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#663 O desafio das religiões orientais

February 02, 2020
Q

Caro Dr. Craig,

Recentemente, topei com dois conceitos em meu estudo de religiões orientais que abalaram toda minha cosmovisão. Considero-as coerentes do ponto de vista lógico, mas contradizem totalmente a cosmovisão judaico-cristã. Ficarei grata se puder me ajudar.

1. Enquanto dizemos que Deus é o motor imóvel e incausado, as religiões orientais dizem que a alma (o ego universal) é o motor imóvel. Assim, somos deuses que simplesmente escolhemos nos envolver em corpos finitos temporários. Penso que podemos rebater este ponto ao indagar por que a alma onisciente faria isso. Haveria ainda outros contra-argumentos lógicos?

2. O problema seguinte é que acabei de perceber que a filosofia oriental sempre usou a lógica plurivalente (difusa), em contraste com a lógica binária clássica aceita por pensadores cristãos ocidentais. Se for assim mesmo, em especial com os princípios de incerteza na física quântica, como é que podemos manter a lei da não-contradição, quando afirmamos que nossa cosmovisão é a única verdade? Como é que Jesus pode afirmar ser o único caminho, em contraste com Krishna, que afirmava ser o caminho? E se os dois estivessem parcialmente corretos? Estas dúvidas me incomodam. Não sou uma pessoa muito técnica; por isso, ficaria grata com uma resposta clara para leigos. Obrigada.

Rebecca

País desconhecido

Afghanistan

Dr. Craig responde


A

Está bem, Rebecca, aqui vai “uma resposta clara para leigos” às suas perguntas! Se quiser uma resposta mais cuidadosa e diferenciada, recomendo fortemente o livro de Stuart Hackett Oriental Philosophy (University of Wisconsin Press, 1979). Para ver como um filósofo budista reage a minhas críticas, assista ao meu diálogo com o Dr. Sik Fa Ren na Universidade Politécnica de Hong Kong.

1. Não é verdade que “as religiões orientais dizem que a alma (o ego universal) é o motor imóvel”. Pelo contrário, elas tipicamente negam que haja sequer alguma alma substancial ou ego duradouro. A alma é ilusória e não dura de um momento para o próximo. Ademais, a realidade última não é um indivíduo pessoal que decidiu fazer algo. O Absoluto está além da descrição e distinção de qualquer espécie e, portanto, é completamente descaracterizado.

De todo modo, se imaginarmos um Deus pessoal que escolheu se “envolver em corpos finitos temporários”, a implicação é que sou Deus encarnado, uma conclusão para a qual não encontro nenhuma razão de crer, além de ser totalmente implausível à luz de minha evidente finitude, contingência e pecaminosidade.

2. Essas religiões não defendem nada tão inofensivo como a lógica plurivalente. Lógicas plurivalentes podem ser úteis, por exemplo, em circuitos eletrônicos, onde um interruptor pode ter três posições denominadas -1, 0 e +1. Como você menciona, alguns físicos sugerem utilizar a lógica plurivalente para caracterizar certos experimentos quânticos, embora tal abordagem seja geralmente vista como fracassada.[1] Alguns filósofos defendem usar a lógica trivalente para descrever proposições no tempo futuro sobre eventos contingentes, uma visão que critiquei em meu livro The Only Wise God [O único Deus sábio]. Não é nem um pouco evidente que a lógica plurivalente seja aplicável a valores de verdade (em oposição, digamos, a posições de interruptores) e, se quiserem fazer tal aplicação, deve ser realizada dentro do parâmetro da costumeira lógica bivalente.

Antes, as religiões orientais das quais você fala negam a aplicação da lógica à realidade última em si. Como mencionei, o Absoluto está além de todas as distinções e, portanto, nada se pode dizer a seu respeito. É apreendido apenas na experiência mística. Tal visão é incoerente do ponto de vista lógico. Pois, se não se pode dizer nada do Absoluto, como é que podemos dizer que nada se pode dizer a seu respeito? Não é verdade, afinal, que o Absoluto está além de toda distinção, pois isto é dizer algo verdadeiramente do Absoluto. A posição, portanto, cai em contradição. Assim, você estava bem errada, Rebecca, ao dizer que essas perspectivas orientais são “coerentes do ponto de vista lógico”. Elas são, por definição, incoerentes do ponto de vista lógico, uma vez que renunciam a lógica e, ademais, caem em contradição.

Não obstante, o que deve ficar claro é que não se pode oferecer nenhuma razão sequer para adotar tal perspectiva tão incoerente. Pois qualquer argumento que se ofereça envolverá a afirmação de certas verdades e o uso das regras lógicas de inferência a fim de tirar conclusões. Não se pode dar nenhum tipo de justificação — por exemplo, “a realidade última está além da lógica humana” —, pois isso significa afirmar uma suposta verdade acerca da realidade última, quando esta não existe. Por que adotar tal visão, tão incoerente do ponto de vista lógico, por nenhum motivo razoável?

 
 

[1] Assim descreve o destacado filósofo da ciência Tim Maudlin:

“o cavalo da lógica quântica foi tão surrado, chicoteado e agredido, estando já completamente desfalecido, que... a pergunta não é se o cavalo se reerguerá, mas sim: como é que o cavalo veio a existir, para começo de conversa? A história da lógica quântica não é a histórica de uma ideia promissora que deu errado; antes, trata-se da história da busca incansável de uma má ideia... todo o aparato matemático [da mecânica quântica] é perfeitamente bem descrito, explicado e compreendido lançando mão da lógica clássica. E, embora haja problemas interpretativos que precisam ser enfrentados, nenhum deles pode ser resolvido ou sequer aperfeiçoado com a rejeição da lógica clássica” (Tim Maudlin, “The Tale of Quantum Logic”, in Hilary Putnam, editado por Yemima Ben-Menahem [Cambridge: Cambridge University Press, 2005], pp. 184-185).

 

- William Lane Craig