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#442 A passagem do tempo

May 13, 2016
Q

Olá, Dr. Craig

*Obrigada pelo trabalho que você faz. Eu estou estudando neuropsicologia e eu gosto, especialmente, dos recursos do seu site. Além do mais, quando você vem à França? Você deve saber que aqui, muitos estudantes universitários estão se interessando em apologética e o seu trabalho não é em vão.

Eu estou escrevendo porque eu estou muito interessado no livre arbítrio e eu trabalho atualmente com as implicações das teorias A ou B do tempo. Eu concordo com você que se juntar à Teoria A é um pré-requisito para o livre arbítrio.

A relatividade de Einstein é geralmente destacada para apoiar a Teoria B do tempo, mas não explica a passagem do tempo. De acordo com eles, a passagem do tempo, também chamada de tempo psicológico, não é objetiva, mas sim subjetiva, uma ilusão produzida pelo nosso cérebro. No entanto, na minha pesquisa, eu encontrei um argumento recente de um filósofo francês que parece refutar essa explicação da passagem do tempo. De acordo com Quentin Meillassoux, as duas propostas geram um paradoxo que ele chama de paradoxo dos antepassados. Em francês o paradoxo é o seguinte: "comment concevoir l'émergence de la conscience dans le temps si le temps a besoin de la conscience?"/ "Como conceituar o aparecimento da consciência no tempo se o tempo precisa da consciência?” De fato, se o fluir do tempo depende da consciência, não pode haver antepassados nos eventos precedentes ao advento da consciência, mas agora nós sabemos que os objetos e os eventos existiam antes mesmo da consciência humana emergir.

Há uma falha no raciocínio do filósofo? Eu gostaria de saber sua opinião sobre isso, porque parece que esse paradoxo é um obstáculo significante para os defensores da Teoria B do tempo, ou pelo menos para a explicação deles sobre a passagem do tempo.

Deus abençoe.

Joel

França

France

Dr. Craig responde


A

Eu estou emocionado em ouvir de um cristão francês, Joel, e saber que o material de Reasonable Faith está sendo usado na França. A publicação de Foi raisonnable (Éditions la Lumière, 2012) na França é, para mim, um sonho realizado. Eu e minha esposa Jan estávamos no Sudeste da Franca no verão passado para uma conferência, e eu estou pronto para falar na França e um convite para isso deve estar perto de ser feito. Tendo vivido um tempo na França, nós temos um fardo para os franceses: ver a igreja equipada intelectualmente e ver o renascimento do cristianismo na França.

Eu fiquei mexido com a sua pergunta porque me fez lembrar de uma conversa que tive com um estudante suíço há alguns anos. Como um falante do francês, ele achou quase impossível falar com seus colegas sobre as teorias do tempo “tensed” (flexiva) versus “tenseless” (aflexiva). Já que em francês a palavra para “tempo” e a palavra para “tense” é a mesma, no caso, “temps”; ele se sentiu perdido em falar algo como tempo tenseless (aflexivo). As pessoas nem sabiam do que ele estava falando! Eu acho que essa é um dos melhores exemplos que eu já vi de como a linguagem pode inibir ou facilitar a nossa habilidade de conceituar coisas filosoficamente.

Agora para aqueles que não estão familiarizados com os termos, deixe-me explicar que de acordo com a teoria flexiva (tensed) do tempo (arbitrariamente designada uma Teoria A), a diferença entre passado, presente e futuro é uma característica objetiva da realidade; enquanto que de acordo com a teoria aflexiva (tenseless) do tempo (ou Teoria B), a diferença entre passado, presente e futuro é uma característica subjetiva da consciência humana, como a diferença entre aqui e ali. Na ausência de observadores autoconscientes, as coisas existiriam nas coordenadas espaciais x,y,z; mas elas não estariam aqui ou ali. De uma maneira similar, na ausência de observadores autoconscientes, os eventos ainda estariam localizados em uma coordenada temporal t, mas eles não seriam nem passado, nem presente, nem futuro, de acordo com os teóricos B.

De fato, eu não acho que a teoria aflexiva do tempo é incompatível com o livre arbítrio. Enquanto o determinismo causal seja falso, não parece importar até agora já que a liberdade libertária está preocupada se as escolhas futuras de alguém existem ou não. Isso nos leva para uma discussão interessante da presciência divina de futuras escolhas livres.

Você está certo ao dizer que a teoria especial da relatividade é geralmente apelada para justificar a teoria aflexiva do tempo, uma afirmação que é falha em muitas facetas. Eu quero chamar a sua atenção para um diálogo fascinante que aconteceu entre Albert Einstein e o grande filósofo francês do tempo, Henri Bergson, na primavera de 1922 na reunião da Societé Française de Philosophie em Paris, o qual foi publicado subsequentemente no Bulletin da Sociedade. [1] Eu tenho defendido o argumento de Bergson nessa conversa em um artigo próximo Bergson Was Right about Relativity (well, partly)!” “Bergson estava certo sobre a relatividade (bem, quase!)” no Time and Tense, ed. S. S. Gerogiorgakis (Munich: Philosophia Verlag, 2015), p. 295-330.

Eu, juntamente com a maioria dos teóricos A, concordamos que a passagem do tempo, ou o tempo psicológico, é puramente subjetivo. O tempo passa rápido quando você está se divertindo! Mas não confunda a passagem do tempo com o tornar-se temporal (temporal becoming). Afirmar a realidade objetiva do tornar-se temporal não é afirmar que o tempo está passando literalmente, mas sim afirmar que as coisas se tornam e deixam de se tornar. O filósofo britânico C. D. Broad apropriadamente chama isso de “tornar absoluto” porque as coisas não se tornam meramente F, em que F designa algum predicado como “frio”, “azul” ou “maduro”, mas eles se tornam e ponto final. Os teóricos A estão comprometidos com a realidade objetiva do tornar absoluto, e não com a passagem do tempo.

Eu não conheço os trabalhos de M. Meillassoux, mas o paradoxo dos antepassados que você relata talvez seja melhor representado assim: “como conceituar o aparecimento da consciência no tempo se a consciência é uma condição necessária do tempo?” A objeção aqui parece ser a de que o teórico do tempo aflexivo (tenseless) está preso em um ciclo vicioso. Entendida dessa forma, não me parece ser uma boa objeção. A afirmação do teórico B é a de que a consciência é uma condição necessária da passagem do tempo, mas não do tempo em si. O tempo existiria mesmo que não houvesse observadores conscientes, mas nada seria presente; assim como o espaço existiria se não houvesse observadores conscientes, mas não haveria nada lá. Então o tempo (e o espaço) precisam existir para que as criaturas conscientes passem a existir no curso do processo evolutivo, e uma vez que elas passam a existir, segundo os teóricos B, certas coisas estarão aqui e lá por elas. Esse pensamento, embora enganado, não me parece estar envolvido em nenhum ciclo vicioso.

Bons estudos, Joel! Que le Seigneur vous bénisse!

  • [1]

    “La théorie de la relativité,” Bulletin de la Société Française de Philosophie 17 (1922): 91-113. Essa parte do diálogo que envolve a troca entre Bergson e Einstein foi traduzida como “Remarks concerning Relativity Theory”, em Bergson and the Evolution of Physics, ed. P.A.Y. Gunter (Knoxville: Universidade do Tennessee, 1969), p. 123-135.

- William Lane Craig