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#679 Diálogo com Alex Malpass

July 17, 2020
Q

Olá, Dr. Craig.

Gostei bastante de ouvir a sua conversa com o Dr. Malpass sobre o começo do universo no canal de YouTube Capturing Christianity. Não havia percebido como o assunto tem as suas nuanças, e estou muito empolgado em me aprofundar mais no seu trabalho sobre a questão, além de pessoas como Pruss, Koons e Loke. Quando Malpass apresentou a objeção envolvendo a simetria de eventos passados e futuros, o senhor mencionou que tinha uma resposta em cinco pontos, mas não conseguiria expô-las todas na discussão. Será que poderia compartilhar e explicar esses cinco pontos?

Vincenzo

Canadá

Canada

Dr. Craig responde


A

O próprio Alex me escreveu após o diálogo para perguntar quais eram as minhas cinco respostas à “objeção da simetria”, como a chamo, contra o argumento para a finitude da série de eventos passados. Você está certo de que o conjunto de questões que surgem em relação a este argumento são fascinantes e interessantes tanto para não-teístas quanto para teístas!

Para revisar, a objeção da simetria afirma que, se o argumento contra a finitude da série de eventos passados é válido, também o é um argumento parecido contra a infinidade da série de eventos futuros.

O irônico nesta objeção é que concordo plenamente que a série de eventos futuros não pode ser realmente infinita, assim como a série de eventos passados não pode ser realmente infinita! Neste sentido, concordo com a alegação de simetria. Afirmo, porém, que não se segue da finitude da série de eventos futuros que a série de eventos futuros deva chegar ao fim.

A série de eventos futuros pode ser finita, mas infindável. Neste caso, a série é potencialmente infinita. Esta é uma visão tão difundida e comumente aceita na história da filosofia e ciência que o objetor tem um considerável ônus da prova para mostrar que esta visão é insustentável. Será que aguenta o ônus? Acho que não, por cinco razões.

1. A objeção é ou ad hominem ou forçada. Como reconheceu Alex, a objeção tende a ser ad hominem, não no sentido abusivo, mas no sentido de que tem força apenas contra pessoas específicas — por exemplo, aqueles que acreditam na imortalidade pessoal ou, no caso da formulação de Andrew Loke do argumento (ver (4) abaixo), contra teístas. Caso se tente evitar este aspecto ad hominem, afirmando ficar claro que a série de eventos futuros pode ser infinita, parece uma forçação de barra. Isto porque a objeção nada faz para expor a falha no raciocínio favorável a um começo da série de eventos passados. Concede que há um argumento válido contra a infinidade do passado que também se aplica à infinidade do futuro. Sem refutar este argumento, apenas pressupõe que um futuro infinito é possível, uma forçação de barra contra o argumento. Assim, a objeção é forçada e/ou ad hominem.

2. É plausível que as séries passada e futura de eventos não sejam perfeitamente simétricas. Segunda a teoria flexiva do tempo, para a qual o devir temporal é aspecto objetivo da realidade, não há eventos após o evento presente e, portanto, não há eventos futuros. Assim, a teoria flexiva do tempo implica que um número realmente infinito de eventos futuros não existe; deveras, o número de eventos futuros é 0. A série de eventos posteriores a qualquer evento no tempo, incluindo a singularidade cosmológica inicial, é sempre finita e sempre crescente rumo à infinidade como limite. Em outras palavras, tal série é potencialmente finita. Georg Cantor chamou o infinito potencial de “finito variável”. Se a série de eventos futuros é potencialmente infinita, a série de eventos futuros é finita, mas infindável.

Em contraste, a série de eventos anteriores a qualquer evento no tempo não pode ser potencialmente infinita, pois, para que assim o fosse, teria de ser finita, embora aumentasse na direção de anterior a, o que contradiz a natureza do devir temporal. Por isso, uma série sem começo de tais eventos deve ser, na verdade, infinita.

Considere a premissa de Alex:

<blockquote>

1. Se uma série sem começo de eventos passados é impossível, uma série infindável de eventos futuros é impossível.

</blockquote>

 

Isto compromete Alex com a visão de que não há nenhum mundo possível em que a série de eventos tenha começo, mas não tenha fim. Em outras palavras, ele tem de dizer que a visão segundo a qual a série de eventos é potencialmente infinita não é apenas falsa, mas impossível. Trata-se de uma tese radical com um pesado ônus da prova.

 

3. Landon Hedrick, nem um pouco amigo do argumento cosmológico kalam, ofereceu uma versão do argumento para a finitude do passado que não é suscetível à objeção da simetria. Funciona assim:

<blockquote>

(1) Não pode haver um mundo em que um número realmente infinito de coisas seja atualizado.

(2) Se o mundo atualizado é um mundo em que o universo é eterno no passado, há um mundo em que um número realmente infinito de coisas foi atualizado.

(3) Logo, o mundo atualizado não pode ser um mundo em que o universo é eterno no passado.

</blockquote>

Esta versão do argumento para a finitude do passado evita qualquer suposto paralelismo com o futuro.

4. A versão de Andrew Loke do argumento para a finitude do passado não é suscetível à objeção da simetria. Loke mostra que, caso alguém mantenha a possibilidade de um regresso temporal infinito de eventos, fica fácil provar que possa existir um número de coisas realmente infinito e simultaneamente existente. Loke imagina que o regresso infinito de eventos inclui eventos que envolvem a construção de quartos de hotel desde a eternidade passada. No tempo presente, teríamos um hotel com um número de quartos realmente infinito. Em contraste, se a construção de tal hotel tivesse de começar no tempo presente, ele jamais teria um número de quartos realmente infinito, embora a construção continue infindavelmente rumo à infinidade como limite. Portanto, um futuro infindável não gera os mesmos absurdos de um passado infinito.

A resposta de Alex a Loke envolve uma mudança ilícita de operador modal. Alex pensa que, se Deus pode trazer à existência cada quarto futuro numa série infindável de eventos, ele pode trazer à existência todas elas no momento presente. Isto está errado. Não se segue da capacidade de Deus de trazer à existência presente qualquer quarto futuro em particular que ele seja capaz de trazer à existência presente todos os quartos futuros. Raciocinar assim é logicamente falacioso, do ponto de vista modal. Portanto, Loke está bastante justificado ao negar que a possibilidade de um futuro infindável implique a possibilidade da existência de um número de coisas realmente infinito, como o faz a possibilidade de um passado sem começo.

5. A versão de Alexander Pruss para o argumento a favor da finitude do passado não é suscetível à objeção da simetria. O argumento de Pruss para a finitude da série de eventos passados baseia-se na impossibilidade de que qualquer evento seja o efeito de um número infinito de causas. Ele mostra que um evento com infinitas causas múltiplas é algo eivado de paradoxo. Isto exclui um regresso de eventos causal infinito, mas não um progresso de eventos causal infindável, uma vez que, no último caso, nenhum evento é o efeito de infinitas causas múltiplas.

A maior parte das minhas respostas está mais elaborada no meu artigo “The Kalām Cosmological Argument”, em Two Dozen (or so) Arguments for God’s Existence, ed. T. Dougherty e J. Walls (Oxford: Oxford University Press, 2018), pp. 389–405. Que mais pessoas entrem na discussão!

- William Lane Craig