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#391 A Atemporalidade de Deus sem a Criação

May 16, 2015
Q

Dr. Craig,

Eu sou um admirador de longa data do seu trabalho. Embora eu não seja um cristão, o seu trabalho como um filósofo e teólogo tem desempenhado um papel significativo na formação das minhas próprias visões e estou completamente persuadido do teísmo, embora eu ainda tenha muitas perguntas sobre ele. Penso que sua análise da relação de Deus com o tempo é plausível, mas eu sempre fico preso na ideia de que Deus é atemporal à parte da criação, mas temporal desde sua criação.

Deixe-me começar por explicar de onde eu estou vindo. Estou absolutamente convencido de que uma série realmente infinita de eventos no passado é impossível, e isso inclui todos os eventos mentais que ocorressem mesmo se não houvesse o mundo físico. O tempo não pode ficar sem um começo (pelo menos essa é a minha compreensão, mas sinta-se livre para me corrigir). Uma vez que eu acredito na realidade objetiva de tornar-se temporal (temporal becoming), eu rejeito a teoria B do tempo e aceito a teoria A. Além disso, estou plenamente de acordo com a primeira premissa do argumento Kalam, de que tudo o que começa a existir deve ter uma causa, e por isso eu nem sequer deixo o ateísmo aberto como uma opção. Em tudo isso, eu concordo com você.

Logicamente, então, eu entendo como podemos chegar a essa ideia da atemporalidade de Deus à parte da criação, e da temporalidade desde a criação. Se eu tivesse que tomar uma posição sobre o assunto, eu escolheria esta, já que parece a menos absurda para mim de todas as outras opções. Mas no final do dia, ainda me parece um absurdo, e isso me incomoda. Então, aqui é onde eu fico preso:

No sua visão da relação de Deus com o tempo (ou pelo menos a minha compreensão da sua visão), é verdadeiro agora que Deus é temporal; ele não é atemporal. Também é verdadeiro que Deus nunca vai existir atemporalmente de novo (supondo que Deus quer que os seres humanos vivam para sempre). No entanto, também é verdadeiro que Deus não "costumava" existir atemporalmente. A pergunta sobre quando Deus existia em um estado atemporal é sem sentido. Mas então, como Deus pode ter uma "fase" atemporal em sua vida? Como essas fases são relacionadas entre si se não temporalmente? Até mesmo dizer, como eu disse há pouco, que Deus nunca vai existir atemporalmente "de novo" parece problemático.

Suponhamos que Deus decida revogar a criação, por assim dizer, e destrua tudo para que ele seja a única coisa que resta na existência, e como ele nunca deseja criar qualquer outra coisa, ele entra em um estado imutável. Eu não consigo ver alguma impossibilidade lógica com esse cenário. Mas, então, parece que teríamos uma fase temporal finita de alguma forma prensada entre duas fases atemporais diferentes. Como pode ser isso? Isso não nega a ideia de Deus existindo atemporalmente como um todo?

Como uma última pergunta, percebo que no seu livro “Tempo e Eternidade”, os únicos exemplos que você menciona de coisas que poderiam existir atemporalmente, além de Deus, são objetos abstratos. Mas suponhamos que eu não acredite que objetos abstratos até mesmo existam. Existem outros exemplos de seres atemporais? Ou seria apenas Deus? E se é impossível oferecer uma imagem inteligível da atemporalidade divina, isso torna o conceito inútil?

Eu não estou pessoalmente sendo atraído para o ateísmo; eu estou apenas evitando que a minha cabeça exploda. Por favor ajude.

Sinceramente,

Dan

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Embora eu esteja triste pela sua perda da fé cristã - que espero venha a ser apenas temporária, como tem sido para muitos outros-, estou grato pela sua pergunta provocativa, Dan. Acredite ou não, a sua pergunta foi abordada por al-Ghazali em sua brilhante e clássica obra “The Incoherence of the Philosophers” [A Incoerência dos Filósofos]. Tenho discutido a resposta de Ghazali em um artigo não publicado “The Coherence of the Incoherence: Al-Ghazali on God, Time, and Creation,” [A Coerência da Incoerência: Al-Ghazali em Deus, Tempo e Criação], que eu escrevi há alguns anos para um volume planejado de ensaios a ser editado por Paul Helm que, infelizmente, nunca se concretizou. Eu vou compartilhar aqui alguns dos conteúdos deste artigo.

Ghazali mantém que o tempo começa no momento da criação, de modo que Deus existe atemporalmente sem o universo. Ele, então, imagina como seria se Deus aniquilasse o universo de modo que a realidade consistisse de um estado atemporal de Deus existindo sem a criação. [1] A pergunta que surge é de como esses estados atemporais são diferenciados um do outro. Intuitivamente, queremos dizer que um estado é anterior à existência do mundo e o outro posterior; mas isso não pode ser literalmente verdadeiro. Como você nota, "A pergunta sobre quando Deus existia em um estado atemporal é sem sentido. Mas então, como Deus pode ter uma "fase" atemporal em sua vida? Como essas fases são relacionadas entre si se não temporalmente?"

A resposta de Ghazali é brilhante e antecipa a física matemática moderna. Ele torna claro que os dois estados de Deus existindo sem o mundo não devem ser distinguidos um do outro, no sentido que um é passado e o outro futuro. Eles são simplesmente estados atemporais, que, como ele diz, incluem apenas a existência de um ser (Deus) e a não-existência do outro (o mundo). Esses estados podem ser coerentemente descritos como Deus existindo sozinho, sem o mundo. Um não é anterior ao mundo e o outro posterior ao mundo como se existisse espacialmente algo acima do mundo ou abaixo do mundo. Então, como devemos entender as locuções como "Deus existia antes do mundo"? Ghazali responde,

[...] Quando somos perguntados se o mundo tem um 'antes', nós podemos responder: Se isso quer dizer se a existência do mundo tem um começo, isto é, um de seus próprios limites em que ele começou tem um "antes" [...] mas se você quer dizer outra coisa com o 'antes', então o mundo não tem um 'antes' [...] Seu 'antes' é o começo de sua existência onde ele é limitado (naquela direção). Não tem nada externo a ele que poderia ser chamado de seu 'antes'. [2]

Podemos formular uma explicação paralela em relação às locuções como "Deus irá existir depois do mundo":

Quando somos perguntados se o mundo tem um 'depois', nós podemos responder: Se isso quer dizer se a existência do mundo tem um fim, isto é, um de seus próprios limites em que ele vai acabar, ele tem um 'depois'. Mas se você quer dizer outra coisa com 'depois', então o mundo não tem 'depois'. Seu 'depois' é o fim da sua existência onde ele é limitado (naquela direção). Não tem nada externo a ele que poderia ser chamado de seu 'depois'.

Aqui Ghazali, como físicos matemáticos contemporâneos, formula sua compreensão do começo (e final) do tempo em termos de propriedades topológicas internas do mundo, em vez de postular de forma ilícita alguma relação externa aos estados antes ou depois do mundo. Este procedimento sugere que Ghazali poderia distinguir os dois estados da existência de Deus sem o mundo em termos da conexão deles com o presente: um é atingido regredindo para passado até seu limite no começo do tempo, enquanto o outro é atingido progredindo para o futuro ao seu limite no final do tempo. Uma vez que esses dois estados são, portanto, possíveis de se discernir, segue, do princípio da Indiscernibilidade de Idênticos, que eles são estados distintos, se intrinsecamente semelhante.

Você protesta: "Mas, então, parece que teríamos uma fase temporal finita de alguma forma prensada entre duas fases atemporais diferentes. Como pode ser isso? Isso não nega a ideia de Deus existindo atemporalmente como um todo?" Ghazali iria corretamente negar a sua inferência. Como ele observa, não há uma dimensão externa na qual Deus e o mundo são incorporados. Portanto, não há sanduíche, temporalmente falando. Você apenas alcança as diferentes fases atemporais seguindo a flecha interna do tempo em direções opostas.

Quanto à sua última pergunta, eu não consigo pensar em qualquer outro tipo de objeto que os filósofos têm considerado como existindo atemporalmente além de Deus e vários objetos abstratos. Nenhum objeto material concreto pode existir atemporalmente, uma vez que sempre haverá pelo menos movimento atômico acontecendo. Assim, um objeto concreto existindo atemporalmente além de Deus teria que ser algo como um ser angelical, mas estes não são normalmente considerados como existindo atemporalmente.

Mas, hey, por que ser tão relutante de objetos abstratos? Esta é apenas uma categoria ontológica ampla que inclui todos os tipos de coisas diferentes: números, conjuntos, funções, outros objetos matemáticos, proposições, propriedades, mundos possíveis, e assim por diante. Esses são exemplos o suficiente de coisas muitas vezes consideradas como existindo atemporalmente. O motivo de apelar para tais exemplos, é claro, não é alegar que tais abstracta realmente existem, mas apenas para mostrar a coerência da ideia de entidades existindo atemporalmente. Isso é suficiente para silenciar o crítico que é tão ousado a ponto de afirmar que a existência atemporal é impossível.

  • [1]

    Note que a minha visão é diferente da de Ghazali em que ele pensa que na criação do universo Deus não deixa de ser atemporal, para que Deus em sua visão não iria retomar um estado de atemporalidade. Antes, Deus existe ininterruptamente atemporalmente, e o mundo temporal simplesmente deixa de existir. No meu ponto de vista, tendo-se tornado temporal no momento da criação, Deus nunca poderá reverter a atemporalidade, uma vez que mesmo que Deus aniquilasse o mundo e voltasse ao estado sem mudança, Deus ainda teria memórias do passado e seria para sempre verdade que Deus costumava ser temporal.

  • [2]

    Al-Ghazali, Tahafut al-Falasifah, trans. SA Kamali (Lahore: Paquistão Philosophical Congress, 1963), pp 40-41.

- William Lane Craig