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#165 A Ética Teísta Deriva “Deve” de “É”?

October 28, 2014
Q

Dr. Craig,

Como muitos outros, eu gostaria de começar a minha pergunta por lhe agradecer o incentivo que sua defesa racional da fé cristã e seu exemplo como Cristo tem sido para mim através da minha jornada espiritual. Você foi um herói intelectual meu nos últimos cinco anos. Nesse tempo, eu me tornei familiarizado com o argumento moral para a existência de Deus que você defende. Embora eu intuitivamente ache este argumento plausível, encontro-me incapaz de responder quatro perguntas que lhe dizem respeito.

1. Uma justificação teísta da moralidade deriva um "deve" de um "é?" O teísta fundamenta, em última instância, valores morais na natureza imutável de Deus. Mas isso parece o mesmo que dizer que, porque Deus é, de certa forma nós, devemos nos comportar de determinada maneira. Isso não é derivar um "deve" de um "é?"

2. Como o defensor do argumento moral deve definir "certo" e "errado?" A primeira premissa do argumento moral sustenta que, se Deus não existisse, nem existiriam valores morais objetivos. Além disso, você define "valores morais objetivos" como valores que são certos ou errados independentemente do que os outros acreditam. Por isso, parece-me, a verdade da primeira premissa depende do que se entende por "certo" e "errado". Em outro lugar, você define o "certo" e "errado" em termos de mandamentos de Deus. Mas, se o proponente do argumento moral define o "certo" e "errado" desta forma, o argumento torna-se petição de princípio. Ao mesmo tempo, entretanto, o proponente do argumento moral não pode conceder uma definição naturalista de "certo" e "errado", digamos, por exemplo, "o que é propício para a sobrevivência." Pois, uma vez que existem fatos objetivos quanto ao que é e o que não é propício para a sobrevivência, algo que é ou não é propício para a sobrevivência pode ser moralmente certo ou errado, independentemente das crenças dos outros e, portanto, pela sua definição, constituiria valores morais objetivos. Mas tal entendimento naturalista de valores morais não precisa apelar para Deus, e, assim, se "certo" e “errado" fossem assim definidos, a primeira premissa do argumento moral seria falsa. Então, como deve o proponente do argumento moral definir "certo" e "errado", de modo a não tornar o argumento uma petição de princípio ao mesmo tempo, não permitindo definições naturalistas?

3. O argumento moral é uma boa peça de teologia natural? A segunda premissa do argumento moral é, penso eu, não somente verdade, mas, obviamente verdadeira. Assim como você, Dr. Craig, eu acho que a crença em valores morais objetivos é propriamente básica: podemos simplesmente ver que algumas coisas são realmente certas e erradas. Mas, se o proponente do argumento moral define "certo" e "errado" de alguma forma não-naturalista, então parece menos claro, para mim, que são esses tipos de valores morais que nós apreendemos. Como J.L. Mackie observou, valores morais não-naturalistas são tipos estranhos de entidades; e, embora, talvez, um filósofo treinado possa ter tais valores morais em mente ao julgar algo como certo ou errado, o leigo, parece-me, provavelmente não. Assim, parece que os valores morais não-naturalistas não são propriamente básicos. Mas, somente se forem esses valores morais não-naturalistas, que todos reconhecemos no mundo, é que o argumento moral será uma boa peça de teologia natural. Então, como é que sabemos que os valores morais que todos nós afirmamos na segunda premissa são os mesmos valores morais definidos de forma não-naturalista na primeira premissa? Ou seja, como é que sabemos que não estamos realmente afirmando alguns valores morais naturais reducionistas em vez disso?

4. Valores morais objetivos implicam existência proposital? Ao pensar sobre a primeira premissa do argumento moral, eu criei o que me parece ser um argumento plausível para apoiá-la. Esse argumento é o seguinte:

1. Se Deus não existe, então o universo não tem propósito.

2. Se o universo não tem propósito, então valores morais objetivos não existem.

3. Portanto, se Deus não existe, então valores morais objetivos não existem.

Eu acho que a maioria dos ateus concordaria com a primeira premissa; portanto, é a segunda premissa que é crucial para o argumento. Devo admitir, porém, que eu acho essa premissa plausível apenas em bases intuitivas. Eu simplesmente não consigo ver como alguém pode dizer que o universo não tem propósito e, depois, no mesmo suspiro, afirmar que existem maneiras como deveríamos nos comportar. Pois, em um universo sem propósito, eu nem deveria estar aqui; eu apenas sou, por acidente. Mas, se eu não deveria estar aqui, então como é que existem formas objetivas como eu deveria estar me comportando? Ou, de forma mais geral, se a raça humana não deveria estar aqui, então como é que existem formas objetivas como ela deveria estar se comportando? Que existem formas objetivas como devemos nos comportar, portanto, parece pressupor que deveríamos estar aqui afinal; o universo não é sem propósito. Mas, se Deus não existisse, então seria sem propósito. Portanto, as normas objetivas de comportamento (ou seja, valores morais objetivos) parecem contar como prova da existência de Deus. Isso soa plausível para você? Uma avaliação crítica do meu argumento e as intuições sobre a qual se baseia seria muito apreciada.

Agradeço antecipadamente por qualquer ajuda que você estaria disposto a me dar sobre estas perguntas, e obrigado por toda a ajuda que você já me deu ao longo dos anos.

Charles

United States

Dr. Craig responde


A

É a sua primeira pergunta que eu acho mais interessante, Charles. Esta pergunta é uma questão de preocupação, não apenas para os teólogos naturais, mas para qualquer um que defende uma teoria ética que fundamenta a moralidade em Deus.

O argumento moral, como tal, não faz nenhuma tentativa de explicar a fundamentação da moralidade em Deus. Faz apenas duas afirmações:

1. Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não existem.

2. Valores e deveres morais objetivos existem.

As duas premissas implicam a existência de Deus, mas não implicam uma teoria de como os valores e deveres morais relacionam com Deus. Assim, o teísta que defende esse argumento tem uma gama de opções em aberto para ele.

A teoria que tenho defendido é uma forma da Teoria do Comando Divino. De acordo com essa visão, os nossos deveres morais são constituídos pelos comandos de um Deus essencialmente justo e amoroso. Parece-me que esta teoria deriva um "deve" de um "é", e com razão, embora não da maneira que você imagina. A teoria, como você diz, fundamenta os valores morais na natureza imutável de Deus. Deus é o paradigma da bondade. Mas isso não quer dizer que "porque Deus é de certa forma nós devemos nos comportar de determinada maneira." Não. Nossas obrigações morais e proibições surgem como resultado dos comandos de Deus para nós. A natureza de Deus serve para estabelecer valores - bondade e maldade - enquanto os mandamentos de Deus estabelecem deveres morais - o que devemos ou não devemos fazer. Fundamentar valores morais em Deus não mais deriva um "deve" de um "é" quanto à fundamentação dos valores de Platão na forma do Bom (na verdade, uma das minhas críticas ao platonismo moral é precisamente a sua falta de qualquer base para o dever moral). O teísta e Platão só têm um final ontológico diferente.

Então como a Teoria do Comando Divino deriva um "deve" de um "é"? Bem, ele diz que nós devemos fazer algo porque é ordenado por Deus. Isso é derivar um "deve" de um "é". Alguém poderia exigir, "Por que somos obrigados a fazer algo só porque é ordenado por Deus?" A resposta a essa pergunta vem, eu acho, ao refletir sobre a natureza do dever moral. Dever surge em resposta a um imperativo de uma autoridade competente. Por exemplo, se uma pessoa aleatória me dissesse para encostar o meu carro, eu não tenho absolutamente nenhuma obrigação legal de fazê-lo. Mas, se um policial fosse emitir tal comando, eu teria a obrigação legal de obedecer. A diferença entre os dois casos está nas pessoas que emitiram os comandos: uma é qualificada para fazê-lo, enquanto a outra, não.

Agora, da mesma forma, no caso das obrigações morais, estas surgem como resultado de imperativos emitidos por uma autoridade competente. E, em virtude de ser o Bem, Deus é unicamente qualificado para emitir tais comandos como uma expressão de Sua natureza. O que é deficiente na teoria de Platão é uma pessoa que pode emitir imperativos morais, como expressão do Bem; mas essa falta é fornecida pelo teísmo. Assim, parece-me que a derivação de um "deve" a partir de um "é," da Teoria do Comando Divino, longe de ser objetável, capta uma característica central do dever moral e plausivelmente o fundamenta.

A sua segunda pergunta confunde semântica moral com ontologia moral. O teórico do Comando Divino não define valores morais ou deveres de jeito nenhum; ao contrário, ele pede por seu fundamento ontológico. Nós podemos aceitar o entendimento comum de termos morais como “bom,” “certo,” “errado,” etc., com equanimidade. Nós não estamos fazendo uma reivindicação semântica sobre o significado dos termos morais. Ao contrário, nós estamos tentando explicar seu fundamento objetivo. Da mesma forma, o naturalista não está pressionando uma reivindicação semântica sobre a definição de palavras, mas está oferecendo uma fundação diferente para valores e deveres do que o teísta. A questão é, qual teoria moral é mais plausível?

Uma vez que esta confusão é esclarecida, a terceira pergunta cuida de si mesma. O proponente do argumento moral está usando os termos relevantes no modo padrão. Em sua recente tese de doutorado sobre o argumento moral (Ohio State University, 2009), Matthew Jordan lista as seguintes propriedades, reveladas por um exame de nossa experiência moral, que devem caracterizar qualquer teoria adequada do dever moral:

Objetividade: A verdade de uma proposição moral é independente das crenças de qualquer ser humano em particular ou comunidade humana.

Normatividade: considerações morais, como tal, constituem razões para agir.

Categoricidade: razões morais são razões para todos os seres humanos, independentemente de quais metas ou desejos que eles possam ter.

Autoridade: razões morais são razões especialmente importantes.

Cognoscibilidade: Em circunstâncias normais, os seres humanos adultos têm acesso epistêmico a considerações moralmente relevantes.

Unidade: Uma pessoa humana pode ter uma razão moral para agir, ou abster-se de agir, de maneiras que afetam ninguém menos que o agente que pratica o ato.

Qualquer teoria que não têm essas propriedades não será uma teoria adequada do dever moral. Alguém pode tentar redefinir os termos se ele quiser, mas isso não afeta as reivindicações que estamos fazendo ao apresentar nossas duas premissas. A questão é se as nossas reivindicações, como nós as entendemos, são verdadeiras.

Por fim, ao mesmo tempo em que eu estou inclinado a concordar que se existem valores morais objetivos, então o universo tem um propósito, isso é porque eu acho que, se existem valores morais objetivos, então Deus existe, e se Deus existe, então Ele teria um propósito para a criação do universo. Mas eu não vejo uma ligação conceitual entre propósito e valor, que é para o que seu argumentos apela. Então eu não acho que você, introduzindo propósito, faz algo para fortalecer o argumento na sua forma atual.

- William Lane Craig