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#537 Vilenkin sobre a Origem do Universo sem uma causa

March 12, 2018
Q

Dr. Craig,

Minha pergunta tem a ver com Alexander Vilenkin e sua idéia de uma nucleação quântica como a explicação para a origem do universo. Sua visão de que o universo surgiu por meio de um evento quântico sem um campo quântico, vácuo ou processo de tunelamento, parece-me muito estranho. Então a pergunta move-se um passo atrás passando a ser o que causou a nucleação, uma vez que não poderia ter vindo de absolutamente nada, ou poderia? Parece que o mesmo cosmólogo que publicou o trabalho que apóia a segunda premissa do Argumento Cosmológico de Kalam agora está dizendo que o universo pode realmente se erguer através de seus próprios cadarços por meio da mecânica quântica. Isso porque ele não quer ter que conceder implicações deísticas de seu próprio trabalho sobre a incompletude do espaço-tempo em direções passadas ou porque ele está certo que a mecânica quântica pode realmente levar à criação espontânea sem um estado mecânico quântico prévio? Essa opinião é crível? Esta nucleação quântica se aplica também à origem do multiverso? E fornece uma explicação naturalista para a origem do espaço-tempo?

Deus abençoe,

David

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Embora eu não deseje que alguém seja um ateísta, devo confessar que o fato de Alex Vilenkin ser um agnóstico sobre Deus é dialeticamente vantajoso para o proponente do argumento cosmológico kalām, já que ele puxa o tapete de qualquer pessoa que defende a crença de que o universo começou a existir devido a seus compromissos teológicos ou a essa terrível desordem de "viés de confirmação". Vilenkin não possui machado teológico para utilizar no que diz respeito a essa questão científica e, portanto, pode ser implacavelmente objetivo.

Para conhecer a visão de Vilenkin sobre o argumento cosmológico de kalām, recomendo cordialmente seu recente artigo popular "The Beginning of the Universe", publicado no jornal online Inference. Neste artigo Vilenkin interage pela primeira vez, a meu ver, explicitamente com o argumento cosmológico kalām, e sua resposta é simplesmente fascinante. Vilenkin negaria, não a segunda premissa do argumento cosmológico kalām de que o universo começou a existir, mas sim sua primeira premissa de que, se o universo começou a existir, então o universo tem uma causa.

Ele explica,

A física moderna pode descrever o surgimento do universo como um processo físico que não requer uma causa. Nada pode ser criado a partir do nada, diz Lucretius, apenas porque a conservação da energia torna impossível criar nada [sic; algo] do nada? [. . .]

Há uma lacuna nesse raciocínio. A energia do campo gravitacional é negativa, é concebível que essa energia negativa possa compensar a energia positiva da matéria, tornando a energia total do cosmos igual a zero. Na verdade, isso é precisamente o que acontece em um universo fechado, no qual o espaço se fecha, como a superfície de uma esfera. Resulta das leis da relatividade geral que a energia total de tal universo é necessariamente igual a zero [. . .]

Se todos os números conservados de um universo fechado forem iguais a zero, então não há nada para evitar que esse universo seja criado de forma espontânea sem nada. E de acordo com a mecânica quântica, qualquer processo que não é estritamente proibido pelas leis de conservação ocorrerá com alguma probabilidade [. . .]

O que causa o surgimento do universo do nada? Nenhuma causa é necessária.[1]

 

Então, a visão de Vilenkin é que o universo, de fato, como você diz, "veio de absolutamente nada". Mas vamos ter cuidado aqui, David. Isso não implica que "universo pode realmente se erguer através de seus próprios cadarços por meio da mecânica quântica". Pois essa metáfora implica que o universo é auto-causado, enquanto a visão de Vilenkin é que não é causada. Não vou especular sobre a motivação pessoal de Vilenkin para a sua visão, mas devo restringir-me a comentar sobre a credibilidade de sua afirmação de que, como você diz, "a mecânica quântica pode realmente levar à criação espontânea sem um estado mecânico quântico prévio".

Eu concordo com você, David, que a visão de Vilenkin é "muito estranha". Concede a suposição de que a energia positiva associada à matéria é exatamente contrabalenceada pela energia negativa associada à gravidade, de modo que, no equilíbrio, a energia é zero. O movimento chave de Vilenkin vem com a afirmação de que, nesse caso, "não há nada para impedir que esse universo seja criado espontaneamente a partir do nada". Agora, essa afirmação é uma trivialidade. Necessariamente, se não houver nada, então não há nada para evitar que o universo seja criado. Do mesmo jeito, se não há nada, então não há nada para permitir que o universo venha a existir. Se houvesse algo para evitar ou permitir que o universo viesse a existir, então haveria algo, não nada. Se não há nada, então não há nada, ponto final.

A ausência de qualquer coisa para evitar que o universo venha a existir do nada não implica a possibilidade metafísica de que o universo venha a existir sem uma causa. Para ilustrar, se não houvesse nada, não haveria nada para impedir a criação de Deus sem uma causa, mas isso não implica que tal coisa seja metafisicamente possível. É metafisicamente impossível que Deus venha a existir sem uma causa, mesmo que não haja nada para impedir que nada existisse.

Vilenkin, no entanto, infere que "nenhuma causa é necessária" para o surgimento do universo porque as leis de conservação não o impediriam e "de acordo com a mecânica quântica, qualquer processo que não é estritamente proibido pelas leis de conservação acontecerá" (Vilenkin pressupõe que, se não houvesse nada, então as leis de conservação e as leis físicas quânticas continuariam a existir. Isso vai além da obviedade, uma vez que, na ausência de qualquer coisa, não é evidente que as leis que governam nosso universo continuem a existir.) Mas, mesmo admitindo que as leis ainda existissem, por que pensar que, atendendo às leis da mecânica quântica, qualquer coisa que não seja estritamente proibida pelas leis de conservação irá acontecer? As leis de conservação não proíbem estritamente que Deus envie todos para o céu, mas isso dificilmente dá motivos para otimismo. Nem eles proíbem estritamente o envio de todos para o inferno, caso em que ocorrerão os dois resultados, o que é logicamente impossível, pois são generalizações universais logicamente contrárias. O ponto também pode ser feito não teologicamente: as leis de conservação não proíbem estritamente a existência de algo, mas também não proíbem a existência de nada, mas ambos não podem acontecer. É logicamente absurdo pensar que, porque algo não é proibido pelas leis de conservação, isso acontecerá.

Finalmente, a inferência de Vilenkin de que, como a energia positiva e negativa no universo é igual a zero, portanto, nenhuma das causas para que o universo venha a existir se faz necessária, é difícil de levar a sério. Isto é como dizer que se suas dívidas equivalerem aos seus bens, então seu patrimônio líquido é zero e, portanto, não há nenhuma causa para sua situação financeira. (Vilenkin, espero eu, não concorda com Peter Atkins ao dizer que porque a energia positiva e negativa do universo é igual a zero, logo, nada existe agora, e assim "Nada realmente veio do nada".[2] Pois, como Descartes nos ensinou, eu, pelo menos, inegavelmente existo,  portanto, algo existe.) Christopher Isham, o cosmólogo quântico e Premier da Grã-Bretanha, ressalta com razão que ainda há necessidade de "semeadura onática" para criar a energia positiva e negativa em primeiro lugar, ainda que em relação ao saldo a soma seja zero.[3]

A interação de Vilenkin com o argumento cosmológico de kalām é, como digo, fascinante porque vemos aqui de forma tão clara como um faux pas filosófico, e não erros científicos, invalida as objeções de um cientista eminente em relação ao argumento. Esta deve ser uma lição de objeto para todos aqueles que, como Stephen Hawking ou Lawrence Krauss, pensam ingenuamente que a filosofia é uma disciplina estéril e irrelevante em comparação com a ciência. A filosofia pode ajudar todos nós, incluindo cientistas, a evitar erros lógicos e confusões conceituais que são muito prevalentes nas discussões que ocorrem no campo da física, metafísica e teologia.


[1] Alexander Vilenkin, "The Beginning of the Universe", Inference: International Review of Science 1/ 4 (Oct. 23, 2015), http://inference-review.com/article/the-beginning-of-the-universe. Eu adiciono o comentário "algo?", porque só isso dá sentido à posição de Lucretius, que Vilenkin busca rejeitar. Na visão de Lucretius, algo não pode vir do nada. Se Lucretius sustenta, como diz Vilenkin, que "nada pode ser criado a partir do nada", obviamente, Lucrectius não acredita que seja "impossível não criar nada do nada". Presumo que isso seja um deslizamento da parte de Vilenkin, ocasionado talvez pelo uso confuso de negativos duplos. Teria sido mais claro dizer: "Algo não pode ser criado a partir do nada, diz Lucretius, simplesmente porque a conservação de energia torna impossível criar algo a partir do nada... Há uma lacuna neste raciocínio,"etc.

[2] De nosso debate postado em http://www.reasonablefaith.org/debate-transcript-what-is-the-evidence-for-against-the-existence-of-god#_ftn5; cf. Peter Atkins, Creation Revisited (New York: W. H. Freeman, 1992).

[3] Christopher Isham, “Quantum Cosmology and the Origin of the Universe,” palestra apresentada na conferência “Cosmos e Criação,” Universidade de Cambridge, 14 Julho de 1994.

 

- William Lane Craig