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#718 Como viver com o naturalismo

March 23, 2021
Q

Olá, Dr. Craig.

Espero que vá tudo bem com o senhor e a sua família. Como ateu, não sou muito familiarizado com o cristianismo, mas assisti a muitas palestras e debates seus por interesse e curiosidade. Até o momento, penso que o senhor faz uma defesa intelectualmente convincente do teísmo cristão e continuarei a investigar mais a fundo essas ideias.

Uma de suas ideias que achei um pouco complicada é que a vida sem Deus é objetivamente absurda. Como a entendi, a sua visão é que, sob o naturalismo/ateísmo, nós morreremos, a terra perecerá e o universo se dissolverá no nada. Portanto, isto deve ser motivo de desespero, e os naturalistas que pensam terem as suas vidas algum sentido vivem numa ilusão. Concordo inequivocamente com todas as implicações do naturalismo que o senhor elencou e aceito essas implicações da minha cosmovisão, mas não sucumbi e não creio que deva sucumbir ao desespero, angústia ou terror existencial. Também não penso que os naturalistas sejam iludidos por pensarem que as nossas vidas não têm sentido.

Creio que a minha perspectiva é partilhada por muitos ateus, que não a articularam bem. Embora não esteja aqui para defender que o naturalismo seja verdade, suponhamos que o seja para discutir as suas implicações. Creio que o propósito da vida não é nem deveria ser cosmologicamente relevante ou intrínseco, mas algo que criamos e escolhemos para nós mesmos. Portanto, o sentido advém dos esforços que podem envolver a busca de paixões, a constituição de uma família ou a ajuda ao próximo — buscas que dão propósito à vida e dão a sensação de que vale a pena viver, mas têm impacto finito ou limitado num sentido último.

Pode-se argumentar que, se vamos perecer, pouco importa. Não vai fazer nenhuma diferença se eu escolher a ou b. Para ilustrar por que discordo com esta atitude, consideremos duas situações:

1. Acabei de terminar minha refeição num restaurante estilo bufê e vejo um bolo de chocolate numa bandeja. Escolher comer o bolo seria inconsequente no sentido último. Porém, o bolo é doce e gostoso, comê-lo torna o momento temporariamente mais agradável, o que já é bom o bastante. Comer o bolo é experiência que vale a pena, a despeito do fato de que ele acabará e não terá nenhum impacto na minha vida.

2. Estou num concerto e sei que a música acabará, e o evento será só uma vaga memória. Contudo, enquanto estou sentado na plateia, desfruto da música que é tão pujante, elegante e calorosa. Neste sentido, estar no concerto valeu a pena — foi bom enquanto durou.

Assim, segundo o naturalismo, morreremos e pereceremos, o sol engolirá a terra, o

universo deixará de existir. Porém, penso que importou que tenhamos vivido. Durante uma faísca de tempo enquanto estávamos aqui, a vida foi gratificante, envolvente e bela. Por isso, na minha concepção de sentido, a vida tem sentido sob o naturalismo; o fato de que as coisas chegam ao fim não é nem deveria ser motivo de medo e desespero, mas, sim, algo que aceito de bom grado. Pelo contrário, devemos ser gratos porque isso aconteceu.

Portanto, minhas perguntas são: será que a minha concepção de sentido é incompatível com a cosmovisão naturalista? Se o naturalismo fosse verdade, por que o senhor creria e faria outros crerem (subjetivamente) que a minha concepção de propósito na vida é indesejável?

Atenciosamente,

Luke

Austrália

Dr. Craig responde


A

Fico muito feliz que você esteja investigando o cristianismo, Luke! Além das palestras e debates que você menciona, espero que consulte minhas publicações, por exemplo, Apologética contemporânea (São Paulo: Vida Nova, 2012), sobre o que denomino “O absurdo da vida sem Deus”, onde destrincho em mais detalhes o meu pensamento sobre esta questão vital. (Você pode procurar o livro numa biblioteca, não precisa comprá-lo.)

Em vez de abordar a sua carta passo a passo, permita-me ir direto ao ponto e tratar as suas duas perguntas. As minhas respostas deixarão claro como eu responderia aos demais pontos.

1. “Será que a minha concepção de sentido é incompatível com a cosmovisão naturalista?” Não mesmo, se o entendi corretamente! É a minha concepção de sentido que é incompatível com o naturalismo! Sustento que, segundo o naturalismo, não há nenhum sentido, valor e propósito últimos ou objetivos na vida. Parece-me que você concorda comigo neste ponto, como muitos outros ateus o fazem. Se o universo é, objetivamente, sem sentido, valor e propósito, segue que qualquer sentido, valor e propósito a manter na vida são totalmente subjetivos. Como você diz, “criamos e escolhemos para nós mesmos” o sentido, valor e propósito pelos quais queremos viver. As suas paixões e interesses não tem muito sentido ou propósito, nem tampouco os seus familiares são moralmente valiosos ou importantes. Estes valores são apenas as preferências subjetivas que você escolheu para si, e você poderia ter feito escolhas muito diferentes, como Kim Jong-um ou Jeffrey Epstein o fizeram, sem cometer nenhum erro.

Ora, como muitos ateus, penso que isto é motivo para desespero. Pensar que a minha vida é objetivamente sem sentido, valor e propósito é insuportável. De fato, sustento que nenhum ateu pode viver de modo coerente e feliz dentro da estrutura da cosmovisão naturalista. Assim, para serem felizes, as pessoas inventam ou criam sentido, valor e propósito para as suas vidas e vivem de modo incoerente, como se as suas vidas objetivamente tivessem sentido. A minha afirmação não é que naturalistas não possam levar vidas prazerosas e hedonistas como você descreveu, desfrutando de boa comida e música clássica. Claro que podem! Porém, quando consideram que estas coisas verdadeiramente têm sentido, valor ou propósito, traem a própria cosmovisão. Vivem numa ilusão que eles mesmos criaram.

Parece-me que os dois concordamos que, segundo o naturalismo, tudo que nos resta é a experiência subjetiva de sentido, valor e propósito. Você pensa que viver assim não é tão ruim. Talvez não, mas isto se obtém à custa de uma vida incoerente e existencialmente inautêntica. Assim, a menos que o naturalismo se imponha sobre nós com argumentos persuasivos, é melhor evitá-lo.

2. “Se o naturalismo fosse verdade, por que o senhor creria e faria outros crerem (subjetivamente) que a minha concepção de propósito na vida é indesejável?” Porque é inautêntico do ponto de vista existencial. Porém, se o naturalismo é verdadeiro, não temos muita escolha. Ninguém consegue viver de modo coerente, como se a própria vida fosse, objetivamente, sem sentido, valor e propósito. Assim, goste ou não, a menos que escolha o suicídio, terá de viver no auto-engano.

Permita-me encerrar com uma pergunta para sua reflexão, Luke: você diz que devemos ser gratos porque o universo aconteceu. Gratos a quem?

- William Lane Craig