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#721 Lógica e Deus

March 23, 2021
Q

Olá, Dr. Craig!

Atualmente, estudo no seminário para o meu mestrado em filosofia, e Deus me levou a esta decisão por meio de uma crise de fé no colegial que me fez topar com os seus debates e palestras no YouTube. Em outras palavras, tenho de lhe agradecer tanto por meu interesse em filosofia quanto pela obra de Deus para me salvar e fortalecer a minha fé no colegial. Sou eternamente grato.

Tenho uma pergunta sobre uma frase que ouvi e afirmo, mas acho desconcertante. Costuma-se dizer que toda verdade está fundamentada em Deus; embora eu creia que esta afirmação seja verdade, parece terrivelmente ambígua. Por exemplo, parece correto dizer que a lógica está fundamentada na natureza de Deus, mas como é possível interpretar esta afirmação de modo razoável?

Primeiramente, parece que seria preciso interpretar o que significa dizer que a “lógica” está fundamentada na natureza de Deus. A título de convenção, digamos que, com “lógica”, queiramos dizer as proposições que tendemos a situar na lógica como área de investigação (i.e., a verdade da lei da não-contradição ou a validade de modus tollens).

Em segundo lugar, seria preciso interpretar o que significa dizer que a lógica está “fundamentada na natureza de Deus”. Isto me é muito desconcertante. Consigo pensar em pelo menos duas opções.

1. Seria possível dizer que essas proposições, enquanto subconjunto de todas as proposições, fundamentam-se na natureza, de algum modo válido a todos os objetos abstratos (se estes existem). Talvez o criacionismo absoluto desse certo aqui. Isto não me parece correto porque, aparentemente, diferentes tipos de proposição estão fundamentados em Deus de modos diferentes. Por exemplo, proposições verdadeiras sobre moralidade estão fundamentadas em Deus, pois o Seu caráter é o padrão da moralidade, mas não é por isso que a lei da não-contradição está fundamentada em Deus.

2. Seria possível argumentar que a mente de Deus é o padrão da verdade de proposições na lógica. A lógica é, meramente, descrição do padrão divino de pensamento. Esta opção parece análoga ao modo como proposições verdadeiras sobre moralidade fundamentam-se em Deus.

Além disso, parece que uma refutação — a de que é difícil ver por que não é verdade que Deus reconhece as leis da lógica e só as segue perfeitamente no Seu pensamento — funciona igualmente bem no caso de proposições sobre moralidade. (Talvez se pudesse propor uma espécie de “dilema de Eutífron” sobre lógica.) Se tiver êxito, será que esta refutação anularia essa resposta tanto no caso da moralidade quanto da lógica?

Parece difícil dizer como se poderia distinguir entre a natureza de Deus como padrão de moralidade e lógica e o reconhecimento divino perfeito desses padrões. O senhor acha uma dessas opções mais plausível? Ou talvez haja alguma outra opção que eu desconheça. Ficaria grato com alguma ajuda sua para resolver essa ambiguidade na minha mente.

Obrigado por seu grande trabalho em prol do Reino de Deus!

Kevin

Estados Unidos

Dr. Craig responde


A

Fico muito feliz, Kevin, em saber da sua vitória na sua crise de fé e, agora, do seu progresso nos estudos! A sua pergunta é algo que me intriga, mas não lhe dediquei muita atenção. Por isso, vou só fazer algumas sugestões em resposta aos seus questionamentos.

Aceitemos que “lógica” se refira àquilo que você diz: princípios estudados por lógicos, como as regras de inferência.

Quando se diz que “a lógica está fundamentada na natureza de Deus”, penso que o impulso principal é rejeitar um tipo de voluntarismo teísta que fundamentaria a lógica na vontade de Deus. Por exemplo, o enorme livro de Brian Leftow, God and Necessity (editora de Oxford, 2012) fundamenta algumas verdades necessárias na natureza de Deus e algumas, na Sua vontade, situando as regras da lógica no primeiro grupo. A ideia aqui é que não depende de Deus quais regras regem o raciocínio lógico; elas são independentes da Sua vontade, mas refletem a Sua natureza.

Penso que você esteja correto que o criacionismo absoluto não vai ao encontro da questão diante de nós. Porém, penso que isso se dê porque objetos abstratos estão fundamentados em Deus de modos diferentes. Pouco importa se verdades morais estão fundamentadas no caráter de Deus, enquanto verdades lógicas estão fundamentadas, digamos, no intelecto de Deus, pois nos dois casos é a natureza de Deus que as fundamenta. Antes, ao que me parece, o criacionista absoluto está tentando responder à questão ontológica da existência de tais proposições, ao passo que a questão diante de nós diz respeito ao valor de verdade das proposições. A questão ontológica surge apenas se você é realista quanto a essas entidades abstratas como proposições.

Por isso, o seu segundo ponto parece pertinente: “a mente de Deus é o padrão da verdade de proposições na lógica”. Aqui, a sua sugestão é que “a lógica é, meramente, descrição do padrão divino de pensamento”. Parece-me muito plausível. Codificamos como Deus naturalmente pensa em regras lógicas que, por serem fundamentadas na Sua natureza, são necessariamente verdadeiras.

Quanto à sugestão proposta como refutação que “Deus reconhece as leis da lógica e só as segue perfeitamente no Seu pensamento”, parece-me que isto não resulta em nada além de uma sugestão alternativa que nega ser a lógica fundamentada em Deus. Não vejo que isso seja relevante, uma vez que não estamos tentando prover um argumento de que a lógica esteja fundamentada em Deus. Estamos apenas tentando articular a visão. Alguém é perfeitamente livre para articular uma visão alternativa. Não precisamos conseguir “distinguir” entre as alternativas, no sentido de que uma pareceria diferente da outra; tudo que precisamos conseguir fazer é individualizar as duas visões, destacando-lhes as diferenças. Penso que seja fácil: segundo uma visão, a lógica tem fundamentação, enquanto, para a outra, ela não tem.

Se fôssemos perguntar qual visão deveríamos preferir, penso que os teístas prefeririam a visão de que Deus é o fundamento da lógica, por exaltar a Sua grandeza. Deus é o ser maximamente grande, e ele parece maior se a lógica estiver fundamentada na Sua natureza, e não for meramente seguida por ele. Além disso, a visão de que a lógica está fundamentada em Deus parece ter maior profundidade explanatória e, portanto, deve ser preferida. Segundo as duas visões, as regras da lógica não são, necessariamente, verdadeiras, mas, segundo a visão da fundamentação, temos uma explicação desse fato, enquanto a alternativa tem profundidade explanatória nula.

Parece-me que o caso de verdades lógicas e verdades morais é bem paralelo. Nos dois casos, queremos saber o que fundamenta essas verdades necessárias. Nos dois casos, uma boa resposta teísta é que elas estão fundamentadas em aspectos diferentes da natureza de Deus.

- William Lane Craig