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#666 Crença baseada no testemunho do Espírito

February 02, 2020
Q

Caro Dr. Craig,

Desde quando minha piedosa mãe cristã soube que eu, muito tempo atrás, abandonei o cristianismo numa inflamada renúncia que me fez, de início, ateia niilista e mesquinha, depois humilde agnóstica e, enfim, anos depois, confiante panteísta espinosista, o que ainda sou, nunca discutimos religião.

Recentemente, porém, entramos num debate bastante intenso sobre o cristianismo. No fim, depois de muita argumentação dos dois lados, com lágrimas nos olhos ela afirmou saber que o cristianismo é verdadeiro por causa do testemunho do Espírito Santo em seu coração. No entanto, quando eu a desafiei, pedindo que me dissesse precisamente qual prova persuasiva ela tem que torna sua sensação de experimentar o testemunho interno do Espírito Santo algo além de uma emoção meramente intensa, ela gaguejou e não pôde dizer nada.

Por isso, estou lhe perguntando. Qual prova persuasiva o senhor mesmo tem de que aquilo que você experimenta como o testemunho interno do Espírito Santo é algo além de uma emoção meramente intensa gerada por alguma causa natural externa ou por alguma causa natural interna, talvez simplesmente por seu desejo de que o cristianismo seja verdadeiro? Afinal, muitos religiosos acreditam terem intensas confirmações emocionais de suas religiões. O que torna a experiência que o cristão tem do Espírito Santo tão especial? Se citar a Bíblia, suspeito que não ajudará muito em seu argumento. Isso porque o fato de seu livro sagrado descrever o testemunho interno do Espírito Santo não é, em si, prova persuasiva de que o que o senhor experimenta, ou o que minha mãe experimenta, seja algo além de uma emoção meramente intensa causada naturalmente. Por quê? Porque já é, conforme o senhor, a fundação de seu conhecimento da existência do Espírito Santo; portanto, argumentar que seu testemunho interno do Espírito Santo seja prova persuasiva da verdade do cristianismo é argumentar em círculos. Ou assim me parece.

Atenciosamente,

Alice

Estados Unidos

United States

Dr. Craig responde


A

Não costumo ser chamado para resolver brigas familiares! Mas, neste caso, a questão é filosófica; por isso, acho que vou aceitar o risco de me envolver.

Parece-me, Alice, que você está confundindo a afirmação de sua mãe de que a crença no teísmo cristão lhe é uma crença apropriadamente básica, fundamentada no testemunho do Espírito Santo, com sua proposição de um argumento a favor do teísmo cristão a partir da experiência religiosa. Se ela estivesse fazendo esta última, sua objeção seria relevante; porém, não é relevante a alguém que afirma saber que Deus existe de uma forma apropriadamente básica.

Pois bem, sua mãe está, de fato, propondo um argumento; trata-se, porém, de argumento não a favor do teísmo cristão, mas, sim, a favor da afirmação de que a crença cristã pode ser racional e avalizada, mesmo na ausência de argumentos e provas. Os filósofos chamam tais crenças de “crença apropriadamente básicas”. Elas não se baseiam em alguma outra crença; antes, fazem parte do fundamento do sistema de crenças de alguém. Outras crenças apropriadamente básicas seriam a crença na realidade do passado, a existência do mundo externo e a presença de outras mentes como a nossa.

Quando se pensa nisto, nenhuma destas crenças pode ser provada. Como se poderia provar que o mundo não foi criado cinco minutos atrás, mas com aparências embutidas de idade, como comida em nossos estômagos de cafés da manhã que nunca tomamos e traços de memória em nossos cérebros de eventos que jamais experimentamos de verdade? Como se poderia provar que você não é um cérebro num tonel de substâncias químicas sendo estimulado com eletrodos por algum cientista maluco para crer que você é uma mulher com um corpo, envolvida em relações com outras pessoas? Como se poderia provar que outras pessoas não são, na verdade, androides que exibem todo o comportamento externo de pessoas com mentes, quando, na realidade, são entidades desalmadas, como robôs?

Embora este tipo de crença nos seja básico, não quer dizer que seja arbitrário. Antes, fundamenta-se no sentido de que se forma no contexto de determinadas experiências. No contexto experimental de ver, sentir e ouvir coisas, naturalmente formo a crença de que há determinados objetos físicos que estou sentindo. Assim, minhas crenças básicas não são arbitrárias, mas apropriadamente fundamentadas na experiência. Pode não haver maneira de provar tais crenças e, ainda assim, é perfeitamente racional mantê-las. Deveras, só sendo louco para pensar que o mundo foi criado cinco minutos atrás ou para crer que você é um cérebro num tonel! Tais crenças, portanto, não são meramente básicas, mas apropriadamente básicas. Do mesmo modo, a crença em Deus é, para quem o conhece, uma crença apropriadamente básica, fundamentada em nossa experiência de Deus. Era assim que as pessoas na Bíblia conheciam a Deus, conforme explicou o professor John Hick:

Deus lhes era conhecido como vontade dinâmica que interagia com suas próprias vontades, uma pura e simples realidade, a ser concebida de maneira tão inescapável quanto uma tempestade destruidora e o sol doador de vida... Eles não pensavam em Deus como uma entidade inferida, mas, sim, como realidade experimentada. Deus não lhes era… uma ideia adotada pela mente, mas uma realidade experimental que lhes dava significado à vida.[1

Na ausência de algum derrotador de tal experiência, o cristão é perfeitamente racional ao aceitar a crença em Deus de forma apropriadamente básica. Sua mãe não está sob nenhuma obrigação racional de lhe provar que a experiência dela é verídica, assim como você não o está para provar ao cético que sua crença no mundo externo é verídica. Fica a seu cargo (assim como está ao cargo do cético) provar que a experiência da sua mãe é puramente emocional ou ilusória.

É assim que eu formularia o argumento de sua mãe:

1. Crenças que são apropriadamente básicas podem ser aceitas racionalmente como crenças básicas que não se fundamentam em argumentos.

2. A crença de que o Deus bíblico existe é apropriadamente fundamentada no testemunho do Espírito Santo.

3. Logo, a crença de que o Deus bíblico existe pode ser aceita racionalmente como crença básica que não se fundamenta em argumentos.

Talvez você não aceite (2), mas, no caso, você não tem o testemunho do Espírito Santo que sua mãe afirma ter. Sua falta de tal experiência nada faz para contradizer a experiência dela.

Incentivo assistir ao filme “Contato”. Seu clímax se dá quando a heroína cética representada por Jodie Foster tem uma experiência avassaladora que lhe revela o sentido profundo do cosmo. “Nunca soube disso!”, exclamou ela. “Nunca soube!” Ela não tinha como provar a seus colegas que aquilo que experimentou era real; ainda assim, ela sabia que era. Ela tinha uma crença apropriadamente básica, fundamentada na experiência, embora se sentisse perdida na tentativa de provar a veridicidade daquela experiência para quem não tinha passado por ela. O mesmo se aplica à sua mãe.

Uma reviravolta no filme é que, posteriormente, emergem algumas provas de que sua experiência era genuína, afinal. É análogo às provas cristãs, como a prova histórica a favor de Jesus e sua ressurreição. As provas podem confirmar o que se conhece de forma apropriadamente básica.

Por último, fico me perguntando, Alice, se você refletiu na ironia de que sua mãe poderia facilmente ter virado o jogo e exigido saber quais as provas para o panteísmo espinosista. Por que não se trata apenas de ilusão emocional? De fato, o panteísmo espinosista enfrenta poderosos derrotadores. Não só não há razão para pensar que o universo é necessário e eterno, muito menos divino, mas também todas as provas que temos dizem que o universo é contingente e temporalmente finito. Os diversos argumentos favoráveis à existência de Deus que eu defendo são incompatíveis com o panteísmo espinosista. Assim, você se encontra, epistemicamente falando, numa posição pior do que sua mãe.


[1] John Hick, “Introduction”, in The Existence of God, ed. com introdução de John Hick, Problems of Philosophy Series (New York: Macmillan Publishing Co., 1964), pp. 13-14.

 

- William Lane Craig