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#552 A criação divina subentende um começo?

January 08, 2018
Q

Caro Dr. Craig,

Sou teólogo leigo argentino com doutorado da Universidade Católica Argentina (com tese sobre a interação entre cosmologia científica e escatologia), além de programador científico no Comitê Nacional de Energia Atômica. Também criei recentemente uma página de apologética: “razonesparalafe.org”.

Gostaria de fazer a seguinte pergunta:

São Tomás de Aquino ensinou que sabemos somente pela fé que o universo teve um começo, mas isto não contradiria a razão para postular a criação divina de um mundo eterno (cf. “Da eternidade do mundo”). Talvez ele tivesse pensado de outro modo, se conhecesse os fortes argumentos sobre o começo do espaço-tempo a partir do Big Bang ou a descoberta da Segunda Lei da Termodinâmica.

No entanto, o que Tomás queria enfatizar é que não existe nenhuma correlação essencial entre o início temporal do cosmo e sua origem metafísica, pois esta última é o ato pelo qual Deus sustenta em seu ser o universo desde a eternidade (Summa theologica I, q 44, a 1), independentemente de seu começo ou estrutura. Assim, não há nenhuma distinção entre o começo e quaisquer de seus momentos subsequentes da perspectiva do ato criador em si (Summa theologica I, q 44, a 1, ad 4).

Minha pergunta é: em vista do argumento cosmológico kalam, o senhor acha que existe alguma correlação entre os modelos científicos cosmogônicos do começo do cosmo e sua origem metafísica a partir da criação divina? Ou, então, o senhor partilha da opinião de São Tomás de que seria possível para Deus criar um universo sem começo temporal? (Obviamente, ainda tendo sua existência dependente do ato divino criador.)

Faço esta pergunta porque considero que uma apresentação muito tendenciosa do argumento kalam (claro, não é seu caso) que coloca exclusivamente o ato de criação na singularidade inicial talvez incorra em interpretações concordistas, que, por exemplo, associariam o “Haja luz!” de Gênesis 1 com o evento do Big Bang.

Muito obrigado.

Cordialmente,

Claudio

Argentina

Dr. Craig responde


A

Obrigado por seu fiel serviço ao Senhor na Argentina, Claudio! Que Deus use grandemente seu ministério!

Sua carta diz respeito a um dos muitos pontos nos quais discordo de Tomás de Aquino. Apesar de sua posição de autoridade no pensamento católico, eu o incentivo a pensar independentemente e não recear desafiá-lo, quando apropriado.

Tomás considerava os argumentos kalam para o começo do universo — os quais ele conhecia dos teólogos islâmicos medievais — como se fossem, na melhor das hipóteses, inconclusivos. Ele pensava que deveríamos empregar apenas demonstrações estritas ao provar a existência de Deus para descrentes, e não argumentos de probabilidade. (Desconsidere o fato de que seus próprios argumentos não chegaram a um padrão tão elevado assim!) Uma vez que os argumentos kalam não estabeleceram a conclusão com certeza absoluta, ele não os considerava partes exitosas da teologia natural. Portanto, mesmo que Tomás soubesse dos indícios da cosmologia contemporânea para o começo do universo, ele ainda assim teria dito que ficavam aquém da demonstração estrita, sendo incapazes de provar que o universo começou a existir. Não é preciso dizer que praticamente nenhum filósofo atual exige um padrão tão elevado para o que constitui um bom argumento. Um bom argumento pode estabelecer sua conclusão como sendo mais provável do que improvável.

Pois bem, Tomás pensava que a criação a partir do nada era simplesmente a outorga divina do ser, independentemente da coisa criada ter um começo temporal ou não. Tomás, portanto, não distinguiu entre Deus criando algo e Deus conservando a existência de algo. Pois a ação divina, em qualquer um dos casos, é a mesma.

Intuitivamente, porém, estas noções parecem distintas. Conforme observou o teólogo medieval João Duns Escoto:

A rigor… só é verdade dizer que uma criatura é criada no primeiro momento (de sua existência) e somente após aquele momento ela é conservada, pois somente então seu ser tem para si esta ordem como algo que estava, por assim dizer, ali antes. Por causa destas diferentes relações conceituais subentendidas pelas palavras “criar” e “conservar”, segue que uma não se aplica a algo quando a outra o faz.[1]

Para uma análise da diferença entre criação e conservação, recomendo meu artigo “Creation, Providence, and Miracle” [Criação, providência e milagre]. Vou resumir o que disse ali sobre a diferença.

Intuitivamente, a criação envolve Deus trazendo algo à existência que não estava ali antes. Podemos explicar esta noção como segue. Para uma entidade e e um tempo t,

Deus cria e em t se Deus faz com que e venha a existir em t, onde e vem a existir em t se (i) e existe em t, (ii) t é o primeiro momento em que e existe, e (iii) a existência de e em t é um fato flexivo.

Em contraste, podemos explicar a conservação divina como segue:

Deus conserva e se Deus age sobre e para trazer à existência e de t até algum t*>t através de todo subintervalo do intervalo [t, t*].

Na criação, Deus não age num sujeito, mas constitui o sujeito por sua ação; em contraste, na conservação, Deus age num sujeito existente para perpetuar sua existência. É este o significado da observação de Duns Escoto de que somente na conservação a criatura “tem para si esta ordem como algo que estava, por assim dizer, ali antes”. A diferença fundamental entre criação e conservação, portanto, está no fato de que, na conservação, em oposição à criação, pressupõe-se um sujeito sobre o qual Deus age. Além disso, enquanto a criação pode ocorrer num instante, a conservação envolve transição e, portanto, não pode ocorrer num instante.

A criação e a conservação, portanto, não podem ser analisadas adequadamente em relação apenas ao ato divino, mas envolve relação com o objeto do ato. O ato em si (causar a existência) talvez seja o mesmo em ambos os casos, mas, em um deles, pode ser instantâneo e não pressupõe nenhum objeto anterior, ao passo que, no outro, ocorre durante um intervalo e envolve, de fato, um objeto anterior.

Assim, em resposta a suas perguntas, Claudio, não, não “partilho da opinião de São Tomás de que seria possível para Deus criar um universo sem começo temporal”. Na verdade, não acho que seria possível para Deus conservar um universo sem começo temporal, pois tal universo sem começo é excluído pelos argumentos kalam contra a infinidade do passado. Será que acho que “existe alguma correlação entre os modelos científicos cosmogônicos do começo do cosmo e sua origem metafísica a partir da criação divina?” Sim, minha inclinação é pensar que o começo do tempo cósmico apresentado em modelos cosmogônicos contemporâneos também marca o momento da criação divina. Obviamente, é possível que, antes do começo do tempo cósmico, Deus também estivesse criando domínios angelicais numa espécie de tempo metafísico. Porém, não temos nenhum motivo para postular um tempo assim antes do começo do tempo cósmico, de modo que é mais simples supor que o começo do tempo cósmico simplesmente é o momento da criação. Como você mesmo reconhece, afirmar isto não tem nenhuma implicação para uma hermenêutica concordista, que tenta forçar a leitura da cosmogonia contemporânea na Bíblia.

 

[1] João Duns Escoto, God and Creatures, trad. E. Alluntis e A. Wolter (Princeton: Princeton University Press, 1975), p. 276.

- William Lane Craig