#682 Objeções de Ehrman à descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres
July 17, 2020Caro Dr. Craig,
A sua resposta à pergunta 676 sobre a teoria da conspiração e a sua excelente refutação dessa teoria ultrapassada me deixou pensando em outra questão. Diz respeito ao argumento a favor da historicidade do sepulcro vazio.
Um dos elementos poderosos de provas oferecido a favor do sepulcro vazio é que os discípulos (ou evangelistas) não inventariam mulheres como as descobridoras do sepulcro vazio. Recentemente, topei com uma postagem no blogue de Bart Ehrman (datada de 22 de outubro de 2019) sobre esse elemento de prova (ele repudiou a visão anterior que tinha de que o sepulcro vazio seja historicamente factual), e fiquei me perguntando como refutá-lo.
Ele pergunta por que alguém inventaria a história das mulheres no sepulcro e propõe várias possibilidades. A primeira coisa que ele observa é que, embora as mulheres não fossem testemunhas em cortes legais judaicas, segundo os relatos dos evangelhos elas não apareceram numa corte judaica. Além disso, ele pensa que uma possibilidade é que contadoras de histórias teriam inventado a história das mulheres a encontrar o sepulcro vazio. Ele cita diversos elementos de provas bíblicas no sentido de que mulheres desempenhavam importantes papéis no ministério de Jesus e na igreja primitiva, de modo que a ideia de contadoras de histórias inventando a história talvez não seja tão forçada. Ele também afirma que testemunhas femininas fariam mais sentido histórico, pois era tarefa delas preparar o corpo para o sepultamento, de modo que a história de que encontraram o sepulcro vazio quando foram ungir o corpo seria razoável. Ele, então, defende que é provável que todos os discípulos do sexo masculino tenham fugido durante a prisão e crucificação de Jesus, de modo que a invenção das mulheres descobrindo o sepulcro talvez reflita essa memória de deserção.
A primeira coisa que pensei ao ler essa postagem no blogue foi que a abordagem dos fatos mínimos para estabelecer a historicidade da ressurreição não precisa ter o sepulcro vazio como um dos fatos. O excelente livro do Dr. Michael Licona sobre a historicidade da ressurreição deixou isto claro para mim. Assim, mesmo que as objeções do Dr. Ehrman sejam razões convincentes para duvidar da historicidade da descoberta que as mulheres fizeram de um sepulcro vazio, nada fazem para prejudicar substancialmente o argumento a favor da ressurreição em si.
Diferentemente da pessoa que fez a pergunta 676, penso que o argumento a favor da ressurreição é tão forte que uma objeção isolada a um único elemento de prova, por potente que seja, não desfaz a solidez do argumento geral. Além disso, depois de ler e considerar a lista de motivos feita por Dale Allison a favor do sepulcro vazio no seu livro Resurrecting Jesus, devo dizer que há outros bons motivos para pensar que o sepulcro vazio é historicamente factual. Em particular, o sepultamento por José de Arimateia — e a defesa que o senhor faz da historicidade desse sepultamento honroso — é um elemento de prova muito forte. Dito isto, pensando que as testemunhas femininas sejam um elemento de prova muito forte, estive considerando algumas possíveis refutações ao raciocínio de Ehrman. Refletindo mais a respeito das razões específicas de Ehrman, penso que vejo algumas das falácias. A primeira falácia é que, ainda que contadoras de histórias inventassem a história das mulheres a descobrir o sepulcro vazio, muito provavelmente era um escriba do sexo masculino que eventualmente teria de registrar a narrativa da Paixão e a história do sepulcro vazio. Uma vez que a lista de Paulo com as testemunhas em 1 Coríntios 15.3-8 exclui quaisquer mulheres, por que pensar que cristãos letrados do sexo masculino, na igreja primitiva, teriam registrado essa história das contadoras, ainda mais por ela incluir mulheres como testemunhas do sepulcro vazio e da ressurreição?
As duas outras objeções dele, de que se esperava que mulheres fossem os primeiros a visitar o sepulcro e que discípulos do sexo masculino fugiram, só parecem acrescentar credibilidade à historicidade das discípulas como aquelas que descobriram o sepulcro vazio. Era costume delas irem ao sepulcro para ungir os corpos e, de todo modo, os homens tinham corrido e fugido. Combinando isto com outros elementos de provas a favor do sepulcro vazio (p. ex., o sepultamento por José de Arimateia etc.), penso que seja ainda mais provável que as mulheres realmente tenham descoberto o sepulcro vazio. Não consigo pensar em objeção mais forte do que essa, mas, mesmo assim, parece-me até que boa.
Por isso, minhas perguntas para o senhor são: o senhor pensa que essas são refutações efetivas do raciocínio de Ehrman para rejeitar a historicidade do sepulcro vazio, e como o senhor responderia às razões de Ehrman? Embora nada disto tenha produzido uma crise de fé pessoal, gostaria de poder dar uma resposta sólida quando estiver praticando apologética, caso necessário. Obrigado.
Brandon
Estados Unidos
United States
Dr. Craig responde
A
É um alento, Brandon, receber uma carta de alguém que, em vez de cair na dúvida e desespero por causa de uma objeção encontrada, reage com pensamento crítico, analisando fraquezas na objeção e ponderando-lhe as consequências, mesmo que seja verdadeira. É este tipo de pensamento crítico cristão que a igreja precisa exemplificar hoje!
Penso que tenho algumas observações úteis para acrescentar à sua cuidadosa análise.
Primeiramente, você está bastante certo em apontar que, mesmo no pior cenário, essa objeção nada faz para contestar a historicidade do sepulcro vazio (ou mesmo da descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres). No máximo, removeria um elemento de prova positivo na defesa cumulativa do sepulcro vazio, que continuaria intacta sem ele. De fato, numa defesa cumulativa, como a que se apresenta numa corte legal, um só elemento de prova não pode ser suficiente para condenar o acusado, mas a força cumulativa de todas as provas pode ser suficiente para condenar acima de toda dúvida. Assim, embora você esteja certo de que há quem defenda a historicidade da ressurreição de Jesus mesmo sem recorrer ao sepulcro vazio, não é preciso sequer tocar nisto, já que esta objeção não lança dúvida na historicidade do sepulcro vazio. Ela nem mesmo nega o fato da descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres; simplesmente afirma que o papel das mulheres na história não é indicação da credibilidade histórica da história, conforme sustentam muitos estudiosos.
A maior parte dos estudiosos pensa que a descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres é, provavelmente, histórica, pois qualquer relato lendário posterior faria discípulos do sexo masculino descobrir o sepulcro vazio, e não mulheres, que não eram consideradas como testemunhas com credibilidade na sociedade judaica, ocupando um nível inferior ao de homens numa sociedade patriarcal. Esta convicção histórica decorre do critério do embaraço. De acordo com ele, eventos ou ditos na vida de Jesus que fossem embaraçosos ou contraproducentes para a comunidade cristã primitiva têm mais probabilidade de ser históricos do que o seriam de outro modo. Exemplos do critério de embaraço em operação incluem o batismo de Jesus por João Batista e a negação de Jesus por parte de Pedro. Igualmente, uma histórica lendária com mulheres como as principais testemunhas de um fato tão importante quanto o sepulcro vazio de Jesus tem baixa probabilidade de haver surgido.
Em outra ocasião, denunciei que Bart Ehrman consistentemente maltrata os critérios de autenticidade (https://www.youtube.com/watch?v=e4spvyiywrc). Primeiro, ele os formula mal e, então, aplica-os mal. O seu relato dessa postagem recente mostra que ele ainda não arrumou a própria casa. Ele confunde a probabilidade da história em si com a probabilidade da história ter sido inventada. São duas coisas diferentes. O critério de embaraço não afirma que a história em questão é improvável. Pelo contrário, a história em si pode ser completamente crível. Por exemplo, não há nada improvável na negação de Jesus por parte de Pedro. Dada a sua impetuosidade e excesso de confiança, não é improvável que tal história tenha acontecido. Antes, o improvável é que tal história sobre a apostasia de um líder da igreja primitiva tenha surgido ou sido inventada na ocasião, se não fosse verdadeira. Consegue ver a diferença? O que está em jogo no critério de embaraço não é a probabilidade da história, mas a sua natureza embaraçosa ou contraproducente, que torna improvável a sua invenção.
Na realidade, Ehrman parece confundir o critério de embaraço com um critério diferente, o critério da verossimilhança. Verossimilhança é uma palavra chique para a história que é “fiel à vida”, considerando o que conhecemos da cultura daquela época. O que Ehrman diz, na verdade, é que a história da visita ao sepulcro de Jesus pelas mulheres exibe verossimilhança: mulheres judias visitavam, sim, os sepulcros dos recém-falecidos para ungir o cadáver.[1] Ehrman parece pensar que verossimilhança é incompatível com embaraço.
Perceba, então, como o raciocínio de Ehrman é distorcido. Como é que a historicidade da história pode ser solapada ao mostrar que ela passa não apenas um, mas dois critérios de autenticidade? Ela exibe verossimilhança e é embaraçosa. Assim, a história tem ainda mais credibilidade do ponto de vista histórico.
Por que se diz, então, que a maioria dos estudiosos está enganada ao pensar que, à luz da natureza embaraçosa da história, é improvável que ela seja lendária ou inventada? Conforme apontou Dale Allison, cujo excelente estudo você mencionou, qualquer razão concebível para incluir mulheres na natureza seria mais bem amparada por homens.
(1) “Embora as mulheres não fossem testemunhas em cortes legais judaicas, segundo os relatos dos evangelhos elas não apareceram numa corte judaica”. Quanta besteira! Ninguém afirmou que elas o fizeram. Antes, dada a idade da história da paixão pré-marcana, que incluiu a história do sepulcro vazio, a narrativa originou-se num contexto cultural judaico, onde os fatores que mencionei estavam em jogo.
(2) “Contadoras de histórias teriam inventado a história das mulheres a encontrar o sepulcro vazio”. Que piada! Ninguém afirmou que a história originou-se com homens. Contadoras de histórias teriam tido exatamente o mesmo motivo em fazer com que homens descobrissem o sepulcro vazio como o teriam contadores de histórias do sexo masculino, a saber: reforçar a credibilidade do relato do sepulcro vazio.
(3) “Testemunhas femininas fariam mais sentido histórico, pois era tarefa delas preparar o corpo para o sepultamento, de modo que a história de que encontraram o sepulcro vazio quando foram ungir o corpo seria razoável”. Esta afirmação confunde verossimilhança e embaraço, conforme o explicado. De fato, considerando que o relato exibe verossimilhança, por que Ehrman não o julga histórico? Na realidade, Ehrman se colocou num beco sem saída: ou o relato tem verossimilhança ou é embaraçoso. Seja como for, tem mais probabilidade de ser histórico.
(4) “É provável que todos os discípulos do sexo masculino tenham fugido durante a prisão e crucificação de Jesus, de modo que a invenção das mulheres descobrindo o sepulcro talvez reflita essa memória de deserção”. Caramba! Este é um velho boato, justamente descartado como uma “lenda dos críticos”. Estudiosos liberais queriam negar a historicidade do sepulcro vazio e das aparições de Jesus pós-ressurreição em Jerusalém, e por isso interpretaram Marcos 14.50 — “Então, todos o deixaram e fugiram” — como se quisesse dizer que os discípulos fugiram lá para Galileia imediatamente após a prisão de Jesus no Jardim! Esta fantasiosa hipótese não somente força a credulidade, mas vai de encontro às tradições de que os discípulos ainda estavam em Jerusalém no fim de semana. Estou pensando especialmente nas tradições da negação de Pedro, que passam não apenas no critério do embaraço, mas provavelmente também no critério de atestação múltipla. Que Ehrman viesse a adotar esta hipótese mostra como a pesquisa dele é tendenciosa. Em todo caso, como explica Allison, lendas não se importam se os discípulos fugiram; mesmo que tivessem, lendas dos homens descobrindo o sepulcro vazio poderiam surgir. No entanto, elas foram evitadas pelas antigas tradições da descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres.
Então, sim, Brandon, penso que algumas das suas respostas são muito boas, e você tem o meu aplauso por sua capacidade de refletir sobre essas questões de maneira sóbria e crítica.
[1] Espero que Ehrman não esteja tentando o velho truque de dizer que as mulheres foram responsáveis em parte pelo sepultamento de Jesus, indo terminar o sepultamento incompleto dado a Jesus por José de Arimateia. Não há razão para pensar que o enterro por José não tenha sido completo. Uma das características marcantes da narrativa do sepultamento que revela a sua verossimilhança é que Jesus não foi sepultado por sua família ou seus discípulos (como retratado na cena da Pietà), mas por seus inimigos. Enquanto membro do Sinédrio que condenou Jesus, José teve de retirar o corpo da cruz e enterrá-lo antes do entardecer, para que a terra, segundo o pensamento judaico, não fosse profanada. Ver Jesus enterrado pelos seus inimigos, e não por seus discípulos, é algo tão embaraçoso para a comunidade cristã primitiva que é provavelmente verdade, no juízo da grande maioria dos estudiosos. As mulheres estavam indo lá não para completar o sepultamento de Jesus, mas, como era costumeiro, para ungir o corpo com óleos aromáticos.
- William Lane Craig