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#629 A justiça e o amor de Deus

July 30, 2019
Q

Caro Dr. Craig,

Às vezes, ouço dizerem “Deus não nos deve nada” e “Deus não tinha de mandar Jesus; ele poderia ter-nos mandado para o inferno e, ainda assim, ser justo”. Este tipo de sentimento sempre me pareceu errado. Embora entenda que não merecemos a graça de Deus, o sentimento é como se alguém estivesse dizendo: “Não devo nada aos meus filhos. Eles me desobedeceram e, por isso, não tenho de cuidar deles”. Simplesmente parece errado sugerir que, por causa do pecado, Deus não precisa mais nos amar. A esta altura, alguém talvez diga que é justo, mas não é misericordioso ou compassivo. Suponho que seja verdade, mas será que Deus chamaria alguém incompassivo de “justo”? Estou errado? Será que tenho uma atitude mimada ao pensar assim?

Daniel

United States

Dr. Craig responde


A

Ao que me parece, Daniel, você está misturando a justiça de Deus com seu amor.

Se você concorda, conforme ensina o Novo Testamento, que somos pecadores sem mérito e que a salvação é, portanto, pela graça de Deus somente (Efésios 2.8-9), você há de concordar que, se Deus desse a todos o que bem merecessem, Deus seria perfeitamente justo. A justiça de Deus não requer que ele nos perdoe os pecados; pelo contrário, requer que ele puna esses pecados. Por isso, sim, “Ele poderia ter-nos mandado para o inferno [ou seja, dar-nos o que bem merecíamos] e, ainda assim, ser justo”. Porém, Deus é tão amoroso quanto justo. “Deus é amor” (1João 4.8). Assim, é muito “errado sugerir que, por causa do pecado, Deus não precisa mais nos amar”. A própria natureza de Deus é amor e, portanto, ele necessariamente nos ama. (Aliás, este é o abismo de diferença entre o Deus da Bíblia e o Deus do Corão. No islam, a onipotência de Alá subjuga todo o demais, até mesmo sua própria natureza, de modo que ele pode agir como bem quiser, inclusive escolhendo na última hora enviar todos os muçulmanos fiéis para o inferno!)

Você responde a esta distinção dizendo: “Suponho que seja verdade, mas será que Deus chamaria alguém incompassivo de ‘justo’?” Se estamos falando de pura justiça retributiva, a resposta é sim. Na filosofia do direito, este problema é conhecido como o dilema do juiz misericordioso. A tarefa do juiz é administrar a justiça, independentemente de seus sentimentos pessoais em relação ao acusado. A lei pode permitir-lhe certa margem na sentença, mas, se ele ignorar a justiça por causa de seus sentimentos de misericórdia, agirá injustamente. Este dilema tem implicações importantes para a teoria da expiação e a satisfação da justiça divina (ver meu livro The Atonement, Cambridge University Press, 2018).

Por outro lado, deve-se dizer que, na Bíblia, a justiça de Deus (hebraico: ṣedek; grego: dikaiosynē) compreende muito mais do que justiça retributiva. Envolve todo o caráter moral de Deus, de modo que a justiça de Deus também significa tanto salvar quanto condenar. Neste sentido mais amplo, alguém incompassivo não é nem um pouco justo ou correto.

Entender que nada merecemos da parte de Deus, senão condenação, ajuda-nos a cultivar um profundo senso de gratidão por sua maravilhosa graça e amor que alcançam até a nós mesmos.

- William Lane Craig