#429 Redefinição de casamento do Suprema Corte
May 13, 2016Olá Dr. Craig,
Com a decisão recente da Suprema Corte sobre casamento do mesmo sexo, reli algumas de suas P & R sobre a homossexualidade. Em uma pergunta sobre a ligação entre o casamento inter-racial e o casamento com o mesmo sexo, você disse: "Uma vez que formos por este caminho, vale tudo: um homem e duas mulheres, um homem e uma criança, dois homens e uma cabra, etc. Não vejo absolutamente nenhuma razão para entrar por esse caminho", com relação ao casamento do mesmo sexo. A minha pergunta é: essa declaração constitui uma falácia escorregadia ladeira à baixo? Minha preocupação é a de que não crentes facilmente a refutariam.
Obrigado,
R.C.
Estados Unidos
United States
Dr. Craig responde
A
Vou usar a sua pergunta, R. C, como uma desculpa para abordar a decisão trágica e equivocada da Suprema Corte de redefinir o casamento em Obergefell versus Hodges.
Precisamos entender claramente que é exatamente isso o que a Suprema Corte fez. Ao decidir que uniões do mesmo sexo podem contar como casamento, o Tribunal redefiniu implicitamente o que é casamento. Casamento já não é considerado como sendo essencialmente heterossexual, como tradicionalmente concebido, mas foi redefinido implicitamente para que os homens possam se casar com homens e mulheres com mulheres.
A opinião majoritária da Corte, escrita por Anthony Kennedy, mostra uma consciência clara do que o Tribunal está fazendo. Referindo-se à visão tradicional, Kennedy escreve: "O casamento, na sua opinião, é por natureza uma união diferenciada por sexo entre homem e mulher. Por muito tempo este ponto de vista tem sido mantido - e continua se mantendo - em boa fé por pessoas reais e sinceras tanto aqui quanto em todo o mundo "(ênfase minha). É essa visão que a maioria da Corte agora declara ser obsoleta.
O que é irónico sobre a opinião de Kennedy é que ele eloquentemente exalta o casamento como fundamental para a sociedade americana e para a própria civilização. Ele escreve,
Desde seu início até seu presente mais recente, os anais da história humana revelam a importância transcendente do casamento. A união ao longo da vida de um homem e uma mulher sempre prometeu nobreza e dignidade para todas as pessoas, sem levar em conta sua posição na vida. O casamento é sagrado para aqueles que vivem por suas religiões e oferece satisfação singular para aqueles que encontram sentido na esfera secular. Sua dinâmica permite com que duas pessoas construam uma vida que não poderia ser construída sozinha, pois o casamento torna-se maior do que apenas as duas pessoas. Surgindo das necessidades humanas mais básicas, o casamento é essencial para nossas mais profundas esperanças e aspirações.
A centralidade do casamento em relação à condição humana revela o porque desta instituição perdurar por milênios e ao longo das civilizações. Desde os primórdios da história, o casamento tem transformado estranhos em parentes, ligando famílias e sociedades umas às outras.
Alguém poderia pensar que isso proporciona uma boa razão para preservar o conceito tradicional de casamento, em vez de redefini-lo radicalmente! Em vez disso, a Corte despreza a precaução e decide rever esta instituição cultural fundamental.
Na opinião da Corte, o casamento não deve mais ser considerado como tendo uma essência ou natureza, mas é uma mera convenção social, ou qualquer outra coisa que a Corte o declare ser. A opinião da maioria justifica esse movimento apontando como o casamento tem evoluído: por exemplo, o casamento já foi visto como "algo arranjado pelos pais do casal", mas não é mais assim hoje. Tais exemplos, no entanto, dizem respeito apenas a propriedades peculiares do casamento, não a sua natureza ou essência (de fato, casamentos arranjados ainda são comuns em algumas partes do mundo de hoje). Tais mudanças particulares não fornecem qualquer razão para a mudança fundamental e essencial realizada pela Corte.
Ao redefinir o casamento a Corte proporcionou aos ativistas homossexuais o que eles almejavam e trabalharam para conseguir: a desconstrução do casamento em si. Kennedy admite, "Caso sua intenção fosse rebaixar a idéia reverenciada e a realidade do casamento, então as pretensões dos peticionários seria de uma ordem diferente. Mas esse não é seu propósito nem seu objectivo." Como é que Kennedy sabe qual era sua intenção e por que isso importa? Embora a opinião da maioria da Corte retrata a questão perante a Corte em relação aos peticionários que procuram os benefícios do casamento, tal interpretação é ingênua. Pesquisas mostram que a promiscuidade é galopante na subcultura gay, de tal forma que o número de homens homossexuais em relações duradouras e monogâmicas é tão pequena que estatisticamente é insignificante. Isto não não se trata do chamado "casamento gay". Os peticionários são como peças de xadrez nas mãos de um movimento tendêncioso que traz mudanças fundamentais na cultura america ao desconstruir o casamento tradicional. A Suprema Corte lhes entregou o xeque-mate.
Com que base a Corte fez isso? A opinião da maioria oferece quatro razões pelas quais o direito constitucional de se casar deve ser estendido a casais do mesmo sexo. Pode-se olhar para esses argumentos de dois ângulos: (i) como justificação filosófica para redefinir o casamento e incluir casais do mesmo sexo ou (ii) como bases constitucionais para um direito implícito de casais do mesmo sexo se casarem. O primeiro é uma questão filosófica, o segundo é uma questão legal.
Grande parte da opinião majoritária e, em especial, das várias discordâncias de outros juízes, dizem respeito à questão jurídica, e não a questão filosófica. Como solicitado pela minoria da Corte, não é da competência dela definir o casamento, mas simplesmente dirimir sobre a questão constitucional quanto a saber se existe um direito implícito para o casamento de pessoas do mesmo sexo na Constituição dos Estados Unidos. As opiniões divergentes são bolhas críticas da maioria no que diz respeito a esta questão constitucional.
A fim de justificar um direito que não está enumerado na Constituição ou Bill of Rights, a Corte deve agir com cautela e encontrar justificação profundamente enraizada na história e tradição americana. O Juiz Alito observa,
Para evitar que cinco juízes não eleitos imponham sua visão pessoal de liberdade sobre o povo americano, o Tribunal considerou que "liberdade" sob a cláusula do devido processo deve ser entendida para proteger apenas os direitos que estão "profundamente enraizado na história e tradição desta nação ." [. . .] E é incontestável que o direito ao casamento do mesmo sexo não esteja entre esses direitos.
O Juiz Chefe, John Roberts, resumiu a questão constitucional, dizendo:
A verdade é que a decisão de hoje baseia-se em nada mais do que a convicção da maioria que casais do mesmo sexo devem ser autorizados a casar, porque eles querem, e isso seria menosprezar suas escolhas e diminuir a sua personalidade para negar-lhes esse direito.
Qualquer que seja a força que esta crença possa ter como uma questão de filosofia moral, ela não está [. . .] baseada na Constituição[. . . ].
Se você está entre os muitos americanos – qualquer que seja sua orientação sexual – que é favorável à expansão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, por todos os meios comemore a decisão de hoje. . . Mas não celebre a Constituição. Isso não teve nada a ver com ela.
Vou deixar a questão constitucional para os outros. Em contraste com os juízes, eu como um filósofo estou interessado na questão filosófica sobre se o casamento deve ser redefinido para incluir uniões do mesmo sexo. Sendo assim, quero considerar os quatro argumentos oferecidos pela opinião da maioria sob esta luz.
Aqui, em resumo, estão as quatro razões pelas quais a Corte concede às pessoas do mesmo sexo o direito constitucional de se casarem:
1. O direito à escolha pessoal uma vez que o casamento é inerente ao conceito de autonomia individual.
2. O direito de casar é fundamental porque suporta uma união de duas pessoas, diferente de qualquer outro em sua importância, entre os indivíduos comprometidos.
3. O casamento salvaguarda crianças e famílias e, assim acrescenta significado aos direitos realcionados de criação de filhos, procriação e educação.
4. O casamento é uma pedra angular da ordem social do país, e não há nenhuma diferença entre casais do mesmo sexo e do sexo oposto com respeito a este princípio.
A maioria destas razões não apoiam o casamento do mesmo sexo ou levantam dúvidas ao assumir que o casamento é uma mera convenção social, para começar.
Tome (1), por exemplo. Claro, todo mundo tem o direito constitucional para se casar, se desejar. Qualquer homem pode casar com qualquer mulher, independentemente da sua orientação sexual. Mas o que impede um homem de se casar com outro homem é a mesma coisa que impede que um solteiro de ser um marido, ou pais de serem desfilhados, ou um quadrado de ser um círculo. O obstáculo não é legal, mas lógico. Só depois de se ter redefinido o casamento como uma convenção social pode (1) fornecer uma razão para permitir casamentos do mesmo sexo. Ele não pode fornecer uma razão para tal desconstrução.
Da mesma forma para (2). De fato, como mencionado acima, isso realmente fornece motivos para não estragar a definição de casamento.
Razão (3) é tragicamente irônica, já que estudos demonstram que crianças criadas por casais do mesmo sexo tem significativa desvantagem em relação aos filhos criados por uma mãe e um pai. De fato, um dos desenvolvimentos mais interessantes no debate sobre o casamento homossexual tem sido o surgimento de filhos adultos de casais do mesmo sexo que agora estão falando em favor de preservar o casamento tradicional, devido a dificuldades que experimentaram como resultado de terem sido criados por casais do mesmo sexo. Eles poderosamente argumentam que os direitos das crianças estão sendo sacrificados no altar da luta dos adultos pela liberdade pessoal e de autonomia.
Finalmente, para (4), que os casais desfrutam de vantagens, como preencher em conjunto o imposto de renda, o que não pode ser feito por pessoas solteiras. Mas isso não fornece nenhuma razão para redefinir o que é o casamento, ou permitir com que homens se casem com homens. Em suas divergências alguns dos juízes observaram com preocupação que o raciocínio da maioria seria aplicável não apenas para casais do mesmo sexo, mas para todos os tipos de uniões aberrantes. John Roberts escreve: "É impressionante o quanto o raciocínio da maioria se aplica com igual força à afirmação de um direito fundamental ao casamento plural." Ele observa que "Embora a maioria insira aleatoriamente o adjetivo ‘dois’ em vários lugares, isso não oferece nenhuma razão para que o elemento de duas pessoas como definição do núcleo do casamento possa ser preservado enquanto o elemento homem-mulher não pode." De fato,
por que haveria menos dignidade no vínculo entre três pessoas que, no exercício da sua autonomia, procuram fazer a profunda escolha de casar? Se um casal do mesmo sexo têm o direito constitucional de se casar porque seus filhos de outra forma iriam 'sofrer o estigma de saber que suas famílias são de alguma forma menor,' por que o mesmo raciocínio não se aplicaria a uma família de três ou mais pessoas que criam filhos? Se o fato de não ter a oportunidade de se casar ‘serve como desrespeito e subordinação’ a casais de gays e lésbicas, por que a mesma ‘imposição desta deficiência’ não serviria para desrespeito e subordinação de pessoas que encontram satisfação em relacionamentos polígamos?
Este raciocínio não é terreno escorregadio. É mais como cair de um penhasco. Ao desconstruir o casamento para que ele seja puramente convencional, dependente da opinião de cinco juízes, a Corte faz com que o casamento seja o que eles quiserem.
Ainda assim, a Corte decidiu a questão constitucional em favor do casamento de pessoas do mesmo sexo. Os Estados Unidos já cruzou um divisor de águas cultural, e temo que não há retorno. Assim como Roe versus Wade legalizou por decisão judicial o homicídio contra bebês no útero, então agora Obergefell versus Hodges desconstruiu a instituição fundamental da sociedade norte-americana. Minha cabeça gira. É como um pesadelo do qual se quer despertar. Eu já não vivo no mesmo país em que eu cresci. Sinto uma enorme tristeza ao me dar conta disso.
Então, para onde vamos a partir daqui? Como devem os cristãos, em particular, que acreditam no casamento tradicional, agir neste novo mundo hostil? Duas coisas me vem a mente.
Primeiro, os cristãos devem decidir ser resolutamente contra-culturais. Como ocorreu antes com Roe versus Wade, Obergefell versus Hodges perpetua o declínio da cultura americana para a degradação moral. (Só podemos imaginar o quão justificado o mundo muçulmano deve se sentir à luz desta decisão sobre a sua condenação da cultura americana!) Com esta decisão, a pressão para se conformar se tornará intensa na cultura popular, na área academica, no mundo corporativo, e até mesmo na Igreja. Aqueles que se recusam a estar em conformidade com a nova ortodoxia será difamado e empurrado para fora. Meu medo é que a próxima geração de cristãos não terá a força para resistir a essas pressões e irá acomodar-se ao casamento do mesmo sexo. Já ouço jovens cristãos dizerem que a atividade homossexual não é imoral se ocorre nos limites do casamento, uma visão que teria sido impensável aos judeus do primeiro do século, como Jesus de Nazaré. Assim como os primeiros cristãos estavam dispostos a tomar uma posição contra a cultura pagã corrupta do império romano, da mesma forma os cristãos de hoje devem ousar ser diferentes e viverem contra-culturalmente.
Isso implica em ativismo cristão. Na sequência da decisão da Suprema Corte, recebi uma carta circular do presidente da denominação em que estou ordenado. Ele observou que nós, evangélicos, tentamos eleger um presidente para lidar com o problema, e que não funcionou. Tentamos eleger senadores e deputados para lidar com o problema, e não funcionou. Tentamos trazer nosso caso aos tribunais, e não funcionou. Sua conclusão foi que todos eles representam "a armadura de Saul", a qual não nos serve. Sua solução? Oração e pregação da Palavra! O cínico em mim é tentado a dizer: "Nós tentamos isso, e não funcionou!" Seria também a armadura de Saul? Claro que não! Mas, assim como devemos continuar a orar e pregar, da mesma forma os cristãos não devem abandonar o processo político, mas ver este revés como uma chamada para um maior envolvimento no processo.
Em seu desacordo, o Juiz Scalia observou que "Nem um único cristão evangélico (um grupo que compreende cerca de um quarto dos norte-americanos), ou mesmo um protestante de qualquer denominação" senta-se no Tribunal. Esse fato é uma acusação pungente da igreja evangélica. Não estabelecemos para a nossa juventude a visão de servir a Deus ao aspirar uma carreira de juiz. Estamos colhendo o turbilhão de nossa própria passividade e falta de engajamento. Agora não é o momento de se retirar para o santuário de nossas igrejas e instituições (que, na opinião dos juízes em desacordo, estarão ainda em maior ameaça como resultado dessa mesma decisão), mas de nos envolvermos nessas instituições públicas, as quais moldam a cultura em que vivemos.
Em segundo lugar, os cristãos devem continuar os esforços por evangelizar o povo americano. Foi corretamente dito que a América é uma nação cujas pessoas são tão religiosas quanto o povo da Índia, mas cujo governo é tão secular quanto o governo da Suécia. Por causa da separação entre Igreja e Estado neste país - uma garantia Constitucional cada vez mais preciosa - não precisamos de apoio governamental para que a igreja cristã seja dinâmica e próspera. Reavivamento pode vir a este país, mesmo quando suas instituições governamentais vão para o inferno.
A recente pesquisa da Pew sobre filiação religiosa mostra que, embora as principais denominações protestantes e católicas estejam em declínio em termos de percentual da população americana, a igreja evangélica está se mantendo e até aumentando em termos de números absolutos. Para uma correção da visão de que a América está se tornando mais irreligiosa, eu recomendo os vídeos da recente conferência na Universidade de Baylor em "O Fim da Religião? Uma Correção Essencial ao Mito da Secularização: "https://www.youtube.com/playlist?list=PL0JmtbsEea3iZ6GLoOIsEHrKZUKiZ5J7Z
Naquela conferência o Prof. Gordon Melton chamou a atenção para a estatística surpreendente de que somente no tempo da Segunda Guerra Mundial é que cerca de 50% dos americanos eram membros de igrejas, e essa porcentagem tem continuado a aumentar até hoje, onde 78% dos norte-americanos são membros de igrejas, um valor que ele diz ser sem precedentes entre os povos livres na história do mundo. Obviamente, muitas dessas pessoas são apenas cristãs nominalmente. Ainda assim, ele fornece a base para um renascimento da fé viva neste país.
Acho que ainda estamos por ver o impacto cultural da revolução na filosofia cristã que vem ocorrendo ao longo do último meio século. Fico tremendamente encorajado por todas as cartas que recebemos de pessoas que vieram à fé ou voltaram à fé por meio da apologética. Continuo otimista sobre o futuro e estou determinado a fazer tudo o que puder através do ministério de Reasonable Faith para ajudar a trazer o reavivamento da igreja e da evangelização do povo americano.
- William Lane Craig