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#712 Perguntas de um cético interessado

March 23, 2021
Q

Cara Dr. Craig,

Ouvir a sua conversa com Alex O’Connor realmente abriu meus olhos. Nela, Alex lançou várias objeções ao argumento cosmológico kalam que anteriormente eu pensava serem demolidoras, só para o ver desconstruí-las com classe, de modo que fui, enfim, convencido a dar uma segunda chance ao argumento. Assim, aprofundei-me nas suas premissas o máximo possível, não tendo formação em filosofia nem em astrofísica, e topei com três questões que me deixam relutante em aceitar o argumento. Peço desculpas se já respondeu a essas perguntas adequadamente em seus textos, mas não consegui encontrar essas respostas.

Minhas perguntas são as seguintes:

1) Parte do seu argumento a favor de um agente causador do universo, se o entendi corretamente, é que, se a causa do universo fosse mecanística, o universo seria coeterno com a causa, além de não ter começo. Minha pergunta é só esta: “Como é que a causa do universo pode ser eterna se ela é sem espaço-tempo?”. Eternalidade não seria conceito temporal?

2) As leis da lógica parecem ser deduzidas mediante observação do padrão de comportamento de fenômenos no universo. Como é que podemos estar certos de que, se algo pudesse existir sem o universo (i.e., a sua causa), não estaria subentendida aí uma lógica diferente, impossibilitando, pois, raciocinar a seu respeito? Observação: não estou assumindo que algo poderia existir de maneira diferente no universo e, então, aplicando-lhe a lógica conhecida; antes, estou perguntando: “se sabemos mediante observação do universo que a lógica é aplicável no universo, será que podemos, pois, estar certos de que a lógica é aplicável sem o universo, i.e., à sua causa?”

3) Nossa apreensão de causação e as suas diferentes formas parece, como acontece com a lógica, advir da observação do universo; como é que se pode estar certo de que a causação é válida sem o universo? Além disso, parece-me que a linguagem tensiva é necessária para referir-se a cadeias causais e que, por isso, a causalidade é, provavelmente, limitada pela temporalidade — e, portanto, o universo. Ao tentar resolver esta questão, li uma resposta aqui nos fóruns de Reasonable Faith em que o senhor parece dar a entender que, se a causação simultânea existe, a causação atemporal provavelmente é possível. Desculpe, mas não consigo enxergar assim, de jeito nenhum; a simultaneidade não pressupõe temporalidade e, portanto, não subentende a possibilidade de atemporalidade?

Agradeço por tirar seu tempo para ler esta pergunta. Não posso resistir a dizer que o seu trabalho acadêmico tem me inspirado profundamente.

Atenciosamente,

Um cético interessado da Dinamarca

Dinamarca

Dr. Craig responde


A

Obrigado por seus cordiais comentários! Fico feliz que você tenha se dedicado novamente ao argumento. Atentemos às suas perguntas em ordem.

1) “’Como é que a causa do universo pode ser eterna se ela é sem espaço-tempo?’ Eternalidade não seria conceito temporal?” Não. Eternalidade é a propriedade de ser sem começo nem fim. Há duas maneiras de ser sem começo nem fim. Uma maneira é existir por todo o tempo sem começo e sem fim. A outra maneira é transcender o tempo completamente. Um ser atemporal não tem nem começo nem fim. De fato, este é o entendimento tradicional da eternidade divina.

2) “Se sabemos mediante observação do universo que a lógica é aplicável no universo, será que podemos, pois, estar certos de que a lógica é aplicável sem o universo, i.e., à sua causa?” O antecedente da sua pergunta é falso. A lógica, assim como a matemática, não é ciência empírica. Não se trata de questão controversa. As regras lógicas de inferência são verdades a priori, conhecidas sem a experiência. Por exemplo, se p implica q, e é verdade que q, então, necessariamente, é verdade que q. A conclusão segue necessariamente das premissas. (Suspeito que, quando as pessoas dizem que a lógica se aplica apenas ao nosso universo, não sabem do que estão falando; com “lógica”, querem dizer algo como senso comum, e não as regras lógicas de inferência.)

3) “Como é que se pode estar certo de que a causação é válida sem o universo?”. Além das provas observacionais em apoio ao princípio causal de que tudo que começa a existir tem uma causa, propus dois argumentos filosóficos a favor do princípio que são de natureza metafísica, e não empírica. (1) Algo não pode vir do nada. Trata-se de um primeiro princípio metafísico tão velho quanto a própria filosofia. O ser vem apenas do ser. Portanto, tudo que vem a existir precisa ter uma causa. (2) Se as coisas pudessem vir à existência sem uma causa, é inexplicável por que simplesmente coisa alguma vem à existência sem uma causa. Pense nisso. Não pode haver nada na natureza de algo que lhe permita vir a ser sem uma causa, uma vez que não existe antes de vir a ser. Assim, por que será que o mesmo não acontece com tudo? Perceba que permitir que as coisas venham a ser sem uma causa destruiria a ciência.

A linguagem tensiva é necessária para referir-se a cadeias causais e, por isso, a causalidade é, provavelmente, limitada pela temporalidade — e, portanto, o universo”. A afirmação inicial é falsa, como fica evidente pela aderência a cadeias causais entre filósofos e físicos que não acreditam no devir temporal objetivo, mas adotam um realismo de espaço-tempo quadridimensional, segundo o qual o devir tensivo e temporal são ilusões subjetivas de seres humanos. Tais pessoas ainda rastreiam, por exemplo, cadeias casuais de evolução biológica ou cadeias causais de formação galáctica. Em todo caso, o ato divino de criar o universo poderia ser simultâneo ao vir à existência do universo, de modo que não há nenhum problema se a causação está “limitada pela temporalidade”.

A simultaneidade não pressupõe temporalidade e, portanto, não subentende a possibilidade de atemporalidade?” Correto! Eu apelo à causação simultânea para estabelecer a possibilidade de que o ato de Deus criar o universo é simultâneo ao (isto é, no mesmo momento do) universo vir a ser. De fato, como é que poderiam ser eventos separados temporalmente? (Observação: o argumento cosmológico kalam permite que Deus exista temporalmente antes da criação, numa espécie de tempo indiferenciado em que segundos e horas e anos não existem, embora minha preferência seja pela visão de que Deus é atemporal sem o universo e temporal desde o momento da criação.)

Estas perguntas são fascinantes, não é mesmo? Penso que o teísmo causa tanta melhoria à mente, estendendo-a para além dos seus limites normais. Fico feliz que você tenha escolhido se dedicar a estas questões mais uma vez; você será uma pessoa mais profunda com essa dedicação — e quem sabe o que mais você não vai acabar encontrando?

- William Lane Craig