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#657 Os cristãos podem ser anti-realistas teístas?

February 02, 2020
Q

Caro Dr. Craig,

Recentemente, li alguns livros de filosofia da ciência, especialmente o debate entre realismo e anti-realismo científicos. O tópico me é fascinante, e sei que cientistas podem cooperar apesar de suas diferenças no debate. É interessante também ver que a teologia, em certo sentido, pode ser caracterizada como ciência. Minha pergunta é dupla (para teístas e para ateus). Gostaria de perguntar se nós, enquanto cristãos, podemos crer em Deus no mesmo sentido que os anti-realistas acreditam em elétrons. O senhor acha que o argumento a favor de Deus é análogo ao argumento para os elétrons? Quando o senhor diz: “Deus é a melhor explicação para a origem do universo, do ajuste fino e da existência de valores morais objetivos”, será que o ateu pode aceitar isto de modo anti-realista? Fico curioso em saber se a “guerra de cosmovisões” entre teísmo e ateísmo cessará (ou se reduzirá), assim como aconteceu com os cientistas em relação aos elétrons — digamos, se os teístas entenderem Deus de modo realista e os ateus, de forma anti-realista.

Ezra

Indonésia

Indonesia

Dr. Craig responde


A

Embora os cristãos possam ser anti-realistas em relação a diversos postulados da física teórica, como as partículas virtuais ou mesmo os elétrons, eles não podem, a meu ver, ser anti-realistas em relação a Deus. Isso porque a pessoa que adota uma perspectiva anti-realista diante de certas entidades teóricas na física não crê que tais entidades existam de verdade. São apenas úteis ficções que nos ajudam a passar pelo mundo. A atitude diante de tais entidades é, na melhor das hipóteses, agnóstica, isso se não for de total negação.

Obviamente, o cristão não pode adotar tal atitude diante de Deus. Tal pessoa seria, na realidade, agnóstica ou ateia. Tal atitude é o extremo oposto da fé e amor salvadores. Não se pode contar com um Deus que é apenas um útil postulado fictício como fundamento de valores morais objetivos ou como fonte de significado objetivo para nossas vidas, nem tampouco como alguém que nos preservará além da morte e nos concederá vida eterna. Esse Deus de faz-de-conta é ilusão piedosa, por mais que tal ilusão ajude a passar pela vida. Adotar uma atitude anti-realista diante de Deus acabaria com “a guerra de cosmovisões” somente por capitular ao não-teísmo.

A pergunta interessante que você apresenta é se o ateu poderia não adotar tal atitude diante de Deus. Suponho que sim, embora não conheça ninguém que o faça. Isto o deixaria na estranha posição de manter que Deus não existe, apesar das provas dizerem que exista. Por que o ateu não seguiria as provas até onde elas o levarem? Tal posição deixaria o ateu em profundo conflito, e talvez seja por isso que não conheço ninguém que a adote. Na ciência, entidades teóricas como os elétrons são postuladas por causa de seu valor instrumental para fazer previsões e promover descobertas empíricas, mesmo que elas não existam de verdade. O teísmo não parece ser assim. O que significaria, por exemplo, dizer que Deus é a melhor explicação para a origem do universo e do ajuste fino do universo para a vida, mas que tal ser não exista de verdade? Se ele não existe, como é, então, que essa pode ser a melhor explicação para a origem e ajuste fino do universo? O não-teísta, com toda certeza, não quer se ver na posição do anti-realista jurássico, que mantém que dinossauros são a melhor explicação dos indícios fósseis, mas nega ou não crê que eles tenham, de fato, existido.

Infelizmente, alguns teólogos pós-modernos adotam uma espécie de perspectiva anti-realista em relação a Deus. Deus, para eles, é apenas uma construção interpretativa que o crente individualmente impõe sobre o mundo. Por exemplo, em meu debate com John Dominic Crossan, muitos anos atrás, perguntei-lhe se, na sua visão, Deus existia durante o período jurássico.

“Que pergunta sem sentido!”, replicou ele.

“Claro que ela não é sem sentido”, insisti eu. “Durante o período jurássico, quando não havia seres humanos, será que Deus existia?”

“Bem, acho que devo dizer que não”, admitiu ele.

Tal teísmo pós-moderno não é nada mais do que ateísmo.

- William Lane Craig