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#550 A teoria “Christus victor” da expiação

March 19, 2018
Q

Sr. Craig,

Muito obrigado por seu ministério. Tem me ajudado muito a aprofundar minha compreensão do porquê nós, como cristãos, cremos no que cremos. Sou cristão ortodoxo e, embora em nossa tradição a razão seja secundária à experiência do divino através de boas obras de amor incondicional, beneficio-me imensamente do seu trabalho quando conversa com quem não necessariamente esteja aberto às afirmações da experiência. Gostaria de saber o que pensa sobre a teoria “Christus victor” da expiação. Descobri que é um bom resumo do que ouvi ao longo de toda minha vida na igreja. O que mais me surpreende, porém, é o contraste óbvio entre “continuidade legal, descontinuidade divina” da teoria da substituição penal e “descontinuidade legal, continuidade divina” de Christus victor. Qual é sua opinião? Obrigado.

Igor

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Fico surpreso com o número de vezes que esta pergunta tem surgido ultimamente. Embora o etólogo sueco Gustav Aulèn tenha defendido, em meados do século XX, que os pais da igreja e Lutero consagraram-se à chamada teoria de Christus victor,[1] as afirmações de Aulèn sucumbiram à crítica. A verdade é que os pais da igreja refletiam a ampla diversidade de motivos encontrados no Novo Testamento no tocante à expiação de Cristo: resgate, sacrifício, sofrimento substitutivo, exemplo moral, e assim por diante.[2] Considere, por exemplo, esta declaração de Eusébio:

o Cordeiro de Deus… foi castigado em nosso lugar e sofreu uma pena que não devia, mas que nós devíamos por causa da multidão de nossos pecados; assim, ele se tornou a causa do perdão de nossos pecados, porque recebeu a morte por nós e transferiu para si mesmo o flagelo, os insultos e a desonra que nos eram devidos, atraindo para si a devida maldição, tornando-se maldição por nós. E o que é isto, senão o preço por nossas almas? Assim, o oráculo diz a nosso respeito: “Por suas feridas, fomos curados”, e “o Senhor o entregou por nossos pecados”... (Demonstração evangélica 10.1)

Aqui vemos uma combinação de sacrifício, resgate e substituição penal. Sentimentos parecidos foram expressos por Orígenes, Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria e outros.

Encontra-se também entre os pais a ênfase na grande vitória de Cristo. A teoria de Christus victor da expiação enfatiza o triunfo de Cristo sobre Satanás e seu ato de nos libertar do cativeiro do pecado e da corrupção. A questão é exatamente como isto se realizou. Alguns pais da igreja, como Orígenes e Gregório de Nissa, defendiam uma teoria de resgate segundo a qual a vida de Cristo foi um resgate pago a Satanás para nos libertar. Outros pais da igreja, como Agostinho, pensavam que Satanás foi iludido para atacar a Cristo, sobre o qual ele não tinha direitos, assim perdendo seus direitos sobre quem pertencesse a Cristo. Ainda outros pais da igreja, como Ireneu e Atanásio, enfatizavam a encarnação, o ato de Cristo tomar nossa humanidade, como o meio pelo qual a morte e corrupção foram vencidas.

Em suma, a abordagem de Christus victor não nos diz muito como a expiação foi realizada. De fato, é fácil simpatizar com a queixa de Albrecht Ritschl de que ela não é sequer uma teoria da expiação, já que não nos diz nada sobre o modo como a morte de Cristo serviu para expiar o pecado e nos reconciliar com Deus.[3] Proponentes de tal abordagem tendem a se concentrar nas consequências do pecado, principalmente a morte, e na vitória sobre Satanás, em vez de no pecado em si e sua expiação.

Então, a deficiência da abordagem de Christus victor à expiação não é que esteja errada, mas que seja incompleta: não consegue fazer jus a todos os dados bíblicos pertinentes à morte de Cristo e seu efeito expiatório. Não se deve rejeitar o motivo da vitória de Cristo sobre Satanás, a morte e o inferno, e sim incorporá-lo a uma teoria abrangente que incluirá não apenas os motivos de vitória e redenção, mas também sacrifício, expiação do pecado, propiciação da ira de Deus, castigo vicário, satisfação da justiça divina, e assim por diante. A maneira como a ira de Cristo vence o pecado e a morte é precisamente ao se doar como oferta sacrificial a Deus e, como o Servo de Isaías 53, carregar o castigo do pecado que merecíamos. Conforme o expressou Agostinho, ele é tanto vitorioso quanto vítima; deveras, é vitorioso por ser vítima (Confissões 10).

Não sei bem o que você, como cristão ortodoxo, aprendeu sobre a morte expiatória de Cristo, mas, como Ireneu e Atanásio, a ortodoxia tende a mudar a ênfase da morte de Cristo para sua encarnação como principal meio de vencer a corrupção de nossa natureza e morte. A morte de Cristo se torna meramente o clímax de sua vida. Segundo esta perspectiva, é primariamente porque a pessoa divina assumiu a natureza humana que nossa natureza recebe cura e imortalidade. Perde-se, assim, a centralidade da cruz na proclamação que o Novo Testamento faz do evangelho.


[1] Gustaf Aulèn, Christus Victor: An Historical Study of the Three Main Types of the Idea of Atonement [1931], trad. A. G. Hebert (New York: Macmillan, 1969).

[2] Joseph F. Mitros, “Patristic Views of Christ’s Salvific Work”, Thought 42/3 (1967): 415-47.

[3] Albrecht Ritschl, A Critical History of the Christian Doctrine of Justification and Reconciliation, trad. John S. Black (Edimburgo: Edmonston and Douglas, 1872), p. 11.                                                                                                      

- William Lane Craig