Universe?" New York Review of Books 38/9, p. 31.

Leslie, John. [1990]. Universes. Londres: Routledge.

Lévy-Leblond, Jean-Marc. [1989]. "The Unbegun Big Bang”. Nature 342, p. 23.

Mackie, J.L. [1966]. "The Direction of Causation”. Philosophical Review 75, pp. 441-466.

Maddox, John. [1989]. "Down with the Big Bang”. Nature 340, p. 425.

Milne, E. A. [1948]. Kinematic Relativity. Oxford: Clarendon Press.

Misner, C. W.; Thorne, K.S.; Wheeler, J.A. [1973].Gravitation. São Francisco: W.W. Norton.

Smith, Quentin. [1985]. "On the Beginning of Time”. Noûs 19, pp. 579-584.

Suchting, W. A. [1968-69]. "Professor Mackie on the Direction of Causation”. Philosophy and Phenomenological Research 29, pp. 289-291.

Whitrow, G. J. [1980]. The Natural Philosophy of Time. 2. ed. Oxford: Clarendon Press.

  • [1]

    Coincidentemente, caso "simultaneidade" seja estritamente definido no sentido de ocorrência no mesmo tempo. Uma vez que a singularidade não é um instante ou momento de tempo, mas um limite de tempo, uma causa produzindo seu efeito na singularidade pode não ser estritamente definida como simultânea ao seu efeito. No entanto, ambos ocorrem coincidentemente (no sentido literal da palavra), ou seja, ambos ocorrer em t0.

  • [2]

    No caso do ato de criação divina do universo, é, obviamente, evidente qual é a causa e qual o efeito, uma vez que é metafisicamente impossível que Deus tenha uma causa externa.

  • [3]

    Seria em vão opor-se à solução proposta de que causalidade simultânea é impossível em razão da velocidade finita da propagação de influências causais físicas, pois (1) a objeção não é capaz de dar conta do fato de que causas remotas estão ligadas por cadeias causais às causas imediatas dos eventos em questão, de tal forma que, para qualquer intervalo de tempo diferente de zero, arbitrariamente escolhido, em que o evento ocorre simultaneamente com a sua causa, pode-se denominar subintervalos diferentes de zero em que causas remotas, intermediárias e imediatas podem ser identificadas na cadeia causal, com o resultado de que causalidade simultânea nunca é eliminada, e (2) a objeção é irrelevante para o caso da criação, uma vez que Deus não é um objeto físico dependente de sinais causais de velocidade finita, mas, como alguém que transcende espaço, é imediatamente presente mediante Seu conhecimento e poder sobre cada ponto do espaço (ou em seu limite).

  • [4]

    Isso não deve ser interpretado como se significasse que houve um tempo vazio antes da singularidade, pois o tempo começa ex hypothesi no momento da criação. Quero dizer que é falso que algo existia antes da singularidade.

  • [5]

    Observe, portanto, que o artigo de Lévy-Leblond foi intitulado de forma errônea, pois em sua visão o universo tem um ponto de início infinitamente distante.