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#177 Teologia do Ser Perfeito

October 28, 2014
Q

Dr. Craig,

Eu primeiro gostaria de agradecer por seu trabalho. Apesar de ser um agnóstico com tendências teístas, fui primeiro direcionado ao seu site por um amigo persistente que me levou a considerar as perguntas profundas da vida. Eu acho o que você tem a dizer sobre a existência de Deus claro e estimulante para me ajudar a formular a minha opinião sobre estas perguntas mais importantes. Dito isto, eu tenho problemas com um aspecto de suas visões teológicas, estando um pouco confuso com a sua aprovação tácita da teologia do ser perfeito de Anselmo (TSPA), que tenta descrever Deus como "o maior ser concebível" ou "aquele cujo nenhum maior pode ser concebido." Tenho notado que você usa bastante a TSPA em seus debates e publicações para argumentar contra a concepção islâmica de Deus, defender a Teoria do Comando Divino da ética, e estabelecer a Deus como um ser necessário. No entanto, apesar de suas vantagens, estou convencido de que TSPA é uma doutrina teológica cristã insustentável por três razões.

Em primeiro lugar, o conceito do maior ser concebível que é central para a TSPA é inerentemente subjetivo, pois o que parece grandioso para uma pessoa pode não ser nem um pouco grandioso para outra. Para ilustrar, considere um realista moral e um niilista moral "encantado", que adora a destruição de todo o valor moral, dever e responsabilidade objetiva. Para o realista moral, a propriedade de ser onibenevolente pode ser propício para o maior ser concebível. No entanto, para o niilista encantado, onibenevolência pode ser vista como uma muleta que limita a onipotência de Deus; assim, ele não acha que onibenevolência seja uma propriedade que faz um ser grandioso. Outro exemplo seria o fato de Deus ser um objeto concreto em vez de um objeto abstrato. Enquanto a maioria de nós hoje em dia concordamos que ser concreto é melhor do que ser abstrato, para um seguidor do platonismo, vivendo há 2.200 anos, seria o oposto. Portanto, muitas das intuições para que as pessoas apelam para justificar a sua concepção de Deus sob TSPA não são confiáveis, porque elas entram em conflito umas com as outras e são em grande parte moldadas pela cultura circundante.

Em segundo lugar, mesmo que o problema mencionado anteriormente possa ser respondido, TSPA faz o teísmo impossível. Um dos benefícios do TSPA é que ela pode ser usada para silenciar o ateu que pensa que pode conceber um ser maior do que Deus. Porque, se ele está dizendo a verdade, então aquele ser seria Deus, não aquilo a que ele estava originalmente se referindo. Para ver por que isso é problemático para o teísmo, considere duas pessoas A e B, ambas têm concepções do maior ser concebível. No entanto, B tem uma imaginação maior do que A e concebe um maior ser concebível maior do que A. Sob TSPA, B, por definição, tem a concepção correta de Deus. Agora, suponha que C entra em cena e tem uma imaginação maior do que A ou B. Como tal, sua concepção de Deus é a correta sob TSPA, e as de A e B são falsas. Este processo pode ser repetido até que chegamos a um ser que tem a maior imaginação possível. No entanto, tal ser é o próprio Deus! Só Deus pode corretamente conceber Deus sob TSPA! Isso faz com que o teísmo seja impossível, já que, a fim de acreditar em x, a pessoa deve primeiro ser capaz de conceber x, o que não pode acontecer já que a concepção de cada ser humano de Deus seria falsa.

Finalmente, TSPA não é apenas problemática, mas também contrária ao que o cristianismo ensina. Como Greg Bahnsen e outros apontaram, TSPA mina a glória e o poder de Deus, limitando Seu poder e atributos para o que os seres humanos pensam dEle. Se o Cristianismo é realmente verdade, então Deus não é simplesmente um ser cujas propriedades estão condicionadas à cognição humana; pelo contrário, Ele, como Criador do mundo é totalmente independente, tanto em existência quanto em essência do que nós como seres humanos pensamos dEle.

Então, por causa desses problemas, acredito que os cristãos deveriam abandonar TSPA, independentemente de suas qualidades. Em vez disso, eles deveriam avançar para algo semelhante à teologia do ser maximamente grande de Plantinga, que descreve Deus ao atribuir a Ele um conjunto de propriedades bem definidas. Mas quais são seus pensamentos sobre isso?

Você acha que esses problemas com TSPA podem ser superadas?

Obrigado,

Aditya

United States

Dr. Craig responde


A

Dizer que eu tacitamente endosso a Teologia do Ser Perfeito de Anselmo é um eufemismo, Aditya. Eu sou um defensor entusiasta. Como eu explico em Philosophical Foundations for a Christian Worldview [Filosofia e Cosmovisão Cristã], eu vejo a concepção de Deus como o maior ser concebível, como sendo um dos guias para a formulação de teologia sistemática da doutrina de Deus:

Dois controles tendem a orientar a investigação sobre a natureza divina: as Escrituras e a Teologia do Ser Perfeito. Para os pensadores da tradição judaico-cristã, a auto-revelação de Deus nas Escrituras é, obviamente, fundamental para compreender como Deus é. Além disso, a concepção Anselmiana de Deus, como o maior ser concebível ou ser mais perfeito, guiou a especulação filosófica sobre os dados brutos das Escrituras, de modo que os atributos bíblicos de Deus devem ser concebidos de forma que serviriam para exaltar a grandeza de Deus. Já que o conceito de Deus é subdeterminado pelos dados bíblicos e já que o que constitui uma propriedade "que produz grandeza” 'é, até certo ponto, discutível, filósofos que trabalham dentro da tradição judaico-cristã desfrutam de latitude considerável na formulação de uma doutrina filosoficamente coerente e biblicamente fiel de Deus.

Parece-me que as suas perguntas evidenciam algumas confusões sobre a Teologia do Ser Perfeito e que, uma vez que estas sejam esclarecidas, as suas dúvidas serão dissipadas. Na verdade, a Teologia do Ser Perfeito inclui entre os seus defensores Alvin Plantinga, cuja visão você endossa. Então, vamos olhar para cada uma de suas três dúvidas.

Em primeiro lugar, o conceito do maior ser concebível é inerentemente subjetivo, pois o que parece grandioso para uma pessoa pode não ser nenhum pouco grandioso para a outra. Essa objeção parece confundir Deus sendo o maior ser concebível com nosso discernimento do que as propriedades do maior ser concebível deve possuir. Eu já reconheci um certo grau de jogo na noção de uma propriedade que produz grandeza. Por exemplo, é mais grandioso ser atemporal ou onitemporal? A resposta não é clara. Mas a nossa incerteza quanto a quais propriedades o maior ser concebível deve ter nada faz para invalidar a definição de "Deus" como "o maior ser concebível." Aqui a intuição de Anselmo, que você menciona, parece correta: não pode, por definição, haver qualquer coisa maior do que Deus.

Agora você pode pensar: "Mas o que adianta definir Deus como o maior ser concebível se não temos ideia de como tal ser seria?" A resposta a essa pergunta vai depender em qual projeto você está envolvido. Se você está fazendo teologia sistemática, então você tem aquele outro controle, ou seja, as Escrituras, que fornecem informações consideráveis sobre Deus. Por exemplo, que Ele é eterno, onipotente, bom, pessoal, e assim por diante. A teologia do Ser Perfeito ajudará na formulação de uma doutrina de Deus, interpretando esses atributos na forma mais grandiosa possível. Por outro lado, se o seu projeto é teologia natural, que não faz apelo às Escrituras, então você vai apresentar argumentos de que Deus deve ter determinadas características. Note que a mera discordância sobre se uma propriedade produz grandiosidade não implica que não existe uma verdade objetiva sobre o assunto. Quando temos um desacordo, então podemos apresentar argumentos por que achamos que é mais grandioso ter alguma propriedade do que a falta dela. O fato de que algumas propriedades (como a atemporalidade) não produzem claramente a grandiosidade, não implica que nenhuma propriedade produz grandiosidade, e tampouco que o conceito do maior ser concebível é totalmente subjetivo.

Considere seus dois exemplos. Em primeiro lugar, é mais grandioso ser onibenevolente do que não ser? Se onibenevolência realmente é uma propriedade moral, então parece moralmente melhor ser todo-amoroso do que parcialmente amoroso. O problema com o niilista moral é que ele nega que tal propriedade como onibenevolência tem qualquer valor moral! Isso me parece, junto com a maioria dos especialistas em ética, muito incrível, já que o amor é um dos exemplos mais claros de uma virtude moral. Na visão do niilista o conceito de Deus, que é, por definição, um ser digno de adoração, é incoerente. Assim, o niilista moral deve ser um ateu. Se cremos que existem valores morais objetivos, então devemos rejeitar o niilismo moral e junto com ele a afirmação do niilista de que o conceito de Deus é incoerente.

Então, suponha que alguém não é um niilista moral e pensa que onibenevolência é uma propriedade moral, mas nega que Deus o tenha porque infringe a sua onipotência (eu posso imaginar um muçulmano argumentando desta forma). Nesse caso, tem-se duas estratégias para prosseguir em resposta. Uma seria defender que qualquer aumento no poder que um ser não-onibenevolente tem é compensado por tal inferioridade em valor moral desse ser e que, pesando, um ser é mais grandioso se Ele é moralmente perfeito, mesmo não podendo fazer certos atos (imorais) que um ser menos onibenevolente poderia fazer. A outra estratégia seria mostrar que a onipotência não implica a capacidade de fazer qualquer coisa (veja o artigo de Flint e Freddoso "Maximal Power" [Poder Máximo] na minha antologia Philosophy of Religion [Filosofia da Religião]). Na verdade, eu acho que Anselmo e outros argumentaram plausivelmente que a capacidade de fazer atos de maldade, na verdade, evidenciam fraqueza não poder. Portanto, não há incompatibilidade entre onipotência e onibenevolência.

Em seguida, é mais grandioso ser concreto do que abstrato? O que você precisa entender é que a concepção moderna de objetos abstratos é bem diferente do que a concepção antiga. No sentido contemporâneo, objetos abstratos essencialmente não tem causalidade. Eles não podem fazer nada ou causar nada. Mas para Platão e os antigos, as Formas eram causalmente potentes e afetavam o mundo. Eles eram realmente mais parecidos com objetos concretos. Agora eu considero claro que é mais grandioso ser causalmente potente do que impotente, e que Deus, portanto, não pode ser um objeto abstrato no sentido moderno. Além disso, Deus é pessoal e, assim, não pode ser um objeto abstrato, uma vez que pessoas são objetos concretos.

O ponto é que os atributos de Deus pode ser debatidos: não há nenhuma razão para pensar que estamos totalmente no escuro sobre o assunto. Ao contrário da sua alegação, eu acho que é demonstrável que a concepção das pessoas de como o maior ser concebível seria tem um núcleo que não tem variado muito ao longo da história e cultura desde Anselmo.

Em segundo lugar, TSPA faz o teísmo impossível, uma vez que só Deus pode corretamente conceber Deus sob TSPA. Ironicamente, os proponentes medievais da Teologia do Ser Perfeito teriam cordialmente concordado que somente Deus tem uma perfeita compreensão de Sua essência! Na verdade, é por isso que Tomás de Aquino rejeitou o argumento ontológico de Anselmo. Mas eles iriam responder, acertadamente, que a sua conclusão de que o teísmo é impossível não segue. Em primeiro lugar, no máximo segue a partir do seu argumento de que a crença teísta não seria justificada, não que o teísmo seria falso. Em segundo lugar, uma compreensão parcial das propriedades essenciais de Deus não implica que a própria concepção de Deus é falsa, mas, apenas, incompleta, especialmente se a pessoa está consciente de que se é capaz de ter apenas um vislumbre da grandeza de Deus. Em terceiro lugar, pode-se acreditar em x sem ser capaz de captar a essência de x. Por exemplo, pode-se acreditar em Deus como o Criador e Designer do universo.

Mas há uma confusão mais fundamental subjacente à segunda pergunta, e essa é a confusão da conceptibilidade com imaginabilidade. Estas não são a mesma coisa. Um polígono de mil lados é inimaginável, mas não é inconcebível. Conceptibilidade é considerada como sendo co-extensivo com possibilidade metafísica. Assim, o maior ser concebível é a mesma coisa que o maior ser possível. É, como diz Plantinga, um ser maximamente grande, o maior ser possível. Plantinga, é verdade, dá conteúdo a esta noção em termos de propriedades específicas, mas essas propriedades são obviamente escolhidas porque ele pensa nelas como propriedades produtoras de grandiosidade que um ser maximamente grande deve ter. Grandeza máxima, sem dúvida, não se esgota nas propriedades que ele menciona. Sua versão do argumento ontológico é baseada, de fato, em um daqueles conceitos incompletos e inadequados de Deus que você menciona nesta pergunta.

Em terceiro lugar, TSPA mina a glória e poder de Deus, limitando o Seu poder e atributos para o que os humanos pensam dEle. As duas confusões subjacentes às duas primeiras perguntas se reúnem nesta objeção terrivelmente errônea. É claro, Deus "é totalmente independente, tanto em existência quanto em essência do que nós como seres humanos pensamos dEle." Pensar o contrário é confundir mais uma vez Deus sendo o maior ser concebível com nosso discernimento de quais propriedades o maior ser concebível deve possuir. Além disso, o conceito do maior ser concebível não é o mesmo que o conceito do maior ser imaginável. Nenhum defensor da Teologia do Ser Perfeito pensa que Deus é "um ser cujas propriedades estão condicionadas à cognição humana." O próprio absurdo de tal alegação deveria ter levado você a suspeitar que algo estava muito errado com o fato de o argumento levar a essa conclusão.

Então essas acusações são, penso eu, longe de serem insuperáveis. Observe que se você acha que a concepção de Plantinga de Deus como um ser maximamente grande é um conceito metafisicamente possível - como sua defesa dela sendo a tarefa da teologia cristã parece sugerir - então segue que Deus existe.

- William Lane Craig