#593 O que fazer num impasse
March 17, 2019Olá! Tenho uma pergunta sobre uma discussão que estou tendo com meu professor a respeito do pluralismo religioso, ao que ele apresentou o seguinte argumento: “A e B pertencem a diferentes tradições religiosas. A religião de A e a religião de B não podem, ao mesmo tempo, ser verdadeiras, porque fazem afirmações conflitantes sobre algo — por exemplo, se Cristo foi ou não ressuscitado dentre os mortos. A não tem mais razão para pensar que aquilo em que crê é verdadeiro do que B tem para crer que aquilo que pensa é verdadeiro. Da mesma forma, B não tem mais razão para pensar que suas crenças são verdadeiras do que o faz B. (Além do mais, tanto A quanto B percebem isto.) Assim, não é racional para nenhum dos dois pensar que ela, e não a outra pessoa, detém a verdade. Portanto, a crença religiosa é irracional. Não é?” Como devo responder?
Aaron
Estados Unidos
Afghanistan
Dr. Craig responde
A
Existem algumas maneiras de responder, Aaron.
Primeiramente, a resposta mais óbvia é desafiar a suposição de seu professor de que a situação de A e B corretamente descrevam o ponto de vista do cristão diante de adeptos de outras tradições religiosas. Seu professor simplesmente supõe que o cristão “não tem mais razão para pensar que aquilo em que crê é verdadeiro do que B tem para crer que aquilo que pensa é verdadeiro”. Por que pensar assim? Suponha que B seja muçulmano. O cristão tem razões muito melhores para pensar que o cristianismo é verdadeiro do que o muçulmano tem para pensar que o islam é verdadeiro. Ora, sem dúvida, seu professor discorda de tal avaliação. Do contrário, não teria caracterizado A e B da forma como o fez. Mas você pode desafiar sua suposição. Ele precisa provar que as provas para o islam sejam tão boas quanto as provas para o cristianismo. Ele é capaz de fazer isto? Em particular, tomando o exemplo de seu professor, ele é capaz de mostrar que o cristão não tem razões melhores para pensar que Cristo ressuscitou dentre os mortos do que o muçulmano tem para negar que ele sequer foi crucificado? (A esta altura, você pode perguntar a seu professor se ele já considerou a sério os indícios para a historicidade da ressurreição de Jesus e lhe entregar uma cópia do livro The Son Rises.)
Em segundo lugar, mesmo que o cristão se encontre numa situação conforme descrita por seu professor, não quer dizer que a crença do cristão seja irracional. Indique a seu professor o artigo de William Alston, “Religious Diversity and Perceptual Knowledge of God”, Faith and Philosophy 5, n. 4 (1988): 433‑448. (Tenha em mãos uma cópia para lhe dar.) Alston concorda que tal situação, tomada isoladamente, resulta num impasse epistêmico. Isso porque nenhuma das duas pessoas sabe como convencer a outra que somente ela tem uma experiência religiosa verídica, e não ilusória. Tal impasse, entretanto, não solapa a racionalidade da crença do cristão, pois, mesmo que seu processo de formação de sua crença seja tão confiável quanto possível, ele não tem como dar uma prova não-circular deste fato. Assim, sua incapacidade de fornecer tal prova não anula a racionalidade de sua crença. Obviamente, o mesmo se aplica para a outra pessoa também. Ambas são racionais ao manter suas respectivas crenças, mesmo que não possam mostrar que as crenças da outra pessoa não sejam avalizadas.
Alston aconselha que o cristão em tal situação deveria fazer o que estiver ao seu alcance para encontrar pontos em comum a partir dos quais possam julgar as diferenças cruciais entre as visões rivais, buscando mostrar de maneira não-circular qual delas é correta. Se, ao proceder com base em considerações comuns a ambas as partes, como a percepção sensorial, os indícios racionais e os modos comuns de raciocínio, o cristão puder mostrar que suas crenças são mais bem avalizadas do que as de seu interlocutor, ele terá conseguido mostrar que o cristão está em melhor posição epistêmica para discernir a verdade sobre essas questões. É exatamente o que tenho tentado fazer.
Por último, talvez valha a pena apontar que, uma vez que o ateísmo é crença religiosa, o ateu se encontra na mesma situação de outros crentes religiosos. Seguiria do argumento de seu professor que o ateísmo também é irracional. Não é?
- William Lane Craig